Discos para história: Room on Fire, dos Strokes (2003)

História do disco

"No final de 'Is This It?', sempre pensei na segunda parte. Lembro-me de quando começamos [a gravar] 'Reptilia' e 'The End Has No End', eu pensei: 'esta é a nova vibe'", disse Julian Casablancas em entrevista para revista 'Rolling Stone' em 2014. Se ele, vocalista de uma das bandas de maior sucesso da época, pensava assim, imagine os fãs?

Quando o primeiro álbum dos Strokes foi lançado em 2001, o grupo já estava em plena ascensão e o trabalho foi a consolidação da banda e cena em torno deles. A partir daquele momento, Nova York era o centro da música novamente. Tudo de legal, novo, inspirador e imitável vinha de lá. Era 'cool' ser nova-iorquino de novo. Mas, claro, o sucesso deles dividiu opiniões.

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Do outro lado, muitos críticos e fãs de música diziam justamente o oposto: os Strokes eram tudo de errado no rock. Eles eram mimados, filhos abastados e falsamente revoltados com a vida. E só copiaram uma estética dos anos 1970 e 1980 e deram um ar mais moderno. Eles eram a própria desgraça em pessoa, o fim do rock e o início de outra coisa. Na época, quanto mais se discutia sobre os Strokes mais famosos eles ficavam. A MTV só falava deles, as revistas só falavam deles, o mundo da música só falava deles.

Bem, enquanto praticamente todo mundo só falava deles, a banda rapidamente começou a trabalhar em novas músicas para gravar o sucessor de "Is This It?" o mais rápido possível para provar, ao mundo e a eles mesmos, que o sucesso não era nada passageiro. E eles procuraram a pessoa certa para trabalhar com eles: Nigel Godrich, conhecido pelos trabalhos com Radiohead, Beck e Pavement. Certo?

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Os Strokes queriam soar o mais sujo possível em estúdio, não queriam um som limpo e cristalino. Era gravar e procurar o som certo para cada música de maneira natural, não gravar tudo e consertar na mixagem. Aí que as discussões começaram, pois o produtor queria exatamente o oposto. E ainda houve o fato de Godrich e Casablancas não se darem nada bem em estúdio. Controladores ao extremo, era um duelo de machos alfa durante quase todo tempo.

"Ele queria fazer do jeito dele, eu queria fazer do meu jeito e, obviamente, esse é o objetivo de eu estar lá. Nós nos demos muito bem, foi apenas uma daquelas coisas risíveis que simplesmente não funciona. Eu queria que eles mudassem, e eles não mudaram", falou o produtor ao 'Drowned In Sound' em 2018.

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O trabalho de banda e produtor juntos durou dez dias e era impossível continuar. O fim, por mais triste para as partes, era inevitável. E quando isso acontece, não tem jeito. Eles chegaram a finalizar "Meet Me in The Bathroom" e "Automatic Stop", mas essas versões nunca foram disponibilizadas. Não deu liga. "Nós nos dávamos muito, muito bem, mas tínhamos maneiras diferentes de trabalhar. Passaremos dias obtendo o som de bateria certo. Não queremos ouvir: 'Vamos consertar isso na mixagem'", disse o guitarrista Albert Hammond Jr., na época.

Sem Godrich, dispensado em abril e agora com 100% de foco em "Hail to the Thief", do Radiohead, os Strokes pediram socorro ao amigo e produtor do trabalho anterior. Gordon Raphael chegou para ajudá-los, mais uma vez, a transformar as ideias em música. Naquela época, eles estavam muito focados em tentar encontrar o som perfeito para cada música em várias tentativas e experimentos no estúdio.

Não era um trabalho simples e demandava alguma paciência, coisa que Raphael tinha por conhecê-los há algum tempo. Mas havia um problema: incluindo as sessões canceladas mais os shows agendados, eles teriam apenas três meses para gravar e mixar. Foi uma correria só para todo mundo e o trabalho varou várias madrugadas muito mais de uma vez.

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Lançado em 28 de outubro de 2003, "Room on Fire" chegou na segunda posição da parada no Reino Unido e na quarta nos Estados Unidos. O disco foi elogiado pela maioria dos críticos da época, apesar de muitos deles considerarem praticamente uma cópia do anterior. Mas os fãs o adoraram justamente por isso. Na visão deles, seguir o ritmo era fundamental. E deu certo.

