História do disco
"Fundamental mesmo foi a resposta do público. A gente vem de uma gravadora independente, que não tem grana para bancar, sabe, uma estrutura louca... Essa resposta do público foi fundamental. São eles que ligam pras rádios pedindo a música e faz com que a parada role, são eles que ligam pra TV pedindo clipe e faz com que a parada role, são eles que vão nos shows. Essa resposta do público foi fundamental", disse Pitty, em entrevista ao UOL, em 2004.
Lançado em 7 de maio de 2003, "Admirável Chip Novo" mostrou ao Brasil quem era Pitty, uma cantora baiana cheia de tatuagens e uma pré-disposição a falar exatamente o que pensa, angariando fãs em todos os lugares com a potência de letras honestas em músicas cheias de energia. Falar de rock na Bahia não deveria despertar qualquer espanto, afinal, Raul Seixas e a Tropicália vieram de lá. Mas, no início dos anos 2000, o Brasil dividia atenção entre o axé, o auge do pagode, o sertanejo e um pop rock de novela das 21h. Mas parte do público queria outra coisa. E foi aí que ela chegou com tudo.
Estou no Twitter e no Instagram. Ouça o podcast, compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!Mas existia, no underground em várias cidades do Brasil, uma leva de pessoas que queriam distância desses gêneros musicais e buscavam influências no rock clássico dos anos 1970, no punk, no metal e no hard rock dos anos 1980. Eram pessoas consideradas deslocadas e envolvidas em um círculo muito pequeno de amizades que faziam de tudo ao melhor estilo "faça você mesmo". Espaços eram transformados em lugares de ensaios, apresentações e troca de ideias. Foi nesse cenário que Pitty cresceu em Salvador, quando o interesse por música venceu qualquer outra coisa.
Entre bandas, demos, shows, muito sangue, suor e lágrimas, Pitty chegou a trabalhar como recepcionista em um estúdio de gravação para bancar as contas, até conseguir uma nova chance na música ao entrar na já veterana banda Inkoma. E parecia que a coisa finalmente aconteceria, quando "Influir", o primeiro EP foi lançado em 2000, o sopro de esperança chegou. Infelizmente, um ano depois, o grupo chegou ao fim.
Mais álbuns dos anos 2000:
Discos para história: Room on Fire, dos Strokes (2003)
Discos para história: Nação Zumbi, da Nação Zumbi (2002)
Discos para história: Come Away with Me, de Norah Jones (2002)
Discos para história: Jessico, do Babasónicos (2001)
Discos para história: Love and Theft, de Bob Dylan (2001)
Discos para história: Ruido Rosa, do Pato Fu (2001)
Pressionada a fazer faculdade, Pitty acabou entrando no curso de música da Universidade Federal da Bahia. Foi quando, um dia, recebeu a ligação que mudaria a vida para sempre. Do outro lado da linha, estava Rafael Ramos, produtor da gravadora Deck, um velho conhecido do cenário independente por ser um obcecado por música e descobrir novos talentos e redescobrir velhos nomes.
"Certo dia eu tava no ócio, sabe? Naquela calmaria que dá, sabe? Agenda de telefone, e-mail, vou ligar para alguém. Pô, vou ligar pra Pitty. Liguei, 'e aí, o que você está fazendo?'. 'Tô compondo, cara", contou Ramos, em no making-of de "Admirável Chip Novo".
Veja também:
Discos para história: Gabriel O Pensador, de Gabriel O Pensador (1993)
Discos para história: O Ritmo do Momento, de Lulu Santos (1983)
Discos para história: Pérola Negra, de Luiz Melodia (1973)
Discos para história: Black Coffee, de Peggy Lee (1953)
Discos para história: Live At The Apollo, de James Brown and the Famous Flames (1963)
Discos para história: Random Access Memories, do Daft Punk (2013)
Ele pediu para Pitty gravar uma demo das canções na voz e violão mesmo e pediu para mandá-las. Impressionado com as canções e visualizando o potencial delas, a dupla começou a se falar e acertou a gravação do trabalho, feito no Rio de Janeiro, no Estúdio Madeira. Acompanhada por Peu na guitarra, Duda Machado na bateria e Dunga no baixo, eles rumaram para fazer o primeiro álbum de estúdio da cantora. Eles nem sabiam estarem entrando ali para fazer história.
"Admirável Chip Novo" transformou a vida de todos os envolvidos, sendo uma daquelas coisas que tinha que acontecer simplesmente porque sim. Contra a ideia da gravadora, Pitty bancou "Máscara" como primeiro single do trabalho para mostrar a força do vocal e da banda. Explodiu. Ela virou um fenômeno e era presença constante nas rádios, na TV e na internet, então começando a entrar nos lares brasileiros com mais força. Disso, ela partiu para virar uma das mais importantes cantoras brasileiras dos últimos 20 anos.
