Discos para história: Sonhos e Memórias 1941–1972, de Erasmo Carlos (1972)


História do disco

Erasmo Carlos viveu os anos 1970 de maneira intensa. Depois dos anos como um dos símbolos da Jovem Guarda, um rock mais inocente e feito para agradar mães, pais, filhos e filhas, ele estava pronto para o próximo salto na carreira. Se Roberto Carlos partiu para baladas romântico-religiosas e temáticas, Erasmo foi explorar a soul music, samba e outros gêneros musicais sem perder o rock de vista.

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Ele vinha de dois discos marcantes para ele, para a crítica e para os fãs. O primeiro, que Erasmo considera o melhor deles, foi "Erasmo Carlos e os Tremendões", de 1970. Último trabalho dele lançado pela RGE, acabou sendo o início do caminho traçado por ele que resultaria no trabalho mais cultuado da carreira: "Carlos, Erasmo", lançado no ano seguinte já como artista da Philips. Aos 30 anos e já um veterano, ele olhava musicalmente para frente o tempo inteiro, mas, pessoalmente, via o passado com nostalgia e, até certo ponto, saudade de um tempo mais simples.

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Foi essa mistura que nasceu a ideia de "Sonhos e Memórias 1941–1972", uma espécie de autobiografia musical dos primeiros 31 anos da vida do cantor. Diferentemente dos dois trabalhos anteriores, o novo teria apenas canções em parceria com Roberto Carlos — afinal, quem melhor para dividir e contar as histórias do passado do que o melhor amigo? Era a chance de unir o passado com o presente de uma maneira, se não a defini-lo, a mostrar que a união disso tudo o fez chegar até ali.

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Casado e pai, Erasmo certamente não era a mesma pessoa do início de carreira quando Tim Maia o ensinou a tocar violão ou quando chegou a abrir os shows de Cauby Peixoto. Não, ele não era. Mas o gosto musical pelos ídolos Elvis Presley, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e toda primeira geração de roqueiros de sucesso permanecia intacto na cabeça e no coração do agora consagrado músico.

Para o segundo novo álbum na nova gravadora, no selo mais popular chamado Polydor, ele contou com os músicos da futura formação do Azymuth: o tecladista José Roberto Bertrami, o baterista Ivan Conti — o "Mamão" — e o baixista Alex Malheiros. Eles eram contratados da Phonogram, o outro selo da Philips, e já haviam trabalhado com Raul Seixas, Elis Regina, Rita Lee e Odair José. Eram músicos de respeito e muito, muito acima da média. Além deles, ele contou com o amigo Lafayette no piano e no órgão e os guitarristas Tavito e Luiz Claudio Ramos. Era um time de primeira, montado quando as gravadoras ainda se importavam com a música.

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Gravar esses três álbuns em sequência daria a Erasmo Carlos algo que qualquer artista quer e deseja ter: paz criativa. Sem sair correndo atrás da moda, sem abandonar as próprias convicções, sem se deixar atrair por qualquer coisa e, principalmente, com liberdade, ele construiu esse caminho sem ficar sentado esperando o trem da facilidade passar para apenas embarcar. Isso faz dele um artista especial e com uma assinatura musical reconhecida de longe ao não se prender a ninguém, apenas às próprias ideias.

"Sonhos e Memórias 1941–1972" é um trabalho arriscado que, em outros tempos, não teria tido a chance de ver a luz do dia. É esse risco em contar a própria vida usando tantas referências musicais diferentes que faz do oitavo disco de estúdio uma obra-prima ainda a ser descoberta pelas novas gerações. Tomara que isso aconteça em breve.


Resenha de "Sonhos e Memórias 1941–1972"

A balada "Largo Da 2ª Feira" abre o LP relembrando a infância e os momentos mais marcantes da infância ainda no final dos anos 1940 e início da década seguinte. E claro que esse período não foi tranquilo e tinha seus momentos mais tensos, cantados no soul jazz "Mané João" ("E só terminou a brincadeira/ Com o sangue escorrendo na ladeira/ E era muito sangue pra pouca ladeira/ Lá na gafieira").

"Bom Dia, Rock 'N' Roll" chega para fala sobre as descobertas musicais e futuros ídolos do então garoto Erasmo Esteves — Elvis, os Beatles, Chuck Berry, Carole King e James Taylor são citados em uma canção à Jerry Lee Lewis. A balada no violão "Grilos" chega para dar aquele ar de final dos anos 1960, enquanto "Minha Gente" traz o lado mais progressivo com a guitarra steel criando todo clima. E "Mundo Cão" fecha a primeira parte com uma canção para dar orgulho a Jorge Ben — ainda sem o Jor na época.

A segunda parte abre com "Sorriso Dela", quando os músicos brincam com os instrumentos em uma canção romântica como só a dupla formada por Roberto e Erasmo poderia fazer ao evocar um lado bossa nova. Já "Sábado Morto" começa devagar, mas logo ganha um ar de jazz psicodélico meio Miles Davis, bem diferente de uma versão quase heavy metal de "É Proibido Fumar", provavelmente a melhor interpretação da canção em um álbum.

Mas, provavelmente, uma das melhores canções da discografia de Erasmo é "Vida Antiga". Não só pela interpretação dele, mas também pelo arranjo feito aqui. O clima criado para contar essa história é espetacular e tudo funciona também que é a canção que merecia estar mais presente nas apresentações. Em "Meu Mar", é uma balada hippie de tom psicodélico mostra as ambições de um cantor casado e pai, desejando uma vida simples para si e a família. O LP encerra com "Preciso Encontrar Um Amigo", apresentada ao mundo pela primeira vez no disco "A Divina Comédia Ou Ando Meio Desligado", dos Mutantes, de 1970.

As harmonias experimentais misturadas com vários ritmos, brasileiros ou não, fazem de "Sonhos e Memórias 1941–1972" um álbum realmente especial na carreira de Erasmo Carlos. Ao dar liberdade para a banda criar em cima de letras em que fala sobre si em diversos momentos da vida, ele antecipou em alguns anos o que seria a música brasileira até o começo dos anos 1980 e, assim, marcou de vez seu nome. Definitivamente, existe um Erasmo depois da Jovem Guarda.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Largo Da 2ª Feira" (3:00)
2 - "Mané João" (3:10)
3 - "Bom Dia, Rock 'N' Roll" (3:15)
4 - "Grilos" (2:55)
5 - "Minha Gente" (4:47)
6 - "Mundo Cão" (3:20)

Lado B

1 - "Sorriso Dela" (3:10)
2 - "Sábado Morto" (4:15)
3 - "É Proibido Fumar" (2:50)
4 - "Vida Antiga" (3:20)
5 - "Meu Mar" (3:20)
6 - "Preciso Encontrar Um Amigo" (3:00)

Todas as canções foram escritas por Erasmo e Roberto Carlos

Gravadora: Polydor
Produção: Guti e Jairo Pires
Duração: 41min07

Erasmo Carlos: vocal e violão
Roberto Simonal: saxofone alto
Alexandre, Luizão e Pedrinho: baixo
Paulo César: baixo e guitarra
Mamão, Paulinho e Robertinho: bateria
Renato Barros: guitarra
Poly: guitarra steel
Chacal, Hermes e Mono: percussão
Emílio e Zé Roberto: piano
Lafayette: piano e órgão
Luiz Paulo: sintetizador
Jorge Amiden: violão de 12 cordas
Luiz Claudio: violão 12 cordas, guitarra e violão
Tavito: violão 12 cordas, guitarra e órgão
Fernando Adour: vocal de apoio na faixa 1

Técnico de estúdio:

Celinho: técnico de gravação

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