Discos para história: Born to Run, de Bruce Springsteen (1975)


A 97ª edição do Discos para história será sobre a obra-prima de Bruce Springsteen: Born to Run. Completado 40 anos de seu lançamento na última semana, o trabalho foi o início do sucesso do cantor e o afastamento definitivo das comparações com Bob Dylan.

História do disco

Bruce Springsteen começou sua carreira como muitos de seus contemporâneos: tocando em bandas que se apresentavam em bares. Mas seu talento logo foi visto por John Hammond, descobridor de talentos da Columbia que, anos antes, havia levado um então desconhecido Bob Dylan para um teste depois de ler uma nota em um jornal de Nova York escrita por Robert Shelton. Sem muitas delongas, o contrato foi assinado em 1972 e um disco, chamado Greetings from Asbury Park, N.J., foi lançado – o álbum foi bem avaliado pela crítica, porém não vendeu o esperado.

Por fazer parte da mesma gravadora e ter o mesmo estilo de Dylan, as comparações eram inevitáveis, e os diretores viam Springsteen como o sucessor natural do cantor que havia chegado ao mesmo local dez anos antes. O cantor já apresentava o estilo duro de bater nas pessoas, apesar de ainda tímido no uso das palavras. The Wild, the Innocent & the E Street Shuffle, segundo disco, foi lançado e também foi ótimo nas críticas, o que não é possível falar sobre as vendas.


Esse momento da carreira acabou sendo crucial a ele. Exatamente quando as vendas estavam baixas, Springsteen montou a hoje famosa e aclamada E Street Band. Começava ali as apresentações épicas, com ele e a banda dando tudo e mais um pouco para transformar um mero show em algo épico e inesquecível. “Eu vi o futuro do rock. E ele se chama Bruce Springsteen”, disse o famoso crítico Jon Landau depois de uma das muitas apresentações em 1974 – produtor, amigo e assessor de imprensa do cantor até hoje.

O entrosamento com a E Street Band o fez sair da pegada folk e partir para algo diferente, mais rock, algo mais forte e pesado ao vivo. Disso tudo saiu a ideia para Born to Run. Mas entre a ideia e o lançamento, no dia 25 de agosto de 1975, foram 14 meses de trabalho até chegar ao ponto ideal. Para ter uma ideia de todo trabalho, eles precisaram de seis meses entre a primeira e a última gravação para finalizar a faixa-título. Tudo isso levou Bruce a exaustão, porque era difícil para ele explicar o exatamente o que desejava. E era difícil para a banda entender o que ele queria, e colocar tudo isso em prática. A intenção era ter algo refinado na produção, mas, ao mesmo tempo, com uma cara própria. Uma cara de Bruce Springsteen, nascido em Nova Jersey, 26 anos.

A frustração era tamanha, que, após um período de gravação, ele simplesmente descartou todas as canções feitas até ali e refez tudo do zero. Por sorte, a Columbia realmente apostava nele e garantiu um gordo orçamento para o disco. Durante uma dessas sessões, Steve Van Zandt, colaborador e amigo de Bruce, apareceu no estúdio para ver como estavam os trabalhos. Acabou ficando, participou da gravação de uma música e ficou na E Street Band por um longo período – ele saiu e voltou, mas isso é outra história.

O disco era muito bom, mas o intenso trabalho de marketing da Columbia o ajudou a ganhar ainda mais destaque na mídia. Springsteen foi capa de duas revistas na mesma semana, e o álbum estreou na terceira posição nas paradas. Até por conta de tamanha publicidade, muitos começaram a desconfiar que o cantor fosse uma fraude e fruto de propaganda, e Bruce não gostou nada da campanha da gravadora para divulgá-lo.

Mas Born to Run, que também tem uma das capas mais icônicas da história da música, era tão bom, que a má impressão foi apagada e entrou para história como um dos grandes discos de Bruce Springsteen, sinalizando a mudança da sua carreira dali por diante.



Resenha de Born to Run

Se não soubesse o que Born to Run transformou Bruce Springsteen, poderia jurar que "Thunder Road" seria uma das muitas músicas acústicas dele do início de carreira. Mas não. Alterada diversas vezes até a gravação, a faixa era o estilo Roy Orbison que o cantor tanto desejou fazer/imitar, ainda sem sucesso. A abertura de seu terceiro álbum de estúdio deu a chance de fazer isso muito bem, além de ter a transformado em um de seus grandes sucessos ao cantar a história de Mary e seu namorado.

