Discos para história: Tempos Modernos, de Lulu Santos (1982)


História do disco

Quando o rock progressivo ameaçava o mundo, em meados dos anos 1970, muitas bandas foram criadas, para tristeza de muita gente. Uma delas, o Vímana, nasceu no Brasil. Você pode não ter ouvido qualquer música ou nem saber da existência deles, mas existe uma chance razoável de você ter cantado a plenos pulmões os sucessos de alguns dos integrantes.

O Vímana, formado no Rio de Janeiro, teve, em alguma de suas quatro formações, Ritchie no vocal e flauta, Lulu Santos no vocal e guitarra, Luiz Paulo Simas nos teclados e sintetizador, Lobão na bateria e Fernando Gama no baixo. Eles chegaram a gravar dois compactos pela Som Livre, mas a coisa mudou mesmo com a chegada de Patrick Moraz, ex-Yes, ao Brasil. Ele gostou do que ouviu e logo quis trabalhar com os jovens garotos e transformá-los na banda de apoio dele. Convite feito, convite aceito. E assim eles rescindiram com a gravadora e o primeiro álbum, em processo de produção, foi engavetado.

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Em uma rusga gerada por não obedecer a Moraz e não gostar de ficar quase um ano só ensaiando, Lulu Santos estava pensando em sair da banda. Um dia, constatando o que estava para acontecer, Lobão brigou feio com Lulu, que pediu demissão. Ao sair da banda, ele logo arrumou emprego como produtor de trilhas sonoras das novelas da Globo, casou-se com Scarlet Moon de Chevalier — divulgadora da Polydor — e partiu para descobriu a soul music carioca, influenciado por Cassiano, dono de uma carreira solo de respeito e compositor de alguns sucessos de Tim Maia, e Robson Jorge, parceiro musical de Lincoln Olivetti e músico de estúdio da Som Livre anos depois. Ele tinha um sonho e faria (quase) tudo para conseguir: ser artista.

Luiz Maurício Pragana dos Santos nasceu em 4 de maio de 1953 e, filho de um militar e de uma advogada, começou a tocar guitarra aos 12 anos e, claro, desafiava os pais por querer tocar rock inspirado nos Beatles em plena ditadura militar no Brasil — o golpe aconteceu quando ele tinha 11 anos. Ele chegou a trabalhar na revista 'Som a Três', mas, como muita gente cantou errado em "De Repente Califórnia", "o seu destino é star". Após um tempo circulando aqui e ali após fugir de casa aos 19 anos, começou a tocar no Veludo Elétrico, parou no Vímana por alguns anos, foi trabalhar na Som Livre, foi demitido e, enquanto tudo isso acontecia, chegou a gravar um compacto com o nome Luiz Maurício pela Polydor com as faixas "Melô do Amor" e "O que é bom" sem qualquer repercussão.

Foi toda essa bagagem que ajudou o futuro Lulu Santos, ainda Lulu dos Santos, a entender melhor a indústria musical brasileira por participar do processo nas duas pontas — no escritório e como artista —, a compreender que a música pop estava longe de ser algo ruim e era possível equilibrar boas músicas com a ambição do sucesso nas rádios. E foi na virada dos anos 1970 para os anos 1980, quando a indústria musical brasileira sofreu uma mudança profunda na cadeia de comando, quando a direção musical foi substituída pelo marketing, que o guitarrista conseguiu a primeira chance, aos 29 anos.

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O primeiro movimento importante foi começar uma parceria musical com o jornalista, produtor, apresentador, colunista e futuro ator coadjuvante de documentários sobre a música brasileira Nelson Motta. Graças aos contatos dele, aos poucos, ele conseguiu um contrato com a WEA e "Tesouros a Juventude" foi escolhida como tema de abertura de 'Mocidade Independente', programa apresentado por... Nelson Motta, na então TV Bandeirantes, em São Paulo. Mas ele ficou conhecido mesmo pela composição de "De Repente Califórnia", parte da trilha sonora do filme "Menino do Rio" (1982).

"Menino do Rio" é uma história de amor, passada no Rio de Janeiro, com uma trilha sonora esperta e uma história identificável por qualquer jovem da época. Resultado? Quase 3 milhões de pessoas assistiram ao filme no período em cartaz — a continuação, "Garota Dourada" (1984), é muito ruim. Com "De Leve", versão de "Get Back", dos Beatles, na novela "Brilhante" (1981-1982) e uma participação no festival MPB Shell na TV Globo com "Areias Escaldantes", Lulu partiria para o sucesso, certo? Bem, não era isso que a WEA achava.

O sucesso de "De Leve" foi uma benção e quase uma maldição. A gerência da WEA, por puros motivos financeiros, não queria gravar o disco de Lulu e propôs um LP apenas com versões para aproveitar a repercussão da letra feita por Rita Lee e Gilberto Gil para "Refestança" (1977). O músico conversou até convencer os diretores sobre ter músicas escritas por ele fazendo sucesso. O acordo veio, mas com uma condição: Lulu teria que gravar a própria versão "De Repente Califórnia", sucesso em "Menino do Rio" na voz de Ricardo Graça Mello. Lulu topou.

