Discos para história: Black Coffee, de Peggy Lee (1953)

História do disco

O vinil foi uma das grandes invenções da história da música e mudou definitivamente o jeito de gravar e a maneira de vender os artistas. Mas, antes da chegada do LP no formato que conhecemos hoje, existiam os chamados 45 e 78 rotações. Inventados no final do século XIX, esses dois formatos ajudaram muito a difundir vários artistas e a consolidar as respectivas carreiras. A cantora Peggy Lee foi uma delas.

Nascida Norma Deloris Egstrom, em 26 de maio de 1902, na Dakota do Norte, ela começou a cantar ainda na escola e cantou pela primeira vez no rádio aos 14 anos. Ainda na adolescência, ela conseguiu um programa de 15 minutos de duração, patrocinado por um restaurante local - o pagamento dela era em comida. Foi o suficiente para começar a carreira profissional ao fazer apresentações aqui e ali.

Mas a vida dela mudaria de forma definitiva no ano seguinte, quando foi recrutada por Ken Kennedy, então o mais famoso apresentador de rádio do estado. Ela fez um teste e acabou passando. Porém, havia um problema: Norma Egstrom não era um bom nome para uma cantora por ter um sobrenome muito difícil de decorar. A garota precisava de um nome mais simples. "Que tal Peggy Lee?", ele disse. Ela topou.

Estou no Twitter e no Instagram. Ouça o podcast, compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!

Parecia que ela estava destinada a fazer coisas grandes, então por que não ir tentar a sorte em Hollywood? A vida foi tão difícil para ela, que precisava equilibrar os empregos de garçonete pela manhã e cantora a noite. Lee não aguentou, desmaiou no palco e, no hospital, descobriu precisar de uma cirurgia urgente para retirada das amígdalas. Ao voltar para casa para o procedimento, prometeu a si mesma que retornaria à Califórnia para tentar a sorte mais uma vez.

Recuperada, entre vários empregos e o retorno à Los Angeles, entrou na banda de Benny Goodman e ganhou ainda mais destaque, mas resolveu dar um tempo na carreira ao casar com Dave Barbour, guitarrista na banda de Goodman. Ela ficou um ano sem fazer apresentações ou qualquer gravação.

Ao retornar, as primeiras gravações profissionais começaram no início dos anos 1940, com os sucessos de "Somebody Else Is Taking My Place", de 1942, e "Why Don't You Do Right?", lançada no ano seguinte, que vendeu mais de um milhão de cópias e a transformou em uma estrela. Isso a fez conseguir um contrato na recém-fundada Capitol. Entre 1945 e 1951, ela virou a cara da gravadora ao lançar vários hits de sucesso. 

Mais discos dos anos 1950:
Discos para história: Os Sambas que Gostamos de Cantar, do Trio Irakitan (1957)
Discos para história: Bird and Diz, de Charlie Parker e Dizzy Gillespie (1952)
Discos para história: Genius of Modern Music - Volume 1, de Thelonious Monk (1951)
Discos para história: Chá Dançante, de Donato e Seu Conjunto (1956)
Discos para história: Masterpieces by Ellington, de Duke Ellington (1951)
Discos para história: Convite para Ouvir Maysa, de Maysa (1956)

Mas a relação azedou em 1952, quando ela pediu para gravar uma versão com letra de "Lover", hit instrumental de Les Paul. Foi quando a Decca entrou na jogada com uma proposta irrecusável do produtor Milt Gabler: ela poderia gravar o que bem entendesse. Ela estreou com "Lover" e - adivinhem só - foi um sucesso. A parceria rendeu frutos para ambos, e Lee entrou em estúdio no ano seguinte para gravar o primeiro álbum da carreira.

De acordo com Dr. Tish Oney, o futuro álbum, chamado "Black Coffee", foi um dos primeiros trabalhos conceituais. Não havia nada do tipo naquela época, quando os álbuns eram apenas coleções das melhores gravações dos artistas.

"Até aquele ponto, os álbuns não tinham necessariamente nenhum fio ligando as músicas, mas 'Black Coffee' foi um dos primeiros a ter um tema. As canções têm a ver com o amor, mas não da forma como se tratou anteriormente. O álbum é uma exploração mais sombria de relacionamentos amorosos imperfeitos, e acho que muitas pessoas podem se identificar com isso", explicou o autor do livro "Peggy Lee: A Century Of Song" em entrevista ao site 'uDiscover Music'. 

