Discos para história: 7 Desejos, de Alceu Valença (1992)


História do disco

"É natural que minha obra esteja repleta dos elementos mouriscos que constituem a essência da canção no nordeste profundo. São influências que assimilei in loco, desde a infância, nas ruas da minha São Bento do Una, no agreste de Pernambuco", disse Alceu Valença, em entrevista ao 'Guia Gazeta do Povo'.

Se dependesse do pai de Alceu Valença, hoje a música brasileira seria mais pobre e os escritórios de advocacia e salas de tribunais teriam mais um advogado pronto para defender alguma causa ou alguém, mas quis o destino que ele, aos cinco anos, entrasse em um palco para cantar em concurso infantil do Cine Teatro Rex. Ele ficou na segunda colocação e, ao contrário do que poderíamos imaginar, ficou tão feliz que deu cambalhotas e arrancou risos de todos os presentes. Era agitado desde sempre.

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No fundo, ele sabia estar destinado aos palcos e aos aplausos desde o momento em que começou a prestar atenção no avô violeiro e no tio escritor ainda criança. O futuro cantor chegou a se formar em direito em 1970 e, no ano seguinte, começou a carreira ao juntar-se ao amigo Geraldo Azevedo, no Rio de Janeiro, para tentar a sorte. Bem, e conseguiu.

Desde a gravação do primeiro álbum, "Molhado de Suor", de 1974, Alceu fez o caminho natural da época ao conseguir ter "Caravana" como parte da trilha sonora da novela "Gabriela" e o sucesso no Festival Abertura, da TV Globo, com "Vou Danado Pra Catende", em uma fusão de rock com forró. A partir disso, colecionou sucessos até o final dos anos 1980, como "Coração Bobo", "Como Dois Animais", "Tropicana", "Anunciação", "Estação da Luz" e "Girassol, quando eletrificou o forró e forrozeou o rock. Tudo isso com muito frevo, de Pernambuco, a terra natal.

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Em 1990, lançou o disco "Andar, Andar", quando, das andanças pelo Brasil, viu o sofrimento do povo e, com a abertura política consolidada, pôde abandonar as metáforas e jogou a real sobre a situação do País. Para o trabalho seguinte, "7 Desejos", ele voltaria ao estúdio com uma pegada mais pop e romântica e, sem saber, mais radiofônica para a época.

Impulsionado por uma criatividade diferente do trabalho anterior, o compositor apostou e um trabalho mais lírico, poético e centrado em um tema, o desejo, espalhado em 11 músicas de diversas formas. Ele mesmo disse, em entrevista ao site da revista 'Quatro Cinco Um', que vive de surtos de criatividade.

"Estou andando dentro de um carro, viajando no alto Sertão ou, então, no interior de São Paulo e, de repente, uma coisa vem à minha cabeça. Peço para gravarem e, pronto, gravou!", contou.

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O trabalho de divulgação da EMI para o álbum não foi dos melhores e isso, nos anos 1990, poderia ser fatal para qualquer pretensão dele. E o que ele fez? Saiu divulgando o disco para aonde ia. E, nessa altura, "7 Desejos" explodiu na TV e nas rádios, graças a "La Belle De Jour", um fenômeno musical inesquecível até os dias atuais.

Alceu Valença nunca teve o hábito de ouvir música em casa e, mesmo com as facilidades, prefere escrever as próprias letras e poemas e musicá-los da maneira que acha melhor dentro desse furacão criativo da própria cabeça. Lançado em 1992, "7 Desejos" fez dele um fenômeno musical para uma nova geração de fãs, prontos para aproveitarem o meio da tarde na praia de Boa Viagem com um dos trabalhos mais marcantes da carreira do cantor.


Resenha de "7 Desejos"

Um pedaço de 28 segundos de "Papagaio Do Futuro" abre "7 Desejos" e funciona como um breve, mas importante aquecimento para o trabalho, que começa mesmo no sucesso arrasa-quarteirão "La Belle De Jour" — uma homenagem à atriz britânica Jacqueline Bisset com o nome de um filme do diretor espanhol Luis Buñuel (1900–1983). Três décadas após o lançamento desse poema musicado, várias gerações sabem a letra toda, provando ser um desses sucessos eternos.