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Não havia espaço para erros, então era necessário um time de primeira. Para começar, Liminha seria o produtor. Ex-baixista dos Mutantes, ele estava cada vez mais no mundo da produção e, sendo de uma nova geração e estudioso, estava a par das últimas novidades tecnológicas. E o time de músicos de estúdio era de primeiro nível: os tecladistas Lincoln Olivetti e Mu Carvalho, d'A Cor dom Som, Serginho, então Herval, do Roupa Nova, Robson Jorge no piano e o próprio Liminha no baixo em algumas canções.

Perto de completar 30 anos, Lulu Santos sabia precisar acertar a flechada no alvo. Lançado em setembro de 1982, "Tempos Modernos" tem apenas duas músicas não compostas por ele ou em parceria com Nelson Motta. Solar, praiano e certeiro no clima do Rio de Janeiro da época, o primeiro LP do guitarrista não vendeu muito, mas abriu portas para ele mesmo ao mostrar como o pop brasileiro, bem gravado e com boas músicas, não devia nada a ninguém, e abriu portas para o futuro do pop rock brasileiro, que ganharia o Brasil em pouco tempo.

Resenha de "Tempos Modernos"

A faixa-título abre o disco e, mal sabia Lulu Santos, que seria um dos grandes sucessos da carreira dele até hoje, principalmente pela ótima estrofe "Eu vejo a vida melhor no futuro / Eu vejo isso por cima de um muro / De hipocrisia que insiste em nos rodear / Eu vejo a vida mais clara e farta / Repleta de toda satisfação". Aqui, podemos ouvir a habilidade dessa usina de hits que ele viria a se tornar nos anos seguintes.

Escrita em parceria com o poeta Fausto Nilo, "Tudo Com Você" resume muito bem a música jovem brasileira cantada por Lulu Santos: tem um quê de melancolia, romantismo, desejo e muita vontade — qualquer adolescente que ouvir isso vai gostar da letra. E se na música anterior o cantor pedia para a amada não ir para Nova York, ele deseja surfar e ser ator em Hollywood em "De Repente Califórnia", outro enorme sucesso da carreira do guitarrista. Do arranjo zen até a letra, é outro golaço do álbum e de toda discografia.

Para fechar o lado A, "Scarlet Moon", escrita por Rita Lee, é uma homenagem a então mulher do cantor. Só mesmo a cantora para fazer uma letra biográfica, engraçada, romântica, sensual e pop ao mesmo tempo. Qualquer cantora daria um braço para escrever uma música boa assim, longe dos principais sucessos da carreira dela.

A segunda parte do trabalho começa com "Sirigaita", canção esperta sobre uma decepção amorosa de ótimo refrão: "Fui bandido e fui mocinho / Teu amigo e inimigo / Fiel / Fui teu príncipe e teu sapo / Fui teu gato, fui teu cão / E gostei". Já em "Bole Bole" podemos ouvir o sintetizador trabalhando em uma das faixas mais animadas do disco, enquanto "Palestina" usa o local de muitos confrontos para contar a história de uma mulher que faz de tudo para conseguir seus objetivos.

Outro sucesso prévio antes da gravação do disco, a agitada "Areias Escaldantes" é puro suco do pop brasileiro dos anos 1980: dançante, cheia de sintetizadores e um refrão enérgico. Por fim, "De Leve (Get Back)" encerra o álbum com outra canção esperta e divertida, um ponto bem favorável ao trabalho.

O pop brasileiro estava se transformando naqueles primeiros dias dos anos 1980. Em "Tempos Modernos", Lulu Santos abre as portas para uma música jovem e reflexo da própria época, diferentemente de muitos sucessos — meras cópias do que estava acontecendo nos Estados Unidos ou na Inglaterra. O primeiro álbum do músico é uma espécie de aquecimento do que viria pela frente.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Tempos Modernos" (Lulu Santos) (4:17)
2 - "Tudo Com Você" (Fausto Nilo / Lulu Santos) (3:01)
3 - "De Repente Califórnia" (Lulu Santos / Nelson Motta) (2:43)
4 - "Scarlet Moon" (Rita Lee) (3:53)

Lado B

1 - "Sirigaita" (Lulu Santos / Nelson Motta) (3:25)
2 - "Bole Bole" (Lulu Santos) (3:42)
3 - "Palestina" (Lulu Santos / Nelson Motta) (2:31)
4 - "Areias Escaldantes" (Lulu Santos / Nelson Motta) (2:09)
5 - "De Leve (Get Back)" (John Lennon / Paul McCartney - adap.: Gilberto Gil / Rita Lee)

Gravadora: WEA
Produção: Liminha
Duração: 29min54

Lulu Santos: vocal, guitarra, violão e arranjos
Liminha: baixo e arranjos
Serginho Herval: bateria
Lincoln Olivetti: sintetizador
Repolho: claves
Picolé: bateria
Cidinho: percussão
Robson Jorge: piano elétrico e clavinet
Pedro Fortuna: baixo
Edinho Espíndola: bateria
Mu Carvalho: sintetizador
Pena Café: bateria

Técnicos em estúdio:

Liminha: mixagem e técnico de gravação
Lulu Santos e Richard Alderson: mixagem
Enok e Laci Moraes: assistente de mixagem
Anibal Felix, Enok Oliveira, João Maria, João Ricardo, Lacy Moraes e Serginho: assistente de gravação
Magro (O Poeta): assistente de mixagem e gravação
Edeltrudes Marques, Eduardo Pastorelli, Mario Monteiro, Ricardo Garcia, Walter Guimarães, Andy P. Mills e Richard Alderson: técnico de gravação

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