Discos para história: Power, Corruption & Lies, do New Order (1983)

História do disco

"Movement", primeiro álbum do New Order, saiu em um momento muito complicado para os integrantes. Lançado um ano e meio após a morte de Ian Curtis e o encerramento das atividades do Joy Division, o trabalho soou oportunista para fãs e críticos, ainda mais quando a audição trouxe a certeza de ser uma continuidade da encarnação anterior. E a situação não melhorou quando o produtor Martin Hannett fazia questão de dizer que a genialidade da banda havia morrido com Curtis - ele nunca mais trabalhou com eles depois disso.

Era uma situação terrível. Afinal, seguir ou dar ouvido às críticas vindas de todos os lados? O New Order optou pelo primeiro e logo conseguiu um feito que a banda anterior estava na beira de conseguir, mas cancelado pela morte do vocalista: tocar nos Estados Unidos. Não importa o digam, a terra do Tio Sam ainda é uma espécie de Meca da música. Se você conseguir fazer sucesso por lá, dará um passo imenso para conseguir mais.

Mais New Order:
Discos para história: Technique, do New Order (1989)

Continuar era fundamental, mas, muito mais do que isso, descobrir a própria identidade era algo importante. Como fazer isso? O ponto-chave da carreira do grupo, além dos músicos talentosos, foi a melhora da tecnologia no começo dos anos 1980. Bateria eletrônica, sintetizadores, teclados de última geração e qualquer parafernália custava um preço absurdo; a democratização desses instrumentos levou ao barateamento dos preços. Com isso, bandas em pequenas e médias gravadoras tinham a chance de melhorar os próprios estúdios. E os músicos tinham a chance de explorar esses novos elementos.

"Na verdade, foi muito chocante perceber o que essas novas máquinas podiam fazer, você ficava maravilhado com elas. Temos todo esse novo equipamento musical e acabamos de aprender como funciona. Escrever 'Blue Monday' foi um exercício para aprender o que poderíamos fazer com tudo isso", disse Peter Hook, em entrevista à 'NME', em 2020.

Estou no Twitter e no Instagram. Ouça o podcast, compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!

A primeira vez nos Estados Unidos levou o quarteto a um novo mundo de descobertas musicais. Na Inglaterra, o eletrônico ainda engatinhava e a música em si ainda era muito segmentada, diferentemente do outro lado do Atlântico. As baladas de Nova York tocavam de tudo: disco, reggae, eletrônico, rock. Não era difícil ouvir Donna Summer seguido de Clash em uma noite. Isso abriu os olhos e ouvidos do vocalista Bernard Sumner.

"Fomos a várias casas noturnas diferentes nos Estados Unidos e ouvimos uma boa música nas boates. Na Inglaterra, os clubes tocavam música cafona, mas na América eles tocavam The Clash, funk, uma grande mistura de música de gêneros e ritmos... Dance music americana, música eletrônica antiga... Estávamos lá e esse novo som nos encontrou", disse ele.

Mais discos dos anos 1980:
Discos para história: Tempos Modernos, de Lulu Santos (1982)
Discos para história: 1999, de Prince (1982)
Discos para história: Peperina, do Serú Girán (1981)
Discos para história: Juju, de Siouxsie and the Banshees (1981)
Discos para história: Premeditando o Breque, do Premê (1981)
Discos para história: Beauty and the Beat, das Go-Go's (1981)

O momento não poderia ser mais oportuno. A primeira experiência levou ao lançamento de "Blue Monday", em 7 de março de 1983 e, finalmente, eles tinham acertado a mão. Não era nada parecido com o trabalho de antes. Era ótimo, fresco e foi um sucesso, sendo, até hoje, o single de 12" mais vendido da história do Reino Unido. Isso os levou ao "Top of the Pops", famoso programa musical da Inglaterra. E, mais do que isso, deu a eles a confiança necessária para apostar nessa mistura de sons e tecnologia, uma ajuda e tanto para Summer se encontrar como vocalista e principal compositor. As comparações com Curtis eram inevitáveis, então encontrar um caminho e uma identidade próprias era fundamental para ele - como pessoa e músico.

"Foi ótimo, porque 'Power, Corruption & Lies' foi basicamente o primeiro álbum real do New Order. Foi quando deixamos de ser o Joy Division e encontramos uma nova direção por meio da tecnologia e da dance music", disse o baterista Stephen Morris, também para 'NME'.

Esse otimismo tomou conta do quarteto na hora da gravação, com o trabalho fluindo melhor do que nunca. Os tropeços e problemas da gravação do primeiro álbum foram substituídos de maneira muito simples: eles mesmos produziriam o disco com ajuda do engenheiro de som Michael Johnson. Saia o clima de hiena Hardy, entrava um New Order dançante e cheio de sintetizadores.

