Discos para história: Imagem e Som, de Cassiano (1971)


História do disco

Você pode não lembrar pelo nome, pelo rosto ou até mesmo pela voz, mas se você cantou ou ouviu "Primavera (Vai Chuva)" na interpretação de Tim Maia, já pode ser considerado um iniciado em Cassiano. Essa foi uma das inúmeras contribuições do cantor e compositor, morto no início de maio em decorrência da COVID-19, para a música brasileira ao longo de mais de 50 anos de carreira.

Nascido Genival Cassiano dos Santos, em 16 de setembro de 1943, em Campina Grande, na Paraíba, o futuro músico mudou-se para o Rio de Janeiro ainda muito jovem e começou a trabalhar como pedreiro para ajudar em casa. A habilidade em tocar violão veio com muito treino e dedicação nas horas de folga e nos finais de semana. Assim, aos 24 anos, foi um dos fundadores do Bossa Trio ao lado de Hyldon, outro craque da música, o irmão Camarão e alguns amigos.

Mais discos dos anos 1970:
Discos para história: Madman Across the Water, de Elton John (1971)
Discos para história: Roberto Carlos, de Roberto Carlos (1971)
Discos para história: Hunky Dory, de David Bowie (1971)
Discos para história: Paranoid, do Black Sabbath (1970)
Discos para história: A Máquina Voadora, de Ronnie Von (1970)
Discos para história: Close to You, dos Carpenters (1970)

O nome não durou muito, mas o entrosamento foi suficiente para formar Os Diagonais, um dos grupos mais influentes na música brasileira quando o assunto é soul music com pitadas de Brasil. Em 1969, eles lançam um LP com duas canções inéditas assinadas por Cassiano. As outras eram canções de outros artistas, de Ary Barroso e Caetano Veloso. Apesar de um início tímido, havia ali muito potencial musical a ser explorado. Quem veria isso e colheria os benefícios seria um tal de Sebastião Rodrigues Maia, de apelido Tim.

Após ser deportado dos Estados Unidos por roubo e porte de drogas, Tim Maia estava completamente influenciado pelo movimento dos direitos civis, pelo soul, pelo funk. Era Four Tops, Temptations, James Brown, Earth, Wind & Fire, Parliament-Funkadelic, Kool & The Gang, Sly and The Family Stone, entre outros grandes nomes da música que estavam em alta no final dos anos 1960 e início da década seguinte. Quando os caminhos de Tim Maia e d'Os Diagonais se cruzaram, foi praticamente inevitável que surgisse uma parceria. Foi praticamente assim que nasceu o primeiro álbum do cantor com três músicas de Cassiano. Um sucesso, é claro.

Foi com a ótima repercussão das composições "Primavera (Vai Chuva)" e "Eu Amo Você" que Cassiano consegue a oportunidade de gravar o primeiro disco da carreira solo, aos 27 anos. Ele contou com apoio do pessoal d'Os Diagonais quando entrou nos estúdios da RCA Victor com tudo que tinha direito: vocais de apoio e arranjos de metais, infelizmente não creditados no álbum original.

A influência da música americana foi importante na vida de Cassiano, não fundamental. Antes de tudo, ele era brasileiro e soube misturar muito bem essa diversidade musical. "Imagem e Som" é complexo, musicalmente falando em alguns aspectos? É. Mas tem muito de Brasil aqui. Foi essa fusão que acabaria conhecida por "Brazilian Soul" que ele ficaria conhecido.

Veja também:
Discos para história: Masterpieces by Ellington, de Duke Ellington (1951)
Discos para história: Showcase, de Patsy Cline (1961)
Discos para história: 21, de Adele (2011)
Discos para história: White Blood Cells, do White Stripes (2001)
Discos para história: Bandwagonesque, do Teenage Fanclub (1991)
Discos para história: Beauty and the Beat, das Go-Go's (1981)

Apesar da qualidade da gravação, das composições e da banda, "Imagem e Som" foi lançado sem obter sucesso. Repercutiu, é claro, porém de forma insuficiente para fazer Cassiano ter o merecido reconhecimento. E assim ele caminhou por boa parte da carreira, conhecido pelas composições nas vozes de outros artistas até abandonar a carreira no início dos anos 1990. Uma pena.

