Discos para história: 1999, de Prince (1982)


História do disco

"Acho que ele estava tentando se tornar o mais popular possível, sem violar sua própria filosofia e sem ter que comprometer nenhuma de suas ideias", disse o tecladista Dr. Fink, para a revista 'Rolling Stone', sobre o fato de Prince almejar o sucesso sem deixar de lado o que acreditava nos âmbitos pessoal e profissional.

O fato é que o álbum "1999", lançado em 27 de outubro de 1982, foi o divisor de águas na vida do cantor, compositor e multi-instrumentista. O sucesso de "Controversy", lançado em 1981, o fez ser mais conhecido, mas, na cabeça dele, ainda faltava chegar mais longe nas pessoas e nas paradas. E aí ele começou a trabalhar mais do que nunca, em seu estúdio caseiro, em Minnesota, ao longo de várias noites e madrugadas solitárias, pensando na chuva de garrafas levada por fãs dos Rolling Stones quando abriu para a banda meses antes. Ele estava determinado, mais do que nunca, a virar o jogo.

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Prince foi um artista que usou sempre a força e a inspiração das misturas de R&B, funk, dance music, rock e pop em uma salada musical que, se hoje é bem comum, causou bastante espanto na época. Seguindo essa linha, o trabalho de composição do futuro novo álbum deveria ter sido feito em colaboração com o baterista Bobby Z. Deveria porque, muitas vezes, o músico não aparecia — também culpa de Prince, que ligava para ele às 3h da manhã quando tinha uma ideia. Para acabar com esse incômodo de um lado e irritação pela falta de comprometimento do outro, o problema foi resolvido com a aquisição de uma bateria eletrônica.

Os elementos eletrônicos surgiram na música nos anos 1940, mas se popularizaram muito em meados dos anos 1970 e entraram com tudo na década seguinte. Caso alguém fosse fazer a trilha sonora dos anos 1980, certamente usaria um sintetizador e uma bateria eletrônica para começar. E foram esses instrumentos, principalmente o primeiro, as forças de Prince para o novo LP. Inspirado não só pelos grupos de sucesso da época, ele também gostou muito dos trabalhos do compositor Vangelis nas trilhas sonoras de "Carruagens de Fogo", de 1981, e "Blade Runner", de 1982. Essa sonoridade foi incorporada no processo de composição, gerando novas músicas, mais fortes e de sonoridade única.

A temática futurista também foi importante no desenvolvimento do trabalho, inspirado pelo documentário "Nostradamus — O Homem Que Viu o Amanhã", de 1981, narrado por Orson Wells, que fala sobre as profecias de Nostradamus. Uma dessas profecias era que o mundo acabaria em 1999 — quem viveu sabe o drama do bug do milênio. Menos de 24 horas após assistir ao longa, Prince já havia gravado a demo da faixa "1999".

A quantidade de possibilidades mais o fato de o trabalho durar muitas horas resultou em muitas músicas. Foram mais de 100 composições feitas, um número muito alto se lembrarmos que ele havia lançado um disco recentemente. Ele admitiu, em entrevista aos 'Los Angeles Times', que ficou em uma encruzilhada durante o processo de escolha das canções que entrariam no primeiro LP duplo da carreira.

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"Eu não queria fazer um álbum duplo, mas continuei escrevendo e não sou de editar. Gosto de um fluxo natural. Eu sempre comparo a composição com uma garota entrando pela porta. Você não sabe como vai ser, mas de repente ela está lá", explicou, bem ao modo dele. A grande vitória dele em todo esse processo foi convencer a Warner a lançar um disco duplo, uma aposta alta em um artista iniciante e ainda fora da rota dos grandes shows.

Outra parte importante disso foi o estúdio construído em Minnesota. Basicamente trabalhando no quintal de casa, ele era um dos poucos músicos jovens que tinha um estúdio próprio e não dependia mais da gravadora para agendar sessões em Los Angeles, Nova York, Londres ou algum paraíso fiscal. Ele era livre para trabalhar pelas horas necessárias até chegar no resultado desejado dessa mistura de instrumentos, algo celebrado até hoje como o encontro de vários gêneros em uma única pessoa.

"Sua capacidade de pular de gênero em gênero com resultados bastante convincentes não me surpreendeu, sabendo quem ele era", disse Michael Howe, arquivista oficial dos herdeiros de Prince para a 'Rolling Stone', na época do relançamento do disco remasterizado.

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"Não consigo pensar em nenhum outro artista que possa ir da tempestade sonora do R&B ao funk dançante e sensual, ao rock de arena a todo vapor, para a New Wave à Gary Numan até ao estilo da Mahavishnu Orchestra, sem perder público e com total autoridade. O cara era realmente um mestre", completou.

