Discos para história: Greetings from Asbury Park, N.J., de Bruce Springsteen (1973)

História do disco

Bruce Springsteen nasceu em uma família de classe trabalhadora misturada entre imigrantes holandeses, italianos e irlandeses. Sem condições financeiras para fazer grandes coisas, ele foi um dos muitos garotos nascidos no pós-guerra a ficar apaixonado pelo rock e pelos ídolos da época. Após assistir aos Beatles na icônica apresentação no "The Ed Sullivan Show", ele decidiu comprar um violão. Ele tinha 14 anos.

A partir desse dia, ele passou a viver, respirar e a amar música. Um amor difícil, cheio de barreiras e dificuldades para quem está em início de carreira, ainda mais em Nova Jersey, um lugar nada empolgante para um adolescente com o sonho de virar um grande astro.

Se a vida de músico não foi nada fácil, como ele bem contou no livro de memórias "Born to Run - A Autobiografia", toda essa experiência acumulada deu a ele as ferramentas necessárias para sobreviver nesse mundo duro. Enquanto passava maus-bocados em péssimas moradias, ele conhecia músicos, trocava ideias e aprimorava o próprio material um ano antes do lançamento do primeiro álbum, quando abandonou a Steel Mill, também formada por Vini Lopez, Danny Federici e Steve Van Zandt, futuros integrantes da E Street Band, e passou a focar em escrever boas letras.

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"Queria ser uma voz que refletisse a experiência e o mundo em que vivia. Então sabia, em 1972, que para fazer isso, precisaria escrever muito bem e mais individualmente do que já havia escrito antes… Pela primeira vez na minha vida, parei de tocar com uma banda e me concentrei na composição. À noite, em meu quarto com meu violão e em um velho piano eólico, comecei a escrever a música que comporia 'Greetings from Asbury Park'", contou ele, no livro. Isso aconteceu enquanto morava nos fundos de um salão de cabeleireiro abandonado.

E foi em 1972 que a vida de Springsteen começou a mudar definitivamente. Duas pessoas que gostaram do que ouviram foram os sócios Mike Appel e Jim Cretecos. O cantor havia conhecido Appel alguns meses antes durante uma curta ida para Nova York antes de uma longa viagem até a Califórnia em 1971. O empresário deu o número do telefone do escritório após ouvir o material e demonstrar interesse, Bruce não deu garantia de retornar. Ficaram de se falar.

O período focado na composição das letras deu a confiança necessária para continuar a carreira. Com isso, ele pegou o telefone e ligou para Appel. O encontro foi produtivo. O empresário enxergou potencial em boa parte do material e sabia em quais portas bater. Pela primeira vez, Springsteen assinaria um contrato. Um contrato ruim para ele e bom apenas para os sócios, mas um contrato. O filho de Asbury Park, sem estudo, dinheiro ou um teto para chamar de seu, era um músico profissional.

A primeira tentativa de contrato foi na Atlantic. Fundada por Ahmet Ertegün e Herb Abramson em 1947, havia sido a casa de Ray Charles no início da carreira e, entre outros nomes, abrigava o Led Zeppelin. Mas não houve interesse. O próximo passo, e nem Bruce soube direito como isso aconteceu, foi uma audição com o John Hammond. Naquela altura, aos 62 anos, ele havia descoberto Aretha Franklin, Bob Dylan, Leonard Cohen, Billie Holiday, entre outros. E topou receber Appel e o jovem músico no escritório da Columbia.

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Appel não foi gentil com Hammond, que ficou a ponto de expulsar os dois da sala, mas pediu para ouvir alguma coisa. E ao final da apresentação improvisada de uma versão não acabada de "It's Hard to Be a Saint in the City", o descobridor de talentos abriu um enorme sorriso e disse: "você precisa assinar com a Columbia". Claro que Clive Davis, o chefão da gravadora, precisaria concordar, mas o negócio estava praticamente sacramentado quando eles deixaram o prédio da CBS.

O acordo foi fechado após uma curta apresentação ao vivo e um encontro com Davis. O próximo passo era gravar uma demo. Até ali, estava tudo bem para todas as partes. O problema viria algum tempo depois: Hammond e Davis pensaram em ter contratado um cantor no estilo folk, algo entre Bob Dylan e James Taylor, já Springsteen tinha seus próprios objetivos: montar uma banda e encher o álbum com uma guitarra marcante. E detalhe: Appel nunca o havia visto tocar em grupo antes.

A gravação do disco teve um início tenso, com Appel e Cretecos tentando colocar Louis Lahav como engenheiro de som principal, enquanto a Columbia tinha um engenheiro do sindicato. Telefonemas, brigas e algum tempo depois, tudo foi resolvido. Outra briga foi a contratação de músicos de estúdio, afinal eles estavam esperando alguém sozinho. Nada que alguns dias de deliberação não fizessem efeito.

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No fim, Garry Tallent, Lopez e Federici participaram das gravações de "Greetings from Asbury Park, N.J." como músicos de estúdio. O trabalho caminhou bem e eles finalizaram todo repertório escrito por Bruce em três semanas, um bom tempo. Porém, Davis não gostou e mandou uma mensagem alegando falta de "sucessos". Foi quando, inspirado pelo momento e pressionado, Springsteen escreveu "Blinded by the Light" e "Spirit in the Night", momento em que pôde convocar ao estúdio o velho amigo de tantas batalhas, o saxofonista Clarence Clemons. Estava formada E Street Band.

