Discos para história: Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?, do Cranberries (1993)

História do disco

A cantora Dolores O'Riordan morreu, aos 46 anos, afogada na banheira do hotel onde estava em consequência de entoxicação alcoólica, em 18 de janeiro de 2018. Foi um dia muito triste na história da música dos anos 1990 que, naquele dia, perdia uma das melhores e mais importantes vocalistas, de início brilhante em "Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?", primeiro disco de estúdio dos Cranberries.

A história da banda começa em Limerick, na Irlanda, no final dos anos 1980, em um país sem tantas mudanças desde o sucesso das músicas do U2 contando essas histórias - o IRA (sigla em inglês para Exército Republicano Irlandês) cometeu dois atentados em 1989 com 12 mortos. Naquele mesmo ano, o país se classificaria pela primeira vez para a Copa do Mundo de 1990 e avançaria até às quartas de final, eliminados pela Itália, seleção da casa.

A primeira formação contou com o vocalista Niall Quinn, o guitarrista Noel Hogan, o baixista Mike Hogan e o baterista Fergal Lawler. Os irmãos Hogan eram fãs de música desde o início da adolescência e, punks como quase todo mundo nessa idade, logo adotaram a estética do "faça você mesmo". Amigos de Lawles desde essa época, eles ganharam os primeiros instrumentos quase ao mesmo tempo e decidiram formar um trio. Foi nesse período que Quinn surgiu na vida deles.

Morador da mesma região que o trio, ele já era vocalista em um grupo chamado Hitchers e costumava conversar com eles sobre música. Foi essa amizade e interação que os transformaram em um quarteto inseparável, formando assim uma banda em que o mais velho tinha 18 anos. E qual nome dar? O esperto Cranberry Saw Us surgiu, sendo o escolhido.

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A música na Inglaterra fervia nos anos 1980. O início da década começou com Joy Division e terminou com a consagração do New Order. Os Smiths lançaram toda discografia entre 1984 e 1987, inspirando uma geração de guitarristas, cantores e compositores. E ainda Siouxsie And The Banshees, Cocteau Twins, Jesus and Mary Chain e Depeche Mode lançaram discos importantes até hoje. Era difícil não se inspirar.

Tudo caminhava razoavelmente bem, mas, seis meses depois, Quinn os deixou para retornar ao antigo grupo. Poucos dias antes, eles tinham gravado e lançado o EP "Anything". Foi um choque para o agora trio, que decidiu continuar sem vocalista por um tempo. Naquela época, com tantas bandas fazendo sucesso, ser um trio instrumental soava loucura, mas o período acabou sendo importante para eles trabalharem arranjos e melodias. Nesse meio tempo, eles colocaram um anúncio procurando um vocalista.

A amizade com Quinn não foi desfeita e, algum tempo depois, ele comentou sobre a amiga da irmã da namorada dele. Vocalista, ela estava procurando uma banda focada em canções originais. Ela era de Ballybricken, uma pequena cidade nos arredores de Limerick, a 210 quilômetros de Dublin. Moça do interior e muito tímida, Dolores, 19, não conseguiu manter uma conversa por muito tempo. E logo veio a dúvida: se ela não fala, como vai cantar?

Os problemas acabaram quando a audição começou. A química entre eles foi imediata. O trio ficou maravilhado com o vocal único - e o sotaque do interior da Irlanda só deu mais charme. E ela gostou deles também, principalmente pelo potencial instrumental mostrado ao longo do dia de trabalho. Um precisava do outro, e ambos precisavam de direção. Mas o início não foi fácil para os rapazes, que comeram poeira.

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Dolores tocava piano desde cedo, cantava no coro da igreja e aprendeu a tocar violão apenas ouvindo as músicas nos LPs e no rádio. Além de tudo, ela tinha um ouvido incrível para música e sabia exatamente qual nota queria em cada verso e como encontrar cada palavra para uma melodia. Ela nem havia chegado à idade adulta e já era uma musicista praticamente completa. Quando se sentiu confortável o suficiente, começou a colocar letra nas melodias de Noel Hogan. De início, eles não trabalhavam juntos, mas isso foi melhorando com o tempo.

A impressão sobre estarem fazendo a coisa certa veio quando O'Riordan chegou com a versão bruta de "Linger". Com tantas músicas, eles logo gravaram uma fita demo chamada "Water Circle", em agosto de 1990, que logo correu na indústria e chamou atenção de executivos e caçadores de talentos. Eles ainda lançariam uma última demo, "Nothing Left at All", pouco antes de encerrar o ano. O material chamou tanta atenção que gerou uma guerra entre as principais gravadoras do Reino Unido para tentar contratá-los. E foi aí que eles mudaram o nome para o simples e limpo The Cranberries.

Quatro meses depois, no verão de 1991, após um show na Universidade de Limerick com a ilustre presença de 32 representantes de gravadoras do Reino Unido e dos Estados Unidos, eles assinaram com a Island para gravação do primeiro álbum completo. A escolha aconteceu por eles gostarem muito do trabalho de Denny Cordell, famoso produtor e responsável pela área de Artistas e Repertório da gravadora, que deu a eles todo tempo necessário para refinar o material. Então, eles caíram na estrada.