A partir dela, a temática do desejo passeia por toda obra — ele mesmo disse uma vez, em entrevista ao jornal 'Folha de S. Paulo' que compõe todas as letras de um álbum de uma vez, geralmente em torno de um tema — e chega na bonita, e desconhecida por mim, "Tesoura Do Desejo". A participação de Zizi Possi é dessas coisas marcantes nessa história romântica de tom melancólico em que Alceu e a cantora dialogam embalados por um bonito arranjo.

A faixa-título traz um forró sobre a vida de um amor que já se foi ("E agora penso que a estrada / Da vida tem ida e volta / Ninguém foge do destino / Esse trem que nos transporta"). Depois surge o poema "Junho", de Geraldo Valença, tio do cantor, em que ele fala das características e dos acontecimentos daquele mês no interior de Pernambuco.

A situação do Brasil é tão semelhante a dos anos 1990, que hoje o clássico "Tomara", composição em parceria com Rubem Valença Filho, ainda serve para falar dos problemas. Alceu, como o bom otimista que é, canta esperança, amor e clama por solidariedade, algo cada vez mais em falta em 2022. Mas ele também é agito e, quando surge o ainda sucesso "Bicho Maluco Beleza", lembramos da natureza festeira e dançante do cantor — essa sequência de sucessos é prova como ele não deve em nada a nenhum dito bastião da MPB.

O cantor faz uma homenagem ao cancioneiro popular pernambucano com "Papagaio Do Futuro / Coco Das Serras", duas canções em um repente e com uma batida muito parecida com o que a Nação Zumbi e Mundo Livre S/A fariam futuramente nos primeiros trabalhos. Na linha do protesto, tão usada nos anos 1980, "Desprezo" surge para dizer não "A todo inimigo da fauna, da flora / Aquele que promove a poluição / Aos donos do dinheiro, a quem nos devora / Aos ratos e gatunos de toda nação".

A parte final traz uma versão ainda mais animada de "Respeita Januário", clássico de Luiz Gonzaga (1912–1989), e "Desejo", uma balada bonita e poética que amarra muito bem a temática do trabalho ("O amor é movido a desejo / Essa vida cigana, o caminhador / O desejo não para, o desejo não cansa / É o moto contínuo que a vida inventou").

Com várias músicas famosas, "7 Desejos" deveria ser um disco mais exaltado ao longo dos anos pelos fãs e críticos. Alceu Valença já era famoso e cheio de hits, mas há muitos méritos e fazer um trabalho cheio deles mais uma vez aos 20 anos de carreira. É um belo resumo de uma das carreiras mais bonitas da música no Brasil.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Papagaio Do Futuro - Vinheta" (0:28)
2 - "La Belle De Jour" (4:29)
3 - "Tesoura Do Desejo" (com Zizi Possi) (3:54)
4 - "Sete Desejos" (3:27)
5 - "Junho" (3:11) (Alceu Valença / Geraldo Valença)
6 - "Tomara" (3:17) (Alceu Valença / Rubem Valença Filho)
7 - "Bicho Maluco Beleza" (4:59)
8 - "Papagaio Do Futuro / Coco Das Serras" (4:44) (Tradicional)
9 - "Desprezo" (3:40)
10 - "Respeita Januário" (2:41) (Humberto Teixeira / Luiz Gonzaga)
11 - "Desejo" (3:41)

Todas as músicas foram escritas por Alceu Valença, exceto as marcadas

Gravadora: EMI-Odeon
Produção: Alceu Valença e Guto Graça Mello
Duração: 38min31

Alceu Valença: vocal, coro, assobio, guitarra, violão e arranjo
Guto Graça Mello: arranjo de cordas
Marcos Suzano: percussão
Paulo Rafael: violão e violão em aço
Herbert Azul: violão e coro
Márcio Lomiranda: pad e baixo
Edmundo Maciel: trombone
Paulo Andrade: saxofone soprano
Severo: acordeon
As Gatas: coro
Zizi Possi: vocal em "Tesoura Do Desejo"
Flávio Sena e Nestor Lemos: gravação e mixagem

Créditos retirados do site "Discos do Brasil", a quem agradeço o trabalho e recomendo a quem leu entrar no site e ver o imenso catálogo.

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