A lamentar que a participação de Van Zandt tenha sido excluída para deixar o álbum menos cheio de guitarra e um pouco mais folk - no fim, ele acabou ajudando a gravar a guitarra de Bruce. Foi a primeira de muitas contribuições dele com o cantor em estúdio em quase 60 anos de amizade entre idas e vindas. Mas ele ficou tão mal com isso e abandonou a carreira por quase dois anos.

Depois isso, outro problema precisou ser contornado: a Columbia desejava vender o álbum como de um jovem músico de Nova York em busca da primeira oportunidade, um poeta pronto para contar as mais diversas histórias da grande cidade. Nem precisa dizer o quão irritado Springsteen ficou. Ele salientou com todas as letras: ELE ERA DE NOVA JERSEY. O nome "Greetings from Asbury Park, N.J." não é a toa, tampouco a imagem da capa: um cartão-postal da cidade.

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Lançado em 5 de janeiro de 1973, o primeiro LP de Bruce Springsteen foi um fracasso de vendas. Apesar de a Columbia colocar muito dinheiro na divulgação e até mesmo Davis se empenhar pessoalmente em promovê-lo na imprensa e no rádio, o disco vendeu pouco mais de 23 mil cópias. Um número muito baixo para a alta expectativa.

A construção da identidade de um artista nem sempre acontece de primeira. Foi o caso de Bruce Springsteen. Apesar de tentarem colocá-lo em uma caixa muito específica, ele lutaria contra isso ao longo dos anos, trocaria de empresário e partiria para uma carreira de sucesso. Até lá, o primeiro passo precisava ser dado. E foi em "Greetings from Asbury Park, N.J.".


Resenha de "Greetings from Asbury Park, N.J."

"Blinded by the Light" já começa com o saxofone marcante de Clarence Clemons logo nos primeiros segundos. A guitarra discreta surge com a voz de Bruce Springsteen, crescente até a faixa ganhar mais ritmo. Inspirada pelas pessoas que passaram na vida dele ao longo dos anos, a ótima faixa de abertura é uma homenagem ao povo de Nova Jersey.

A E Street Band ganhou corpo nesse primeiro trabalho de estúdio e "Growin' Up" é uma boa síntese dessa união inicial, quando todos trabalham em harmonia em uma balada suave e com uma ótima história. "Mary Queen of Arkansas" surge no estilo voz, violão e gaita para contar a história de Mary, uma drag queen que o cantor conheceu ao longo das andanças de bar em bar buscando algum trabalho. Densa, essa faixa lembra alguns dos momentos mais profundos de Bob Dylan.

A banda retorna na romântica e agitada "Does This Bus Stop at 82nd Street?", quando o compositor relembra uma viagem de ônibus para encontrar a namorada em Manhattan e o lado A encerra com um dos primeiros épicos dele sobre veteranos da Guerra do Vietnã: "Lost in the Flood". Tema comum no futuro da discografia de Springsteen, o homem retorna dos horrores da guerra sem saber o que fazer em uma mescla de desespero e esperança em uma balada no piano muito bem construída.

A segunda parte começa com a lenta "The Angel", sobre um motoqueiro fora da lei. Tocante, seria a primeira de muitas canções do tipo escritas por ele ao longo dos anos. Outra que ganharia companheiras de mais qualidade é a agitada "For You", essa sobre uma mulher que tentou cometer suicídio.

Gravada nos últimos momentos, "Spirit in the Night" acabou contando com Lopez na bateria, Clemons no saxofone e Springsteen nos outros instrumentos na gravação. É uma boa canção sobre amizade e em como aproveitar a vida rodeado pelas melhores pessoas do mundo naquele momento. E "It's Hard to Be a Saint in the City", primeira canção apresentada na Columbia, encerra o trabalho contando como era a vida do cantor antes da fama, uma busca por fazer o certo em meio às tentações da vida. Um bom encerramento.

Para um artista iniciante e cheio de ambições, "Greetings from Asbury Park, N.J." não soa como um trabalho que vai mudar a vida de alguém. Mas era o possível a ser feito naquela época, e Springsteen fez muito bem. De maneira geral, é uma boa estreia com três hits potenciais ("Blinded by the Light", "Spirit in the Night" e "It's Hard to Be a Saint in the City") e um repertório com bastante potencial para ser refinado. E, como diria o outro, o resto é história.

Tracklist:

Lado A

1 - "Blinded by the Light" (5:06)
2 - "Growin' Up" (3:05)
3 - "Mary Queen of Arkansas" (5:21)
4 - "Does This Bus Stop at 82nd Street?" (2:05)
5 - "Lost in the Flood" (5:17)

Lado B

1 - "The Angel" (3:24)
2 - "For You" (4:40)
3 - "Spirit in the Night" (5:00)
4 - "It's Hard to Be a Saint in the City" (3:13)

Gravadora: Columbia
Produção: Mike Appel e Jim Cretecos
Duração: 37min08s

Bruce Springsteen: vocal, violão, guitarra, gaita, baixo, piano, teclado e palmas
Clarence Clemons: saxofone, vocal de apoio e palmas
Vini "Mad Dog" Lopez: bateria, vocal de apoio e palmas
David Sancious: piano, órgão Hammond e teclado
Garry Tallent: baixo
Richard Davis: baixo duplo em "The Angel"
Harold Wheeler: piano em "Blinded by the Light" e "Spirit in the Night"
Louis Lahav: engenheiro de som

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