Como outros tantos, Cassiano merecia mais louros, que só ganhou  recentemente quando a notícia da morte foi anunciada. Como tantos outros, ele ficará eternizado por influenciar toda uma geração de artistas e ouvintes. Uma carreira solo com o ótimo "Imagem e Som" merecia mais, muito mais.

Estou no Twitter e no Instagram. Ouça o podcast, compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!


Resenha de "Imagem e Som"

A canção "Lenda", com seu arranjo de metais e letra poética sobre a vida, abre o trabalho de "Imagem e Som". É impossível não querer seguir ouvindo o trabalho, ainda mais quando as dançantes "Ela Mandou Esperar" e "Tenho Dito", ambas de Cassiano e Tim Maia, vêm na sequência. Sem dúvida alguma, eram as músicas que colocavam fogo na pista de dança com cabelos e roupas balançando.

Mas podemos ouvir o talento mesmo quando as faixas assinadas apenas por Cassiano surgem. A primeira delas é a balada "Já". Essa, como disse Wilson Simonal, é para machucar os corações em uma faixa muito harmônica -- de dar orgulho a Crosby, Stills e Nash. Depois vem a dançante "É Isso Aí", inspirada pelos melhores trabalhos lançados pela clássica gravadora Motown à época. Para fechar o lado A, um show de referências em "Ocaso Das Bossas", um relato sobre a história da música brasileira até ali -- de João Gilberto a Jorge Ben (Jor).

A segunda parte começa com a balada tristonha "Eu, Meu Filho E Você". De verso "O nosso amor começou/ Naquele instante/ Em que você sorriu e eu/ Afaguei suas mãos", daria um ótimo tema para qualquer novela da Globo ou série nacional da Netflix. Na sequência, a interpretação de Cassiano para "Primavera (Vai Chuva)" começa animada, mas mescla uma pegada mais funk, menos soul da mais conhecida e tem mais instrumentos no arranjo, o que acaba compensando a interpretação menos potente.

A animada e curta "Minister" surge para homenagear Tim Maia e abrir espaço para "Uma Lágrima", canção que Tim deveria ter gravado. É uma das mais tristes canções do repertório e merece ser revisitada agora ou no futuro. E "Canção Dos Hippies (Paz e Amor)" tem a cara do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 -- do arranjo ao discurso. Para encerrar em grande estilo, "Não Fique Triste" é a canção que deveria fazer parte de um hall da fama da música brasileira. Muita gente daria o que não tem para escrever algo parecido.

"Imagem e Som" é uma prova do potencial da soul music feita no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Cinquenta anos após o lançamento, ainda é um álbum que contagia e faz pensar, um perfeito resumo da carreira de Cassiano.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Lenda" (Lula Freire e Marcos Valle) (2:43)
2 - "Ela Mandou Esperar" (Cassiano e Tim Maia) (2:18)
3 - "Tenho Dito" (Cassiano e Tim Maia) (1:44)
4 - "Já" (Cassiano) (4:56)
5 - "É Isso Aí" (Cassiano) (3:07)
6 - "Ocaso das Bossas" (Zil Rosendo e Dabliu Namor) (2:58)

Lado B

1 - "Eu, Meu Filho E Você" (Cassiano) (4:28)
2 - "Primavera (Vai Chuva)" (Silvio Rochael e Cassiano) (2:01)
3 - "Minister" (Cassiano) (1:55)
4 - "Uma Lágrima" (Cassiano) (2:17)
5 - "Canção dos Hippies (Paz e Amor)" (Professor Pardal) (3:26)
6 - "Não Fique Triste" (Cassiano) (3:35)

Gravadora: RCA Victor
Produção: Alfredo Corleto e Osmar Navarro
Duração: 35min13s

Cassiano: guitarra e vocal
Paulinho: bateria
Capacete: baixo
Os Diagonais: vocal de apoio
Charles: piano
Pestana: ritmo
Waldyr Arouca Barros: arranjos

Continue no blog:

Comentários