Como bom letrista e contador de histórias, Springsteen aproveiou a chance de contou como formou a E Street Band em "Tenth Avenue Freeze-Out", que nem mesmo ele tem a menor ideia do que o título significa – ou não quer contar. Apesar de não ter feito sucesso, é outra que os fãs adoram. A poesia da letra da bonita “Night” (And she's so pretty that you're lost in the stars/ As you jockey your way through the cars/ And sit at the light, as it changes to Green/With your faith in your machine off you scream into the night) é outra que entra na categoria interpretação à la Roy Orbison. Ouvindo atentamente, é impossível não pegar semelhanças até mesmo nos maneirismos.

Apesar de tentar se livrar do rótulo de ‘próximo Bob Dylan’, Springsteen aproveitou muito da influência do cantor para fazer a ótima "Backstreets", história sobre um relacionamento fictício com uma moça chamada Terry. Aqui, há muito da fase elétrica de Dylan, principalmente no andamento de melodia, recheada com órgão e piano, além de uma guitarra que aparece para dar ritmo e um riff.



O lado B não poderia ter abertura melhor, e "Born to Run" é uma das melhores músicas já feitas por Springsteen em sua longa carreira. Em primeira pessoa, ela foi escrita no período em que ele não vendia muitos discos, mas seu empenho e apresentações épicas estavam ficando cada vez mais conhecidos pelo público. Entre trabalho e algumas pausas, a canção levou seis meses para ficar pronta, porque havia um consenso: teria que ser perfeita e representar bem o que ele estava virando. E foi. Os momentos altos da melodia, a letra perfeitamente identificável com qualquer pessoa, o saxofone tocado com maestria por Clarence Clemons e um cantor entregando tudo que podia. Não foi a toa que "Born to Run" é muito mais que uma canção, é um hino.

Uma das três escritas antes de pensar na ideia do álbum, "She's the One" fala de uma mulher muito bonita, mas fria no tratamento com as pessoas. E o personagem principal acredita que tudo seja fachada, e deseja desmistificar isso ao conquistá-la. O destaque é, mais uma vez, o solo de sax de Clemons, composto depois dela pronta.

Depois disso, "Meeting Across the River" aparece e até assusta um pouco por ser um jazz. Mas é incrível o acerto ao colocá-la no trabalho, pois mostra um cantor que não é nada preso ao que fazia – além do mais, ao falar de um criminoso, é uma canção que daria um filme tranquilamente. Por fim, também um jazz que conta muito com o uso do piano, "Jungleland" é o final perfeito por conseguir aglutinar o talento de todos os envolvidos no álbum em uma única música.



Ficha técnica:

Tracklist:

Lado A

1 - "Thunder Road"
2 - "Tenth Avenue Freeze-Out"
3 - "Night"
4 - "Backstreets"

Lado B

1 - "Born to Run"
2 - "She's the One"
3 - "Meeting Across the River"
4 - "Jungleland"

Todas as canções são creditadas a Bruce Springsteen.

Gravadora: Columbia
Produção: Bruce Springsteen, Mike Appel e Jon Landau
Duração: 39min26s

Bruce Springsteen: vocal, guitarras, gaita e percussão
Roy Bittan: piano, piano Rhodes, órgão, cravo, glockenspiel e vocal de apoio em todas as canções, menos em "Born to Run"
Clarence Clemons: saxofone, pandeireta e vocais de apoio
Danny Federici: órgão e cravo em "Born to Run"
Garry W. Tallent: baixo
Max Weinberg: bateria em todas as faixas, menos em "Born to Run"
Ernest "Boom" Carter: bateria em "Born to Run"
Suki Lahav: violino em "Jungleland"
David Sancious: piano e órgão em "Born to Run"
Steven Van Zandt: vocais de apoio em "Thunder Road" e arranjos de sopro

Convidados:

Wayne Andre: trombone
Mike Appel: vocais de apoio
Michael Brecker: saxofone tenor
Randy Brecker: trompete e fliscorne
Richard Davis: baixo duplo em "Meeting Across The River"
David Sanborn: saxofone barítono


Veja também:
Discos para história: Turn on the Bright Lights, do Interpol (2002)
Discos para história: Dirty, do Sonic Youth (1992)
Discos para história: Imagine, de John Lennon (1971)
Discos para história: Õ Blésq Blom, dos Titãs (1989)
Discos para história: Parklife, do Blur (1994)
Discos para história: The Marshall Mathers LP, de Eminem (2000)
Discos para história: A Night at the Opera, do Queen (1975)

Me siga no Twitter e no Facebook e assine o canal no YouTube. Compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!

Saiba como ajudar o blog a continuar existindo

Gostou do post? Compartilhe nas redes sociais e indique o blog aos amigos!