Discos para história: O Ritmo do Momento, de Lulu Santos (1983)

História do disco

Lulu Santos sabia o que estava fazendo quando, em 1982, lançou o álbum "Tempos Modernos". Foi o primeiro passo de uma carreira de reconhecimento e sucesso nos anos seguintes, mas, naquela época, ele ainda precisava provar o próprio valor para não viver para sempre escolhendo músicas para as novelas da Globo e de escrever resenhas de discos.

Ao lado de "As Aventuras de Blitz", o disco de estreia do guitarrista é um marco no pop brasileiro. Perto do final da terrível ditadura militar, a abertura estava fazendo efeito na criatividade de artistas que viveram os primeiros anos da vida sob o regime. Na época, vender 12 mil cópias era um número considerado ruim, mas todo mundo entendeu que havia um talento a ser lapidado. E para isso ele precisava de experiência.

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Como muitos artistas daquela geração, Lulu Santos foi uma das muitas atrações dos shows noturnos organizados por Chacrinha por todo Brasil. Foi assim que ele pôde entender melhor a juventude da época, os anseios e ver com os próprios olhos aquelas pessoas que estavam vivendo em um Brasil que, para elas, ainda não tinha identidade própria. Alguém precisava traduzir em música aquelas pessoas, aqueles anseios, as vontades, desejos e como era ser jovem no início dos anos 1980.

Também como era de praxe na época, os contratos draconianos exigiam um álbum por ano dos artistas, muitas vezes, independentemente do resultado conquistado no lançamento do primeiro. Se fosse um sucesso, ótimo; se tivesse potencial, tudo bem; se fosse muito ruim, era muito obrigado e tchau. Para Lulu, o risco era enorme. E se o trabalho não fosse bem mais uma vez?

Diferentemente do primeiro álbum, as gravações do segundo tiveram mais planejamento, com a locação de um estúdio. Lulu reuniu-se mais uma vez com o produtor Liminha para começar os trabalhos. Organizado e bem metódico, o músico já chegava no estúdio não com ideias, mas com as letras praticamente prontas, faltando pequenos ajustes. Nesse momento, entra a produção e a criatividade em transformar o material no produto final. 

Mais discos dos anos 1980:
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Com um timaço de músicos entrando e saindo do estúdio diariamente, desde os bateristas Serginho, do Roupa Nova, Mamão, do Azymuth até Leo Gandelman, Jorjão Barreto e Gerson Santos, Liminha e Lulu tiveram tempo e espaço para criar em estúdio e puderam contar com diversos reforços para deixar cada música exatamente como eles queriam. Em uma época em que a liberdade dos artistas estava cada vez menor, o trabalho deles funciona muito bem.

"Os álbuns que fiz com o Liminha tem uma sonoridade muito bem resolvida. Ele é, tecnicamente, muito eficiente. A partir ponto de vista musical, é a pessoa que conheço que mais sabe o lugar do bumbo na batida da bateria numa música (...). Ele sabe muitas coisas, do ponto de vista técnico", disse Lulu, em um especial no canal dele no YouTube sobre o LP.

"O álbum resiste ao tempo, ele não soa mais datado do que o tempo que ele tem, mas audição ainda é recompensadora, sabia? Eu não tenho estranhamento (...). Eu gosto de ter feito 'O Ritmo do Momento'", completou. 

Veja também:
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Lançado em 1983, "O Ritmo do Momento" quase chegou nas 100 mil cópias vendidas no primeiro ano, dando o carimbo do sucesso a Lulu Santos. Impulsionado pela censura ter cortado das rádios a execução de "Adivinha O Quê", só duas semanas após o lançamento. A justificativa era que - palavras minhas - "os jovens tinham pensamentos pensativos". Bom o jeito era pensar em outro single.

O músico apostou em "Como Uma Onda (Zen Surfismo)" para impulsionar o trabalho. Deu certo, sendo um dos maiores sucessos da hoje longa carreira do compositor. Depois veio "Um Certo Alguém" e cantor virou um astro de carreira duradoura e cheio de reconhecimento por parte do público e da crítica. Lulu Santos persistiu e insistiu até conseguir viver de música e fazer sucesso. E o Brasil é um lugar melhor com as músicas dele reverberando por aí.

 
Resenha de "O Ritmo do Momento"

A sensual "Adivinha O Quê" abre o segundo disco de Lulu Santos e foi a primeira canção a ser gravada para o álbum. Inspirada em "Você Não Soube Me Amar", da Blitz, em que o guitarrista tenta, assim como o grupo liderado por Evandro Mesquita, se conectar com a juventude da época. O solo de guitarra, as congas e o ritmo suave fazem da canção um chamariz para um romance, se é que vocês me entendem.

