Discos para história: The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de David Bowie (1972)


História do disco

O final de 1971, enfim, mostrava um caminho para David Bowie. Após ser one hit-wonder por um tempo, a viagem feita aos Estados Unidos o transformou completamente. Inspirado pelas histórias, pelo Velvet Underground, por Iggy Pop, pelo amigo e rival Marc Bolan e pela efervescência musical, "Hunky Dory" nasceu como o primeiro passo da libertação e de uma busca quase desesperada para ser um rockstar de sucesso. Ainda faltava muito, mas menos do que no final dos anos 1960.

A nova década nasceu e, como em um passe de mágica, as coisas mudaram. Não havia mais Beatles, o sonho havia morrido, Charles Manson estava preso, os grandes festivais estavam abalados com os acontecimentos em Altamont e as paradas eram dominadas por uma música pop nada ousada. O rock precisava ser sacudido. E esse sacolejo viria com Alice Cooper, Bolan, Elton John e, claro, Bowie.

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Para isso, após tentar de tudo durante muito tempo, Bowie resolveu focar na criação de um personagem, um roqueiro bissexual e andrógino que se torna um canal para seres alienígenas em uma realidade alternativa distópica — uma história sem pé nem cabeça, como ele mesmo admitiria anos depois. Inspirado nos clássicos do cinema "Metrópolis" (1927), "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968) e "Laranja Mecânica" (1971), ele também apostava em um visual muito poderoso, invocando o teatro kabuki japonês, uma linguagem corporal diferente, um cabelo laranja, maquiagem e um visual que incluía botas com plataforma, macacões e um corte de cabelo único. Era Ziggy Stardust, nome retirado de uma piada com Iggy Pop e o nome artístico do artista inglês obscuro Norman Carl Odam, conhecido como Legendary Stardust Cowboy. Perto dele, Mick Jagger parecia uma pessoa normal, com um emprego mediano e aguardando ansioso do relógio da aposentadoria.

"Ziggy, particularmente, foi criado a partir de uma certa arrogância. Mas, lembre-se, naquela época eu era jovem e cheio de vida, e isso parecia uma afirmação artística muito positiva. Achei uma bela obra de arte, achei mesmo. Era uma grande pintura kitsch. Todo ele", explicou Bowie à 'Melody Maker' em 1977.

Antes mesmo de terminar "Hunky Dory", já havia a ideia de gravar um novo trabalho mais rock 'n' roll e menos acústico como o disco que estava para sair. Bowie explicou as inspirações dele ao produtor Ken Scott, com quem estava trabalhando há algumas semanas. Sem entender quem eram aquelas pessoas ou a ideia do personagem e um pouco relutante, ele apenas acenou positivamente e eles começaram. A banda de apoio era a mesma do disco ainda não lançado: Mick Ronson na guitarra, Trevor Bolder no baixo, Mick Woodmansey na bateria e uma mãozinha de Rick Wakeman, já tecladista da banda Yes, no piano, órgão e/ou cravo.

O trabalho no estúdio era um caos. Não para Bowie, mas para as outras pessoas. Naquela época, ele não tinha o hábito de levar uma canção aos ensaios e ensinar pacientemente aos músicos. Ele chegava, mostrava a música e, no máximo, dois takes depois ele já partia para a próxima. Longe da perfeição de astros do rock como Jimmy Page, George Harrison e outros, Bowie parecia sempre correr, apressado para mostrar ao mundo no que estava trabalhando. Isso, segundo Scott anos depois, fazia o cantor gravar todos os vocais de primeira — apenas "Rock ‘N’ Roll Suicide" foi gravada em dois takes pela diferença do vocal entre a primeira e a segunda parte, mas também sem repetição.

Entre pequenas mudanças nas letras e nos arranjos, o trabalho caminhou bem, de maneira geral. Toda gravação foi feita de 8 de novembro de 1971 e 4 de fevereiro de 1972, com pequenas pausas no meio do caminho, e dia em que todas as músicas estavam prontas e Bowie pôde construir o fio narrativo da história de Ziggy Stardust na Terra, pelo menos para vender o trabalho ao público e imprensa. Ken Scott sabia que não era bem assim, principalmente pela história envolvendo a gravação do cover de "Round and Round", de Chuck Berry, descartado em cima da hora pela gravadora RCA.

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"Sempre houve essa coisa toda sobre 'Ziggy...' ser um álbum conceitual, mas realmente não era. Existem apenas dois álbuns de rock que eu consideraria 100% álbuns conceituais: 'Tommy' e 'Quadrophenia', do The Who, e isso porque eles foram escritos como uma peça completa, enquanto 'Ziggy...' era apenas uma colcha de retalhos de músicas. Sim, se encaixam muito bem e pode-se tecer uma história, mas quando você considera haver outra música no lugar de 'Starman', não faz muito sentido como conceito", explicou o produtor no livro de memórias "Abbey Road To Ziggy Stardust".

"Como 'Round and Round' se encaixa na história de Ziggy? É uma música clássica de Chuck Berry. Como 'It Ain't Easy' se encaixa no conceito Ziggy? Isso foi tirado das sessões de 'Hunky Dory'. Tudo isso sobre Ziggy ser 'Starman' é besteira. Foi uma música que acabou de ser colocada como single no último minuto por insistência da gravadora. Então, embora seja verdade que havia algumas músicas que se encaixavam no 'conceito', o resto era apenas músicas que funcionaram bem juntas, como em qualquer bom álbum", completou.

No final de janeiro, ele e a Spiders from Mars foram tirar as fotos para fazer a capa do álbum. A sessão levou o dia inteiro e várias foram feitas ao longo da Heddon Street até que chegaram na frente da empresa K. West, no número 21. Bowie foi fotografado com a placa K. West logo atrás dele, perto do número 23. De início, a empresa não gostou e chegou a entrar em contato com a RCA, mas depois viu ser bom para os negócios ter uma propaganda grátis na mão de milhares de pessoas.