Além do repertório, "Power, Corruption & Lies" ganhou uma das capas mais icônicas da história do rock dos anos 1980. O trabalho foi feito por Peter Saville, então diretor de arte da gravadora Factory. Ao passar por uma galeria de arte, ele foi desafiado pela namorada a usar um quadro como capa de algum novo disco. Calhou de ser o novo do New Order.

Veja também:
Discos para história: Greetings from Asbury Park, N.J., de Bruce Springsteen (1973)
Discos para história: Os Sambas que Gostamos de Cantar, do Trio Irakitan (1957)
Discos para história: Os Anjos Cantam, de Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano (1962)
Discos para história: Avante, de Siba (2012)
Discos para história: Nação Zumbi, da Nação Zumbi (2002)
Discos para história: 7 Desejos, de Alceu Valença (1992)

A pintura de Henri Fantin-Latour chama-se "Cesta de Rosas" e entrou na vida da banda sem Saville ter ouvido qualquer canção do disco - a única foi "Blue Monday", que ficou de fora da primeira versão do trabalho. Originalmente, ele queria um retrato renascentista de um príncipe sombrio para ligá-lo diretamente ao nome do LP, mas o quadro acabou funcionando bem. Segundo ele, as flores eram uma boa representação do título "porque, como o poder e a mentira, são sedutoras".

Lançado em 2 de maio de 1983, "Power, Corruption & Lies" estreou na quarta posição da parada do Reino Unido, elogiado por ser o primeiro passo sem soar como o Joy Division. Desse dia em diante, o trabalho seria considerado um dos melhores dos anos 1980 e um dos melhores de todos os tempos, figurando em diversas listas ao longo dos 40 anos seguintes.


Resenha de "Power, Corruption & Lies"

O LP abre com "Age of Consent" e uma espetacular linha de baixo, que vai ganhando a companhia dos outros instrumentos até a melodia crescer e ganhar em ritmo. Feita para dançar, a faixa de abertura traz a dúvida de um casal que deseja terminar o relacionamento, mas nenhum deles sabe como fazer isso. São pouco mais de cinco minutos deliciosos, que levam o ouvinte a entrar de cabeça na audição do disco.

"We All Stand" diminui um pouco a qualidade por ser mais etérea e brincar mais com os elementos de maneira um pouco mais sóbria, mas o ritmo sobe novamente em "The Village", essa mais dançante e mais com a cara desse novo New Order. Mas é em "5 8 6" que essa banda aparece, como se quisesse colocar um ponto final no passado e escrever uma nova história. O início da música soa como a velha banda, porém, quase dois minutos depois, uma nova canção surge - mais eletrônica, dançante e muito anos 1980. Era, definitivamente, o começo de uma nova era.

O lado B começa com "Your Silent Face", uma balada melancólica com seis minutos de duração em que vários elementos são explorados para construção de um material muito sólido e, acima disso, muito bonito. Já "Ultraviolence" usa muito mais a percussão e uma linha de baixo bem forte para criar um clima poderoso ("Everybody makes mistakes/ Everybody makes mistakes/ Even me/ Just be free/ This is a place where in the end/ It happens in our world within").

A robótica "Ecstasy" soa normal hoje, mas, nos anos 1980, era um dos grandes momentos da música eletrônica da época. Era uma nova abertura de possibilidades para qualquer um que quisesse fazer música nesse estilo. A versão original do disco encerra com "Leave Me Alone", uma das grandes músicas do New Order no período ("And a hundred years ago/ A sailor trod this ground I stood upon/ Take me away everyone/ When it hurts thou").

"Power, Corruption & Lies" é o grito de independência do New Order, o rompimento definitivo com o passado. Eles precisavam continuar. E não pelo passado, eles precisavam seguir por eles mesmos. Para buscar o sonho de viver de música, era necessário um trabalho acima da média para mostrar força musical e pessoal. Eles conseguiram no segundo disco e caminharam para ser uma das bandas mais influentes de todos os tempos.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Age of Consent" (5:16)
2 - "We All Stand" (5:14)
3 - "The Village" (4:37)
4 - "5 8 6" (7:31)

Lado B

1 - "Your Silent Face" (6:00)
2 - "Ultraviolence" (4:52)
3 - "Ecstasy" (4:25)
4 - "Leave Me Alone" (4:40)

Gravadora: Factory
Produção: New Order
Duração: 42min35s

Bernard Sumner: vocal, guitarra, gaita, sintetizadores e programação
Peter Hook: baixo, baixo de seis cordas e percussão eletrônica
Stephen Morris: bateria, sintetizadores e programação
Gillian Gilbert: sintetizadores, guitarras e programação
Michael Johnson: engenheiro
Barry Sage e Mark Boyne: assistentes de estúdio

Comentários