Discos para história: Os Sambas que Gostamos de Cantar, do Trio Irakitan (1957)

História do disco

Em um determinado episódio do seriado Chaves, após ver o Seu Madruga levar um tapa da Dona Florinda por conta de um entrevero envolvendo um violão, o personagem principal pergunta: "Seu Madruga, sua vozinha toca violão em algum trio?". Depois de tomar um cascudo, ele recebe a resposta: "Só não te dou outra porque minha avó fundou o Trio Irakitan".

Para as gerações que assistiram ao episódio em meados dos anos 1980 e nos anos seguintes, a referência ao grupo vocal fundado em Natal, no Rio Grande do Norte, no final dos anos 1940, era engraçada e fazia sentido. Afinal, o Trio Irakitan, formado originalmente por Edison Reis de França (Edinho), Paulo Gilvan Duarte Bezzeril (Gilvan) e João da Costa Neto (Joãozinho), foi um estouro no Brasil e no resto da América Latina entre 1950 e 1965, quando, de tão famosos, assinaram um contrato de exclusividade com Rádio Nacional, o grande veículo da época, e com a poderosa gravadora Odeon.

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Mas o início não foi dos mais fáceis para eles que, apesar de todo talento, não conseguiam espaço na época. A moda era os cantores e cantoras da Era do Rádio, fundamental na construção da identidade brasileira entre o início da década de 1930 até meados dos anos 1960, quando a TV começou a ocupar espaço até virar o principal veículo de comunicação e de entretenimento do Brasil até hoje.

O nome Irakitan significa verde mel ou doce esperança em tupi guarani, ideia do folclorista e jornalista Luís da Câmara Cascudo, e combinava muito bem com o vocal tranquilo e talentoso do trio, que cantava qualquer coisa sem fazer a menor força. O jogo virou quando eles foram para Pernambuco e passaram a se apresentar na Rádio Clube local com regularidade cantando bolero. Disso, partiram para turnês em toda região Nordeste. Menos requintado do que outros trios, eles passaram para um repertório mais variado, o grande trunfo em apresentações, lotadas de pessoas prontas para ouvi-los.

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Antes de chegarem ao Rio de Janeiro como astros consagrados, eles fizeram turnês pela América Latina cantando músicas brasileiras em espanhol, inspirados no trio mexicano Los Panchos e na música mariachi. Isso não era comum, já que a ida para a então Capital Federal era natural. Musicalmente, as coisas aconteciam lá, afinal a Rádio Nacional, as grandes gravadoras e os melhores lugares para se apresentar estavam lá. Eles só foram quando era impossível ignorá-los. Mas antes passaram em Natal, recebidos em casa com a pompa de quem levou o nome da cidade ao mundo.

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Na época, no Brasil, o normal era o lançamento de dois a três compactos por ano — os famosos 78 RPM — e um ou dois discos por ano. O Trio Irakitan cumpriu isso a risca ao longo dos anos até chegar em "Os Sambas que Gostamos de Cantar", lançado pela primeira vez em 1957 e reeditado em 1961. Nesse LP, eles interpretam músicas de compositores consagrados em outras vozes ou em lançamentos próprios. Com arranjos vocais do trio e a companhia da Orquestra da Odeon regida pelo Maestro Astor, é possível comprovar o motivo de tanto sucesso: eles eram muito, muito bons.

De Noel Rosa a Ary Barroso passando por Dorival Caymmi e Lamartine Babo, o repertório é de nível altíssimo e colocava o trio entre os ponteiros das atrações de maior audiência na rádio e nos shows. Esse LP era a prova cabal de que um trio vocal talentoso no auge consegue cantar qualquer coisa. Dentre todos os grupos vocais brasileiros famosos, o Trio Irakitan, foi um dos melhores e um dos mais importantes ao abrir espaço para os outros.