O Cranberries lançou um EP em outubro de 1991, mas não chamou tanto a atenção. Os fãs queriam mesmo ouvi-los ao vivo, fama impulsionada pelas apresentações nos programas de rádio "Dave Fanning Show", da 2FM, de Dublin, e o comandado por John Peel, na BBC Radio 1. Isso gerou pressão no início da gravação do álbum. No final de 1992 e início de 1993, a indústria da música, fãs, críticos e apresentadores sabiam do potencial do grupo graças aos sucessos dos singles "Dreams" e "Linger". O ponto era: eles podiam entregar um bom trabalho? Nisso entrou Stephen Street. Conhecido pelos trabalhos com os Smiths e do primeiro álbum solo de Morrissey, ele parecia ser a pessoa certa para soltar o grupo no estúdio e explorar as qualidades melódicas e vocais dos integrantes.

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O trabalho duro, enfim, rendeu o tão esperado primeiro LP. "Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?" foi lançado em 1º de março de 1993 e demorou para decolar nas paradas. Só chamou atenção da MTV quando estavam como banda de abertura do Suede e, a partir desse dia, "Dreams" e "Linger" tocavam sem parar na programação. Ao fim da turnê, o Cranberries era a atração principal e o disco liderava a parada do Reino Unido.

O primeiro álbum do Cranberries era diferente de tudo da época. Não era britpop, não era grunge, não era feroz. Era sentimental, brutal, melódico e elegante. Era um disco que explorava o potencial de quatro jovens que faziam questão de dar uma resposta para pergunta do título: "todo mundo está fazendo isso, então por que não podemos?". Eles ficaram 86 semanas na parada britânica e, naquela época, foi apenas o quinto álbum a chegar na liderança no Reino Unido depois da semana de lançamento. O mundo já não era o bastante para o Cranberries.

Resenha de "Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?"

Dolores O'Riordan tinha pouco menos de 20 anos quando entrou no Cranberries e já soava veterana logo na faixa de abertura de "Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?". "I Still Do" está longe de ser agitada e, nos anos 1990, era pouco recomendável começar com ela. Quem pensou assim, se enganou redondamente, porque é dessas canções que te ganha de primeira ao soar universal para qualquer pessoa de qualquer parte do mundo.

Aliás, a temática universal continua em "Dreams", faixa sobre se apaixonar perdidamente pela primeira vez. Clássico dos anos 1990, virou hit por impulso da MTV e ganhou um cover lindíssimo por parte de Faye Wong no filme "Chungking Express", de 1994, dirigido por Wong Kar-Wai. Dramática e feliz na mesma proporção, foi sucesso entre os adolescentes no período. Quem não cantou "Dreams" em algum momento dos anos 1990, aproveitou um pouco menos os anos 1990.

Mais melancólica do que a anterior, "Sunday" traz a crônica do nervosismo do primeiro amor e em como é difícil dizer "eu te amo" e o vocal principal dobrado em alguns momentos carrega ainda mais o tom da letra. "Pretty" não traz os melhores momentos do grupo ao soar mais interlúdio, enquanto "Waltzing Back" e "Not Sorry" retomam o ritmo na base do drama e peso melódico.

O coração partido de Dolores foi o impulso para escrever "Linger". Escondida do grande público, o maior sucesso da história do grupo só estourou no final de 1993. Esse tipo de história rende muitas músicas boas, e essa contou com o arranjo certeiro e o vocal inspirado da cantora em desabafar dessa maneira ("And I'm in so deep/ You know I'm such a fool for you/ You've got me wrapped around your finger/ Do you have to let it linger?/ Do you have to, do you have to, do you have to let it linger?").

"Wanted" soa como uma continuação da anterior com um tom mais animado. Depois da lamentação, a cantora insiste em não ser tratada mal. Se o rapaz não a queria, por que está ali? Curta, parece terminar a relação. Então, ela começa a falar sobre egoísmo ("Still Can't...") e remoer o passado ("I Will Always"). Em "How", ela parece finalmente liberta-se das amarras ao praticamente gritar as coisas prometidas para, por fim, dispensá-lo de vez em "Put Me Down".

Dolores O'Riordan era completa. Ótima cantora e compositora, foi o necessário para o Cranberries fazer sucesso. Quase três décadas após o lançamento, "Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?" soa tão universal quanto na época e toca no fundo do coração, ainda mais ao lembramos que ela não está mais aqui. Ela conseguiu deixar a marca no mundo com essas canções. Obrigado, Dolores.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "I Still Do" (3:16)
2 - "Dreams" (4:32)
3 - "Sunday" (3:30)
4 - "Pretty" (2:16)
5 - "Waltzing Back" (3:38)
6 - "Not Sorry" (4:20)
7 - "Linger" (4:34)
8 - "Wanted" (2:07)
9 - "Still Can't..." (3:38)
10 - "I Will Always" (2:42)
11 - "How" (2:51)
12 - "Put Me Down" (3:33)

Todas as canções foram escritas por Dolores O'Riordan

Gravadora: Island
Produção: Stephen Street
Duração: 40min54s

Dolores O'Riordan: vocal e violão
Noel Hogan: guitarra e vocal de apoio
Mike Hogan: baixo
Fergal Lawler: bateria e percussão
Mike Mahoney: vocal adicional em "Dreams"
Stephen Street: engenheiro de som
Aidan McGovern: engenheiro de som (1–5 e 7–12)

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