Discos para história: Live At The Apollo, de James Brown and the Famous Flames (1963)

História do disco

Em 1975, Cliff White escreveu uma resenha retrospectiva de "Live At The Apollo", disco ao vivo de James Brown lançado em 1963 que fez grande sucesso na época do lançamento, sendo considerado um dos melhores de todos os tempos e presentes em várias listas de melhores álbuns até hoje, mais de 60 anos após a gravação.

"Nesta única apresentação estão todos os ingredientes que Brown, mais tarde, refinou em alguns dos discos de música negra mais inovadores dos anos 60. Se você tem alguma pretensão de entender a evolução da música negra, 'Live At The Apollo' é uma parte essencial de sua coleção", contou.

James Brown ficou conhecido por ser um dos cantores mais trabalhadores da história da indústria musical nos Estados Unidos. Com certa de 300 apresentações por ano, ele tocava em locais lotados quase todas as noites e desfilava seu talento e hits, acompanhado da espetacular Famous Flames. Mas, em vendas, o assunto era outro.

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Em 1956, o single "Please Please Please" foi lançado pela gravadora King e vendeu muito, transformando Brown em um astro em ascensão. Mais músicas foram gravadas, mais vendas aconteceram e fama dele ia crescendo, de cidade em cidade, de rádio em rádio. O problema começou na gravação de álbuns inteiros. Sem conseguir captar a essência dele no palco, vendiam abaixo das expectativas. Foi quando Brown teve a ideia: por que não gravar um álbum ao vivo e colocá-lo nas lojas?

Olhando hoje, no século XXI, a ideia não era ruim. Nem todo mundo pode ir ao show do artista favorito por diversas razões e ter um álbum ao vivo em casa é uma lembrança de colocar a realização desse desejo como uma espécie de meta a ser alcançada no longo prazo. Porém, o chefe da King, Syd Nathan, pensava exatamente o oposto: se as pessoas tinham um álbum ao vivo em casa, por que ir aos shows?

E ainda havia o fato de Nathan, após anos assistindo às vendas de Brown, o considerava um artista de singles, não de discos. Assim, ele recusou o financiamento do projeto e deu o assunto por encerrado. Mas Brown era o cantor mais trabalhador da indústria e queria muito, muito mesmo. Com tudo jogando contra, ele bancou o projeto do próprio bolso ao pagar pela gravação e locação do Apollo Theater, já uma lendária casa de shows no Harlem. 

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O principal ponto da carreira de Brown era a confiança. Confiança nele, no repertório e em entregar uma grande apresentação ao ponto de fazer qualquer local vir praticamente abaixo. Até por isso, ele resolveu triplicar todas as multas aos músicos caso algo desse errado. Foi a consolidação da firmeza, vamos dizer assim, do cantor nos bastidores nos anos seguintes. Tudo para fazer das apresentações algo mágico e especial.

A residência no Apollo começou em uma sexta-feira, 19 de outubro de 1962, e a gravação do álbum seria realizada na quarta-feira seguinte, dia 24. Com microfones pendurados logo acima da plateia para capturar as reações, Brown fez do show um momento histórico para ele e a banda. Mesmo sem fazer nada novo, ele dobrou a aposta ao estabelecer uma nova relação entre ele e o público.

Com o material em mãos, ele ofereceu a Nathan, que não gostou nada do estilo de gravação e da reação exagerada da plateia, porém acabou sendo convencido e prometeu lançar 5 mil cópias. Na hora de definir qual seria o single promocional, Brown entrou na jogada para defender o trabalho como algo a ser consumido por inteiro, não em partes. De novo, cheio de objeções, a King lançou o disco em maio de 1963. 

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Como um desses milagres inexplicáveis na história da música, os apresentadores das rádios, incentivados pelo ímpeto do público em ouvir o LP, pegaram o vinil de "Live At The Apollo" e tocavam na íntegra, fazendo apenas um intervalo para trocar o lado. Foi assim que James Brown deixou o circuito de música negra dos Estados Unidos para invadir os lares da classe média branca da época. O álbum passou 66 semanas nas paradas de álbuns pop da Billboard, chegando a ocupar a segunda colocação - atrás apenas de "Days of Wine and Roses", de Andy Williams.