Lançado no Reino Unido em 16 de junho de 1972, "The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars "vendeu 8 mil cópias na primeira semana. Na semana seguinte entrou no top-10, suficiente para impulsionar ainda mais o single "Starman", lançado em abril, para o Top of the Pops. E foi no dia da apresentação da música no famoso programa musical da BBC que Bowie influenciou vários adolescentes que, algum tempo depois, também formariam as próprias bandas.

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Nos Estados Unidos, o LP foi lançado em maio e vendeu uma quantidade de cópias bem próxima do Reino Unido, mas não chegou a fazer cócegas no top-10. As vendas só aumentariam com a famosa turnê quase fracassada de Bowie pelo país. Ele foi salvo pela Califórnia, que o recebeu de braços abertos e o tornou o astro do rock que tanto desejava. Agora, sim, ele havia conquistado a América.

Após anos de tentativas frustradas de fazer sucesso, David Bowie finalmente conseguiu ao misturar todas as influências possíveis na capa de um personagem. Ziggy Stardust entraria para a história não só pelo disco e por ter dado um rosto aos anos 1970, mas também pelo fato de, pouco tempo depois, morrer nas mãos do criador em um movimento impulsivo para quem assistiu de fora — e de dentro da banda. A partir daquele momento, Bowie sempre esteve um passo a frente para fazer o que bem entendesse.


Resenha de "The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars"

Só mesmo David Bowie para abrir um disco com o fim do mundo ou algo muito próximo disso. "Five Years" traz esse clima com ajuda do violão, arranjo de cordas e piano. É graças a essa abertura, com o cantor salientando insistentemente que resta apenas cinco anos, é que acaba sendo muito fácil vender para qualquer um todo conceito do personagem Ziggy Stardust e o tema do trabalho.

Após essa abertura sensacional, Bowie poderia ter lançado um LP inteiro apenas contando piadas que já estaria na história com um segundo hit. Mas ele não fez isso. Ele, como muito astros e estrelas da música, opta por diminuir o ritmo para falar de amor na balada "Soul Love". Logo na sequência vem "Moonage Daydream" que, gravada um ano antes, foi resgatada e reformada para fazer parte da história de Ziggy. Para muitos, principalmente quem esteve envolvido com o álbum, é a melhor de "Ziggy Stardust", como convencionou a chamar o disco.

Mas os fãs gostam mesmo é de "Starman", canção que mudou a vida de David Bowie para sempre. O otimismo com que ele fala sobre o mundo usando esse ser alienígena era uma ponta de esperança na música pop da época, dominada por baladas tristes, rompimentos e problemas. Era um pouco do lúdico para fazer as pessoas sonharem de olhos abertos em uma época de transição em vários aspectos da sociedade. E, para fechar o lado A, vem o único cover do disco "It Ain't Easy", de Ron Davies, com um coro muito potente para aumentar o drama da letra.

O lado B começa com "Lady Stardust", homenagem a Marc Bolan em uma balada sobre um homem andrógino, desejado por homens e mulheres, que estava bem à frente de seu tempo. Inspiração musical e visual para Bowie, eles eram amigos, apesar da troca de farpas em alguns momentos — era um bom marketing para ambos, no fim das contas. Para acelerar as coisas, Bowie manda a animada "Star" e avisa: a salvação do mundo está em ele ser um astro do rock.

O álbum segue animado com "Hang On to Yourself", uma das inspirações para o hit punk "God Save The Queen", do Sex Pistols, alguns anos depois. Mas é em "Ziggy Stardust" o momento em que a relação dele com a Spiders from Mars começa a corroer na faixa a partir da perspectiva da banda. Um golpe de mestre que já antecipava o fim, apesar de ninguém perceber.

"Suffragette City" surge para mostrar que a admiração por Little Richard, Velvet Underground e Iggy Pop poderia virar uma música só. Aqui, ele soa um rockstar sem limites e pronto para colocar as pessoas para agitar ao máximo em uma canção grudenta e puro rock. E, para encerrar, "Rock 'n' Roll Suicide" mostra o fim da juventude, o momento do passo seguinte. A canção foi levemente inspirada na frase "Espero morrer antes de envelhecer", de "My Generation", do The Who.

Bowie foi a pessoa que matou definitivamente os anos 1960. Colorido e ousado como os novos tempos exigiam, ele fez de "The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars" a primeira de muitas cartas sobre as pessoas e o mundo onde vivem. Satisfeito pela primeira vez com a carreira, ele estava pronto para o próximo passo: matar cada criação em nome da própria arte.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Five Years" (4:42)
2 - "Soul Love" (3:34)
3 - "Moonage Daydream" (4:40)
4 - "Starman" (4:10)
5 - "It Ain't Easy" (Ron Davies) (2:58)

Lado B

1 - "Lady Stardust" (3:22)
2 - "Star" (2:47)
3 - "Hang On to Yourself" (2:40)
4 - "Ziggy Stardust" (3:13)
5 - "Suffragette City" (3:25)
6 - "Rock 'n' Roll Suicide" (2:58)

Gravadora: RCA
Produção: Ken Scott e David Bowie
Duração: 38min29

David Bowie: vocal, violão e saxofone
Mick Ronson: guitarra, piano, vocal de apoio e arranjo de cordas
Trevor Bolder: baixo
Mick Woodmansey: bateria
Rick Wakeman: cravo em "It Ain't Easy" (não creditado)
Dana Gillespie: vocal de apoio em "It Ain't Easy" (não creditado)
Ken Scott: engenheiro de som e mixagem

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