Com a pressão de lançar um trabalho tão bom quanto o primeiro, os Strokes passaram muito bem no teste do segundo disco. Eles melhoraram o ritmo acelerado da estreia nessa ressurreição nova-iorquina do pós-punk e do rock com guitarras, algo sempre em vias de sumir, mas nunca some. "Room on Fire" foi esse último momento deles com esse estilo. Depois disso, eles passariam a experimentar mais dentro da própria discografia e praticamente romperiam com o passado nos álbuns seguintes.

Os fãs mais ardorosos podem até não gostar dos álbuns seguintes, porém não teriam nascido se não fosse "Room on Fire", o último grito das guitarras dos Strokes.

 
Resenha de "Room on Fire"

"What Ever Happened?" abre o trabalho com os Strokes questionando a atenção recebida nos meses antes e depois do lançamento do primeiro álbum. A guitarra bem presente logo de cara ajuda a dar o tom da letra, que brinca com a possibilidade de eles voltarem ao anonimato após o segundo trabalho da carreira.

Um dos grandes sucessos até hoje, "Reptilia" não envelheceu um dia e ainda é das melhores da discografia deles. Agitada e de tom urgente, ela traz a lembrança de um tempo de coisas mais simples com uma guitarra muito bem tratada. Já "Automatic Stop" traz uma letra mais adulta em um tom bem mais dramático sobre as relações de Julian Casablancas com homens e mulheres ao longo do tempo.

Depois vem outro hit: "12:51" e o riff criado a partir da insistência o guitarrista Nick Valensi em ter um som de teclado muito específico. Trabalho a parte, a canção tem na bateria de Fabrizio Moretti um dos trunfos - aliás, ele está bem no trabalho inteiro ao conseguir dar o tom necessário para os andamentos. Mais melódicas, "You Talk Way Too Much" e "Between Love & Hate" diminuem um pouco o ritmo em canções sobre relacionamentos - e términos.

"Meet Me in the Bathroom" chega para colocar as guitarras em destaque novamente e, com ajuda da bateria eletrônica, conta a história que qualquer jovem viveu: de encontrar com a e/ou o ficante do momento em algum banheiro de alguma balada pelo mundo - futuramente, seria o nome de um livro que conta a história daquela cena musical do começo dos anos 2000.

A mais suave de todo repertório, "Under Control" tem inspiração no reggae para colocar na mesa uma proposta de término na relação por conta de perspectivas diferentes sobre o futuro, enquanto "The Way It Is" aborda o mesmo tema de maneira mais caótica. Os últimos momentos do álbum trazem "The End Has No End", outro clássico de qualquer balada indie, e "I Can't Win", um encerramento ótimo para amarrar todo conteúdo do disco.

Talvez os Strokes não tivessem sobrevivido se "Room on Fire" fosse diferente. Ao manter a pegada do primeiro trabalho com pequenos acréscimos de coisas novas, eles mantiveram os fãs atentos e motivados e seguiram sendo falados - para o bem ou para o mal. Dois discos de sucesso e repercussão em uma época dominada pela música pop e eletrônica não era missão fácil. Mas eles conseguiram.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "What Ever Happened?" (2:49)
2 - "Reptilia" (3:35)
3 - "Automatic Stop" (Julian Casablancas / Albert Hammond Jr.) (3:21)
4 - "12:51" (2:33)
5 - "You Talk Way Too Much" (2:58)
6 - "Between Love & Hate" (3:10)
7 - "Meet Me in the Bathroom" (2:56)
8 - "Under Control" (3:02)
9 - "The Way It Is" (2:17)
10 - "The End Has No End" (3:00)
11 - "I Can't Win" (2:34)

Gravadora: RCA
Produção: Gordon Raphael
Duração: 32min15s

Julian Casablancas: vocal
Albert Hammond, Jr.: guitarra
Nick Valensi: guitarra
Nikolai Fraiture: baixo
Fabrizio Moretti: bateria

Toshikazu Yoshioka: engenheiro de som
William Kelly: engenheiro de som assistente
Greg Calbi e Steve Fallone: masterização
J. P. Bowersock: "sensei"
Ryan Gentles: representante da Wiz Kid Management
Steve Ralbovsky: A&R

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