Resenha de "Admirável Chip Novo"
A aposta de Rafael Ramos já seria vencedora em qualquer lugar ao ouvir "Teto De Vidro", música que abre "Admirável Chip Novo". As guitarras pesadas, então em falta na música mainstream brasileira, dão o tom de uma letra cheia de honestidade de Pitty para falar sobre as pessoas que gostam de tomar conta da vida dos outros.
Logo em seguida chega a faixa título, inspirada no livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, sobre uma distante sociedade manipuladas pela tecnologia. Em pleno início dos anos 2000, a letra era quase um delírio; hoje, em 2023, a canção representa a realidade da atual sociedade. Com essas duas porradas, era praticamente impossível não querer ouvir o disco o dia inteiro.
Com um discurso universal e ainda bem atual, "Máscara" prega que as pessoas sejam elas mesmas em um hardcore cheio de energia juvenil e de refrão grudento ("E o importante é ser você/ Mesmo que seja estranho, seja você/ Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro"). E depois de três pancadas seguidas, "Equalize" surge não só para mostrar a força de Pitty em outros quesitos musicais, como mostra a capacidade dela em escrever uma bonita balada cantada por duas gerações de fãs ("Eu vou equalizar você/ Numa frequência que só a gente sabe/ Eu te transformei nessa canção/ Pra poder te gravar em mim").
O incrível é que as quatro primeiras faixas de "Admirável Chip Novo" foram singles, algo acima do esperado para o trabalho de uma cantora no primeiro álbum da carreira, então quando a crônica "O Lobo" chegou, causou um pouco de estranheza pela diminuição do ritmo. Mas hoje, o discurso é perfeitamente entendível - a cantora já tinha 26 anos na época, enquanto a imensa maioria dos fãs eram adolescentes em formação pessoal e cultural.
A segunda metade do álbum começa com "Emboscada", uma faixa que merecia um pouco mais de atenção pela força no baixo e o vocal mesclando o acelerado com a suavidade do refrão, já "Do Mesmo Lado" traz Pitty desabafando para, no refrão, celebrar a música com todo merecimento. Rafael Ramos fez um ótimo trabalho em usar um arranjo de cordas para deixar a balada "Temporal" ainda melhor e mais forte, importante para mostrar a qualidade vocal.
"Só De Passagem" e "I Wanna Be" colocam o punk na roda e, em pouco menos de cinco minutos, levanta o ritmo do álbum mais uma vez para levar o ouvinte para o encerramento apoteótico com "Semana Que Vem", uma letra muito profunda e bonita com um ótimo conselho ("Não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar/ Não deixe nada pra semana que vem/ Porque semana que vem/ Pode nem chegar") - a faixa foi uma das mais tocadas no Brasil em 2004.
Ramos acreditou na sinceridade das letras Pitty e ajudou a fazer de "Admirável Chip Novo" um dos grandes discos de rock do Brasil no início dos anos 2000. E Pitty acreditou em si e no próprio potencial, fazendo do álbum um sucesso. Olhando hoje, o primeiro disco dessa cantora baiana chegou no momento certo para uma geração de jovens deslocados e sem rumo. Agora, todos eles tinham uma trilha sonora própria.
Ficha técnica
Tracklist:
1 - "Teto De Vidro" (3:33)
2 - "Admirável Chip Novo" (3:12)
3 - "Máscara" (4:50)
4 - "Equalize" (Pitty/Peu Souza) (3:52)
5 - "O Lobo" (3:38)
6 - "Emboscada" (3:14)
7 - "Do Mesmo Lado" (4:36)
8 - "Temporal" (4:05)
9 - "Só De Passagem" (2:10)
10 - "I Wanna Be" (2:33)
11 - "Semana Que Vem" (3:40)
Todas as músicas foram compostas por Pitty, exceto a marcada
Gravadora: Deck
Produção: Rafael Ramos
Duração: 39min12s
Pitty: vocal
Peu: guitarra e violão
Duda Machado: bateria
Dunga: baixo
Jaques Morelembaum: violoncelo em "Temporal"
Ricardo Amado: violino em "Temporal"
Liminha: baixo em "Equalize"
Paulinho Moska e Rick Ferreira: violão
Jota Moraes: arranjo de cordas em "Temporal"
Sacha Amback: sinos e sampler em "Temporal"
Jorge Guerreiro: assistente de gravação e mixagem
Tatiana Horácio: assistente de produção
Nossa, esse álbum fez história mesmo!! A MTV Brasil ajudou demais colocando a Pitty em alguns projetos e sempre tocando os clipes (que também eram muito pedidos!).
ResponderExcluirDeu até vontade de ouvir de novo.
Gostei muito do post. :)
Obrigado pelo comentário!
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