Veja também:
Discos para história: Live At The Apollo, de James Brown and the Famous Flames (1963)
Discos para história: Random Access Memories, do Daft Punk (2013)
Discos para história: Room on Fire, dos Strokes (2003)
Discos para história: Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?, do Cranberries (1993)
Discos para história: Power, Corruption & Lies, do New Order (1983)
Discos para história: Greetings from Asbury Park, N.J., de Bruce Springsteen (1973)

Gravado nos dias 30 de abril, 1º e 4 de maio, "Black Coffee" foi lançado em um vinil de 10" e ganhou cinco estrelas do crítico da revista 'DownBeat', especializada em jazz, na época do lançamento. Mas, infelizmente, acabou não vendendo muito na época. Três anos depois, Lee regravou o trabalho com mais quatro músicas para relançá-lo em vinil.

Com o passar dos anos, "Black Coffee" foi ganhando mais e mais fãs, e está presente em várias listas de jazz entre os melhores álbuns de todos os tempos do gênero - servindo de inspiração para gente como Joni Mitchell. Sessenta anos após o lançamento, o disco é considerado um divisor de águas na carreira de Peggy Lee. Ela até teve mais álbuns de sucesso, principalmente quando retornou para Capital, mas foi com a estreia na Decca que ela ganhou o status merecido de uma das melhores cantoras americanas da história.

Resenha de "Black Coffee"

A faixa-título já havia sido gravada por Sarah Vaughan, mas foi com Peggy Lee que ganhou a interpretação definitiva. Os especialistas em jazz são unânimes em dizer que a maneira como ela cantou na gravação transformou a letra completamente, com o acréscimo brilhante do trompete de Pete Candoli, enquanto a versão de "I've Got You Under My Skin", de Cole Porter, apresenta o lado mais solar do trabalho - Jimmy Rowles: está brilhante no piano.

A balada "Easy Living" funciona para mostrar a força do conjunto em uma canção melancólica sobre o amor ("Living for you is easy living/ It's easy to live when you're in love/ And I'm so in love/ There is nothing in life but you"). Para fechar a primeira parte, "My Heart Belongs to Daddy", outra de Porter, chega com força para mostrar o alcance de Lee em um arranjo sensacional.

A segunda parte começa com uma dessas porradas emocionais e, ao ouvir "A Woman Alone With the Blues", certifique-se de não estar completamente afundado na fossa emocional da tristeza de um coração partido pelos mais diversos motivos ("No man in this world can find, happiness or peace of mind/ And break any heart he may choose/ And leave his woman alone with the blues").

Outro momento marcante do trabalho está na interpretação de "I Didn't Know What Time It Was", que começa uma balada melancólica até passar para um swing. E o início de "(Ah, the Apple Trees) When the World Was Young" com "La Marsellaise" no início só dá ainda mais elegância para a canção sobre uma jovem que deseja ter de volta a inocência de juventude. O LP termina com um recado claro em "Love Me or Leave Me": ficarei bem com ou sem você.

Aos 33 anos, Peggy Lee já conhecia as desventuras do amor e fez de "Black Coffee" a própria carta definitiva sobre o assunto. Em pouco mais de 20 minutos, ela transforma canções em verdadeiros hinos. Acompanhada por Pete Candoli, Jimmy Rowles, Max Wayne e Ed Shaughnessy, Lee fez história em um dos álbuns de jazz mais importantes de todos os tempos.

Tracklist:

Lado A

1 - "Black Coffee" (Sonny Burke, Paul Francis Webster) (3:05)
2 - "I've Got You Under My Skin" (Cole Porter) (2:28)
3 - "Easy Living" (Ralph Rainger, Leo Robin) (2:44)
4 - "My Heart Belongs to Daddy" (Porter) (2:09)

Lado B

1 - "A Woman Alone With the Blues" (Willard Robison) (3:12)
2 - "I Didn't Know What Time It Was" (Richard Rodgers, Lorenz Hart) (2:18)
3 - "(Ah, the Apple Trees) When the World Was Young" (M. Philippe-Gerard, Angele Vannier, Johnny Mercer) (3:16)
4 - "Love Me or Leave Me" (Gus Kahn, Walter Donaldson) (2:08)

Gravadora: Decca American
Produção: Milt Gabler
Duração: 21min23s

Peggy Lee: vocal
Pete Candoli: trompete
Jimmy Rowles: piano
Max Wayne: baixo duplo
Ed Shaughnessy: bateria

Comentários