"Live At The Apollo" foi o momento mais importante da carreira de James Brown ao catapultá-lo de vez a fama, muito antes dos hits que fariam história entre meados dos anos 1960 e início da década seguinte. E o LP foi uma grande influência no médio e longo prazos, com vários artistas querendo registrar as próprias apresentações para lançá-las futuramente. Visionário, Brown mudou a indústria para sempre ao criar para si a reputação de o melhor show ao vivo para ver e ouvir.

Resenha de "Live At The Apollo"

Marca registrada das apresentações de James Brown até o fim da vida, a apresentação dele e da banda feita por um mestre de cerimônias - geralmente algum integrante do grupo - dava o pontapé inicial do show. E não foi diferente no começo de "Live At The Apollo", com o organista Fats Gonder responsável por esse papel. Assim que ele termina, a festa começa.

O LP começa leve, com "I'll Go Crazy" abrindo os trabalhos de fato com um arranjo de metais acima da média para aquecer as 1.500 pessoas presentes no Apollo naquele dia. A balada sensual "Try Me" coloca o público na mão Brown em pouco menos de dois minutos e meio. Dificilmente alguém conseguiria ótimos resultados em tão pouco tempo, mas o cantor não era um simples alguém no palco.

"Think" chega para colocar o pessoal para dançar, especialidade da casa em qualquer apresentação pelos Estados Unidos e, seguida por um dos clássicos da carreira, "I Don't Mind" chega com seu ar gospel para colocar emoção nos corações mais cansados. Mas é na versão de mais de dez minutos de "Lost Someone" que Brown mostra a famosa potência vocal de extremo sucesso pelos anos seguintes em uma balada melancólica sobre expôr as próprias fraquezas após perder o grande amor.

E emendando na anterior, o medley com quase seis minutos e meio começa com o grande sucesso até então: "Please, Please, Please". Ao longo da apresentação, vai passando por outras faixas mais lentas para criar o clima e encerrar como começou. A versão original termina com "Night Train" para, mais uma vez, colocar o público para dançar e encerrar a apresentação em uma nota alta.

Perfeição é a palavra para definir "Live At The Apollo", primeiro disco ao vivo de James Brown. Com ele e a banda extremamente afiados, o resultado é um trabalho coeso, cheio de energia e o início de uma série de sucessos, culminando em mais trabalhos do tipo nos anos seguintes, ainda mais recheados de hits.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Introduction to James Brown and The Famous Flames" (by Fats Gonder) (1:49)
2 - "I'll Go Crazy" (2:05)
3 - "Try Me" (2:27)
4 - "Think" (1:58)
5 - "I Don't Mind" (2:28)
6 - "Lost Someone" (10:43)
7 - "Medley: Please, Please, Please/You've Got the Power/I Found Someone/Why Do You Do Me/I Want You So Bad/I Love You, Yes I Do/Strange Things Happen/Bewildered/Please, Please, Please" (6:27)
8 - "Night Train" (3:26)

Gravadora: King
Produção: James Brown
Duração: 31min31s

James Brown: vocal
Bobby Byrd: vocal barítono e baixo; teclado em "Lost Someone"
Bobby Bennett: primeiro vocal tenor
Lloyd Stallworth: segundo vocal tenor

Lewis Hamlin: diretor musical; trompete
Hubert Perry: baixo
Clayton Fillyau: bateria
Les Buie: guitarra
Lucas "Fats" Gonder: órgão; apresentador
Clifford MacMillan e St. Clair Pinckney: saxofone tenor
Al "Brisco" Clark: saxofones tenor e barítono
William Burgess: saxofone alto
Dickie Wells: trombone
Roscoe Patrick e Teddy Washington: trompete

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