"Um Certo Alguém", parceria com Ronaldo Bastos, surge com a introdução na guitarra em um pop rock de andamento bem simples, com o instrumento aparecendo de novo para fazer a ponte, com uma declaração de amor em forma de letra de música. Isso já havia sido feito antes? Sim, mas Lulu é diferente. Ele tem algo mais, no jeito de escrever e de transmitir a mensagem com a cara dele ("E quando um certo alguém/ Desperta um sentimento/ É melhor não resistir/ E se entregar").

Terceira canção do lado A, "Você Teima" é uma parceria com o poeta Chacal na tentativa de fazer uma espécie de funk cantado por brancos. A animada faixa mantém o embalo do trabalho e, para época, funciona bem para fazer a ponte para o hit "Como Uma Onda (Zen Surfismo)", composta por Lulu e o jornalista Nelson Motta. Mistura de poema com filosofia de vida, esse surpreendente bolero conta com um arranjo bem suave e tranquilo, e o vocal só sobe uma vez em um momento muito específico. Um clássico da música brasileira que não envelheceu nada. E a primeira parte encerra com a bonita balada "Esse Brilho Em Teu Olhar".

A segunda parte deixa o pop de lado e parte para brincadeiras no estúdio, tentativas de expandir o repertório em letras e arranjos diferentes. "Chicana" traz um riff de guitarra de rock semelhante ao feito no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 para falar sobre uma relação da época ("Ela nega um caso/ Com um tipo famoso/ Que a revista 'Amiga'/ Insiste em publicar"). E o lado pesado do LP continua em "Seu Mal/ Moon da Lua/ Metal Leve", quando o tempo em estúdio foi usado para produzir essa "brincadeira" com mais de seis minutos de duração, quase uma homenagem ao rock progressivo.

Outra parceria com Nelson Motta, "Tudo" é outro bolero, uma canção-irmã de "Como Uma Onda", enquanto "Tudo Mais" é o reverb ligado, uma noite livre e uma ideia na cabeça. E o álbum termina com a quase instrumental e divertida faixa-título, um rockabilly bom para dançar por aí.

"O Ritmo do Momento" mudou definitivamente a carreira de Lulu Santos. Merecedor de uma segunda chance por parte da WEA, ele agarrou e conseguiu entregar um dos melhores trabalhos da carreira. Com um lado A cheio de hits, ele conseguiu fazer exatamente o que queria, sendo um astro pop em construção, seja alguém no estúdio colocando para fora alguns desejos pessoais. E foi assim, em um ano e dois discos lançados, que Lulu Santos entrou nos lares e corações brasileiros para nunca mais sair.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Adivinha O Quê" (Lulu Santos) (5:01)
2 - "Um Certo Alguém" (Lulu Santos/Ronaldo Bastos) (3:34)
3 - "Você Teima" (Lulu Santos/Chacal) (3:00)
4 - "Como Uma Onda (Zen Surfismo)" (Lulu Santos/Nelson Motta) (3:37)
5 - "Esse Brilho Em Teu Olhar" (Lulu Santos) (4:06)

Lado B

1 - "Chicana" (Lulu Santos) (4:05)
2 - "Seu Mal/ Moon da Lua/ Metal Leve" (Lulu Santos) (6:10)
3 - "Tudo" (Lulu Santos/Nelson Motta) (3:12)
4 - "Tudo Mais" (Lulu Santos) (2:20)
5 - "O Ritmo do Momento" (Lulu Santos) (2:45)

Gravadora: WEA
Produção: Liminha
Duração: 37min50s

Lulu Santos: vocal, violão, guitarra, guitarra slide, pandeiro, sintetizadores, caixa, claves, bateria eletrônica e mixagem
Liminha: baixo, bateria eletrônica, guitarra, claves, prato e mixagem
Marcelo Sussekind: baixo
Serginho Herval e Ivan "Mamão" Conti: bateria
Jorjão Barreto: piano, teclado e sintetizadores
Leo Gandelman e Ricardo Pontes: saxofone alto
Beto Saroldi: saxofone tenor
Gerson Santos: chique-chic e sinos
Ubirajara: bandoneon
Nelson Motta, Os Paralamas do Sucesso, Lobão, Kid Abelha, Arnaldo Brandão e Scarlet Moon: coro em "Advinha O Quê"

Cláudio Farias: engenheiro de som
Vitor Farias: engenheiro de som e mixagem
Dudu Marques, Eduardo Pastorelli, Mario Alecsandro Monteiro, Ricardo Garcia e Walter Guimarães: assistência técnica