Lançado pouco mais de um ano depois de "Controversy", "1999" transformou Prince em um astro na música ao chegar pela primeira vez no top-10 da Billboard 200 mesmo sendo um disco duplo. Era a chancela dos fãs, que enxergavam nele alguém fora da curva quando o assunto era música. Foi o florescimento do músico em um astro, um nome inesquecível na música nos últimos 50 anos. Ele estava pronto para trocar as roupas pretas pelo roxo.


Resenha de "1999"

A faixa-título abre o trabalho e é um belo resumo do movimento musical feito por Prince no LP duplo. Misturando a imponência de um início instrumental misterioso, a canção é arrebatadora do começo ao fim e convida o ouvinte a se divertir como se fosse 1999, ano em que, segundo Nostradamus, o mundo iria acabar. Primeiro single do trabalho, foi um dos grandes sucessos da carreira do cantor.

Logo depois surge o segundo single do LP, e "Little Red Corvette" foi outro hit quase instantâneo ao conseguir contar a história de uma noite épica com uma mulher. E reza a lenda que ele escreveu toda letra de outra canção espetacular da carreira durante um dorme-acorda em uma viagem de carro em um estado completamente sonolento.

A canção que nasceu para ser um rockabilly, "Delirious" ganhou com o sintetizador para ficar ainda mais dançante e cheio de energia para fechar o lado A do primeiro disco. Para abrir o lado B surge a sexy "Let's Pretend We're Married", canção que ajudou muito a construir a imagem de Prince ser um símbolo sexual dos anos 1980 e, talvez por isso, ele a tocou ao vivo pela última vez em 1985. E o final do disco 1 traz a animada "D.M.S.R.", que segue a linha de celebrar como se fosse o fim do mundo.

Uma das apostas de Prince é a duração das canções, em um movimento muito interessante para também ficar de olho no que os jovens da época chamavam de danceteria. Na abertura do segundo disco, vem "Automatic" e seus mais de nove minutos de duração para falar sobre a paixão por uma pessoa a ponto de mergulhar cada vez mais fundo nos próprios sentimentos — o baixo nessa música é espetacular.

Em "Something in the Water (Does Not Compute)", é possível ouvir uma espécie de primeiro passo rumo a "Purple Rain", disco de 1984 e o trabalho mais famoso de Prince até hoje. Aqui, diferentemente da anterior, ele quer saber o motivo de ser rejeitado pelas mulheres. O estilo computadorizado da faixa é um reflexo da época, mas a canção não ficou datada. Para encerrar a primeira parte do segundo disco, "Free" surge com um agradecido Prince apenas desejando coisas boas em uma balada épica.

Abrindo a parte final, "Lady Cab Driver" é uma crônica recheada de sintetizadores e detalhes sobre o interlocutor ter relações sexuais com uma motorista de táxi, enquanto "All the Critics Love U in New York" é uma crítica aos críticos pretensiosos morando em Nova York ou em grandes cidades, o que faz todo sentido até hoje. O disco encerra com a ótima balada "International Lover" em que Prince consegue amarrar todo restante da história.

"1999" foi o divisor de águas na carreira de Prince. Sim, existe um músico antes e depois do disco, o quinto da carreira. Aqui, como um homem com mil braços, ele gravou praticamente tudo e mostrou ao mundo que existia, em plena década de 1980, um homem capaz de fazer um clássico cheio de energia, força, boas músicas e uma dose de sensualidade.

Ficha técnica

Tracklist:

Disco 1

Lado A

1 - "1999" (6:15)
2 - "Little Red Corvette" (5:03)
3 - "Delirious" (4:00)

Lado B

4 - "Let's Pretend We're Married" (7:21)
5 - "D.M.S.R." (8:17)

Disco 2

Lado C

6 - "Automatic" (9:28)
7 - "Something in the Water (Does Not Compute)" (4:02)
8 - "Free" (5:08)

Lado D

9 - "Lady Cab Driver" (8:19)
10 - "All the Critics Love U in New York" (5:59)
11 - "International Lover" (6:37)

Todas as músicas foram escritas por Prince

Gravadora: Warner Bros.
Produção: Prince
Duração: 70min29

Prince: vocal, vocal de apoio e instrumentos diversos
Dez Dickerson: vocal na faixa 1; guitarra e vocal de apoio na faixa 2
Lisa Coleman: vocal na faixa 1; vocal de apoio nas faixas 2, 3, 5, 6 e 8
Jill Jones: vocal na faixa; vocal de apoio nas faixas 6, 8 e 9
Vanity: vocal de apoio na faixa 8
Wendy Melvoin: vocal de apoio na faixa 8

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