Resenha de "Os Sambas que Gostamos de Cantar"

"O Orvalho Vem Caindo" abre o disco e o arranjo dessa nova interpretação da música de Noel Rosa em parceria com Kid Pepe, um dos principais sucessos da história da dupla, funciona e ajuda a contar a história dessa pessoa para lá de azarada para comprar roupa ou achar uma sopa que preste para comer.

A seguinte é "Rosa Morena", de Dorival Caymmi, traz o arranjo de metais dando o tom de uma das canções mais conhecidas do compositor baiano. E depois de exaltar as qualidades da Rosa Morena, o Trio Irakitan chega para machucar os corações cansados com "Pra Machucar Meu Coração", clássico de Ary Barroso, que segue representado na biográfica "No Tabuleiro da Baiana" — o primeiro sucesso da carreira do compositor, lançada em 1936 — aqui com um belo solo de saxofone.

Para finalizar o lado A chega "Mulher de Malandro", outra letra biográfica que descreve uma relação abominável entre uma mulher que gosta de apanhar e o marido. Hoje, essa música não pega bem, mas, em 1936, ganhou prêmio e elevou o status do compositor Heitor dos Prazeres a outro nível.

O lado B começa "Diz Que Vai Vai Vai", uma representação do momento do trio: com tantas viagens pela América Latina, a saudade do Brasil era forte e esse samba de 1941, de Haníbal Cruz, era atual. Outra de Caymmi, "Lá Vem A Baiana" é outra ode para a mulher baiana, retratada em tantas músicas do compositor ao longo dos anos.

O trio também cantava letras melancólicas, caso de "Agora É Cinza", de diversas regravações desde o lançamento em 1934, e de "Ora, Ora", uma triste história de separação ("Ora, ora lá vem você outra vez/ Perguntar pela mulher que me abandonou/ Ela agora está em boa companhia/ Lava a roupa noite e dia e nunca se queixou. Viu?").

Para encaminhar o ouvinte ao final, "Samba da Minha Terra" é desses clássicos é bom saber cantar — se você não sabe, é bom aprender. É uma das músicas que fez Caymmi ser considerado um gênio, assim como Lamartine Babo com "Tarde na Serra", um ótimo encerramento para o LP.

A reinterpretação de sambas famosos por parte do Trio Irakitan foi um golaço. Em menos de meia hora, eles mostram a riqueza da música brasileira dos anos 1930 até meados dos anos 1950 com um repertório de encher os olhos. "Os Sambas que Gostamos de Cantar" é para ouvir muitas e muitas vezes.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "O Orvalho Vem Caindo" (Noel Rosa/Kid Pepe) (2:58)
2 - "Rosa Morena" (Dorival Caymmi) (3:19)
3 - "Pra Machucar Meu Coração" (Ary Barroso) (2:17)
4 - "Coisas do Carnaval" (Ary Barroso) (2:07)
5 - "No Tabuleiro da Baiana" (Ary Barroso) (1:50)
6 - "Mulher de Malandro" (Heitor dos Prazeres) (2:34)

Lado B

1 - "Diz Que Vai Vai Vai" (Haníbal Cruz) (1:58)
2 - "Lá Vem A Baiana" (Dorival Caymmi) (2:30)
3 - "Agora É Cinza" (Alcebíades Barcelos "Bide"/Armando Marçal "Marçal") (2:04)
4 - "Ora, Ora" (Almanir Grego/Gomes Filho) (2:42)
5 - "Samba da Minha Terra" (Dorival Caymmi) (2:43)
6 - "Tarde na Serra" (Lamartine Babo) (2:54)

Gravadora: Odeon
Produção: Aloysio de Oliveira
Duração: 29min56

Edison Reis de França (Edinho): vocal e violão
Paulo Gilvan Duarte Bezzeril (Gilvan): vocal e afoxé
João da Costa Neto (Joãozinho): vocal e tantã
Maestro Astor: regência da orquestra
Orquestra da Odeon: instrumentos diversos

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