Discos para história: Os Anjos Cantam, de Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano (1962)

História do disco

No dia 18 de abril de 2004, aos 76 anos, morreu Nilo Amaro, nome artístico de Moisés Cardoso Neves, fundador de um dos melhores e mais importantes grupos vocais brasileiros dos anos 1960: Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano. Como quase sempre acontece, ele morreu esquecido e poucas pessoas lembravam do que ele havia feito em um período importante da construção de uma nova música brasileira, já sem a dependência dos grandes nomes do rádio dos anos 1940 e 1950.

Amaro foi fundamental em alguns aspectos da construção musical do Brasil. O primeiro foi ter adaptado o estilo dos "spirituals", músicas cantadas pelos escravos no Sul dos Estados Unidos, para cá. Religiosas, tradicionais ou dicas de rotas de fuga, essas canções foram fundamentais para sobrevivência da tradição africana em um país estrangeiro. Futuramente, seria conhecida como música gospel e também base para o jazz e o blues, esse último fundamental para o surgimento do rock.

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O segundo foi formar um grupo apenas por cantores e cantoras negros. Seus Cantores de Ébano era formado por um soprano, um mezzo soprano, um contralto, dois baixos, um tenor e três barítonos, e, importante, era misturar no repertório jazz e muita música brasileira, seja "moderna" ou canções tradicionais importantes na construção musical de Amaro, nascido em 1928 — apenas 30 anos após a abolição da escravidão no Brasil apenas no papel.

O grupo foi batizado Seus Cantores de Ébano pelo talento vocal e para homenagear a árvore de mesmo nome que, segundo o dicionário, "é designação comum às árvores do gênero Diospyros, da família das ebenáceas, em particular as pertencentes à espécie Diospyros ebenum, nativas da Índia e do Sri Lanka. Estas árvores produzem uma madeira nobre e na maior parte das vezes muito escura e densa". Só que de denso eles não tinham nada. A interpretação era suave e o canto envolvia qualquer um disposto a ouvi-los cantar.

Após o lançamento de três compactos, dos velhos 78 rotações, um pela pequena gravadora Dó Re Mi e dois pela gigante Odeon, o sucesso veio com a dobradinha "A Noiva" e "Greenfields", versões de uma canção em espanhol e outra em inglês, respectivamente, e com "Leva Eu Sodade", essa uma composição inteiramente em português. Foi o suficiente para a Odeon contratá-los para gravar um álbum completo.

Veja também:
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Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano gravaram seis discos, mas nenhum chegou perto do sucesso e da repercussão de "Os Anjos Cantam". A mistura certeira de música brasileira, versões e releituras de canções americanas fez o grupo ser reconhecido rapidamente como um dos melhores dos anos 1960, sendo constantemente elogiado em matérias e críticas pelo Brasil.

Professor de Wando, Jair Rodrigues e outros cantores famosos e fundamental para Nelson Ned ter a primeira chance para se apresentar no programa do Chacrinha, Amaro merecia muito mais reconhecimento por parte da imprensa especializada por conseguir unir as influências da música negra brasileira e americana em um único trabalho, sendo o ponto em comum entre esses dois mundos não tão diferentes assim. Apesar de curta e com poucos trabalhos, a carreira do grupo foi fundamental para discos como "Os Afro-Sambas de Baden e Vinicius", para falar apenas em um dos mais famosos de todos os tempos da música brasileira.

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Resenha de "Os Anjos Cantam"

O primeiro clássico do grupo abre o LP. A melancólica "Leva Eu Sodade" tem um arranjo feito para fazer o ouvinte se emocionar em uma história que trazia a simplicidade da linguagem e da elegância da música brasileira do início dos anos 1960. Em "Boa Noite", aparece pela primeira vez e podemos ouvir um pouco da música pop que dominaria o Brasil pelos anos seguintes e também podemos comprovar a qualidade vocal de Seus Cantores de Ébano.

Misturando uma música mais animada com uma carga dramática de canções tradicionais, "Fiz A Cama Na Varanda" funciona bem, enquanto "Canção De Ninar Meu Bem" recoloca a serenata, misturada com música de igreja, mais uma vez em pauta — com a facilidade do grupo vocal em criar melodias, era uma escolha natural apostar nesse repertório.

O lado A fecha com a ótima versão para "Down By The Riverside", clássico da época da escravidão registrado pela primeira vez em 1918 e cantada por inúmeros artistas ao longo de mais de cem anos, e com a versão em português para "Greenfields", clássico da banda The Brothers Four, em que o vocal solo de Nilson Prado é o grande trunfo.

A segunda parte começa com "A Lenda Do Abaeté", uma das canções mais impressionantes do repertório de Dorival Caymmi, em que Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano conseguiram dar ainda mais profundidade para essa triste letra, que traz na sequência a melancólica "Azulão", parceria entre o músico Jayme Ovalle e o poeta Manuel Bandeira.

"Eu E Você" aparece para mostrar o lado romântico do repertório, já "Minha Graúna" coloca o sertão brasileiro no ouvindo nessa bonita interpretação de um sucesso de Luiz Gonzaga. O final chega com a triste história da preocupada "Dorinha" em nunca mais ver Maria Fulô e termina com "A Noiva (La Novia)", cantada em espanhol, inglês e português ao longo dos anos por diversos artistas, de Angela Maria até Julie Rodgers — aqui ganha uma versão bem tradicional da Igreja Católica.

"Os Anjos Cantam" é um nome certeiro para o LP porque, ao ouvi-lo, foi exatamente como eu e milhares de pessoas pelo Brasil se sentiram. Seis décadas após o lançamento, Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano estão cada vez mais esquecidos, jogados em uma esquina escura da música brasileira. Uma pena, porque, ainda que não tenham durado muito, o sucesso e o repertório jamais deveriam ser esquecidos.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Leva Eu Sodade" (Alventino Cavalcanti/Tito Neto)
2 - "Boa Noite" (Francisco J. Silva/Iza M. Da Silva)
3 - "Fiz A Cama Na Varanda" (Dilú Mello/Ovidio Chaves)
4 - "Canção De Ninar Meu Bem" (Bidú Reis/Gracindo Junior)
5 - "Down By The Riverside" (Dazz Jordan)
6 - "Greenfields" (Frank Miller/Richard Deher/Terry Gilkyson [Ver.: Nilo/Romeo Nunes])

Lado B

1 - "A Lenda Do Abaeté" (Dorival Caymmi)
2 - "Azulão" (Jayme Ovalle/Manuel Bandeira)
3 - "Eu E Você" (Jairo Aguiar/Roberto Muniz)
4 - "Minha Graúna" (Jairo Aguiar/Tito Neto)
5 - "Dorinha" (Ary Monteiro/Tito Neto)
6 - "A Noiva (La Novia)" (Joaquim Prieto [Ver.: Fred Jorge])

Gravadora: Odeon
Produção: Ismael Corrêa
Duração: 32min12

Nilo Amaro: vocal
Noriel Arantes: vocal nas faixas 1 do lado A e 1 do lado B
Nilson Prado: vocal nas faixas 2, 4, 6 do lado A e 6 do lado B
Seus Cantores de Ébano: vocal, vocal de apoio e instrumentos diversos
Banda da Odeon: instrumentos diversos

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