Discos para história: Beauty and the Beat, das Go-Go's (1981)


História do disco

Na última quarta-feira (12), o Hall da Fama do Rock divulgou os indicados deste ano. Os destaques foram para as entradas de Tina Turner, Jay-Z e Foo Fighters, mas a banda Go-Go's, formada apenas por mulheres no final dos anos 1970, também conseguiu presença na lista final. E isso deixou as integrantes felizes e surpresas, já que as bandas femininas têm uma notória dificuldade em conseguir entrar. Elas eram elegíveis desde 2006 e conseguiram na primeira oportunidade, um momento histórico.

"Eu estava com medo de ter esperança. Mas quando descobri que conseguímos, só chorei até fazer xixi nas calças. Foi tão emocionante", disse a guitarrista Jane Wiedlin ao programa 'Volume', da SiriusXM.

"Foi uma viagem longa e estranha. Quer dizer, nós nos acostumamos a ser rejeitadas por vários motivos. Claro, primeiro porque éramos mulheres. E então eu não sei [o motivo], porque nós somos tão incríveis. Mas nunca realmente pensamos que seríamos nomeadas, e então quando você entra, não ganha de verdade", completou ela, explicando de forma didática o que é Síndrome do Impostor.

Essa história começa no final dos anos 1970, na cena punk de Los Angeles, quando a vocalista Belinda Carlisle começou a carreira como baterista da banda Germs usando o pseudônimo de Dottie Danger, a guitarrista Charlotte Caffey tocava baixo no The Eyes e a futura guitarrista Jane Wiedlin era uma das pessoas mais famosas da cena que não tocava em banda e ainda uma designer de roupas underground muito requisitada por grupos e fãs.

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Uma cena musical é formada, basicamente, por pessoas que vão levando pessoas e criam um grupo gigantesco em que todos se conhecem. Assim, as três se conheceram, ficaram amigas e acabam convidando Elissa Bello e Margot Olavarria, também frequentadoras dos shows, para formar uma banda de rock apenas com mulheres. Elas conquistaram fãs rapidamente com apresentações furiosas no Whisky A Go Go e no The Masque, e esse sucesso gerou o convite para abrir a turnê do Madness no Reino Unido. Lá, acabaram gravando os primeiros singles da carreira, "We Got The Beat" / "How Much More", pela gravadora independente Stiff.

A virada dos anos 1970 para a década seguinte trouxe mudanças que acabaram por fazer a diferença na banda e no sucesso vindouro. As primeiras delas foram as entradas da baterista Gina Schock e a baixista Kathy Valentin nas vagas de Bello e Olavarria, fechando a formação clássica do primeiro álbum. Depois, elas acabaram se afastando do punk e passaram a investir mais na new wave, no pop e no surf rock. Mas nem tudo eram flores. Havia muito preconceito por parte das gravadoras em contratá-las e de parte do público que se sentia traído pelo abandono da sonoridade do início da carreira.

"As pessoas nas gravadoras ficavam, tipo, 'não queremos contratar vocês, vocês são meninas'. Eram sexistas, um absurdo ridículo", disse a tecladista Charlotte Caffey à 'Billboard'.

"Algumas de nós estávamos preocupadas com a forma como nossos colegas em Los Angeles nos viam. Com o pequeno sucesso que tivemos, as pessoas disseram que não éramos punks por vender muitos ingressos [para os shows], blá, blá, blá", falou Carlisle, na mesma entrevista.

No fim, em 1º de abril de 1981, elas acabaram fechando com a I.R.S., gravadora fundada por Miles Copeland, irmão de Stewart Copeland, baterista do Police. O selo acabaria virando casa também de Buzzcocks, Oingo Boingo The Bangles, R.E.M., Dead Kennedys e The Stranglers nos anos seguintes e seria fundamental na promoção de artistas independentes, levando alguns deles ao sucesso.

"Em particular, ficamos desapontadas por não recebermos um adiantamento de um milhão de dólares de uma grande gravadora, que era nosso sonho e provavelmente teria acontecido se nossa banda não fosse todas de mulheres", contou Carlisle na autobiografia chamada "Lips Unsealed: A Memoir", lançada em 2010.

Com o contrato assinado, elas partiram para Nova York para gravar o álbum de estreia com os produtores Rob Freeman, que havia trabalhado com Blondie e Ramones, e Richard Gottehrer, conhecido pelas parcerias com Richard Hell e The Fleshtones. Porém, em três semanas, quase nada havia sido feito. As Go-Go's passavam boa parte o dia dormindo e/ou se curando da ressaca do dia anterior no estúdio. O que realmente compensava e não tirava a paciência dos produtores era o talento delas e a incrível quantidade de boas canções levadas ao estúdio diariamente. Eram muitas e escolher as 11 faixas de "Beauty and the Beat" não foi muito fácil.

À medida que as canções eram gravadas, a banda ficou bastante apreensiva com os trabalhos no estúdio. O temor era que Freeman, um produtor de canções pop, arruinasse o álbum e jogasse o esforço de anos no lixo, na visão delas. Elas pediram para acelerar as faixas para tentar soar o mais punk possível, principalmente pela boa recepção da primeira gravação de "We Got The Beat" no Reino Unido durante o verão europeu. Quando elas receberam o álbum mixado no intervalo de um ensaio para um show, correram para um carro, colocaram a fita e... Os maiores temores delas se confirmaram.

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Definitivamente não era um disco punk. Para quem surgiu na cena punk de Los Angeles em que sobreviver era fundamental, aquele disco era ofensivo. Nervosas, elas pediram para Miles Copeland uma remixagem do disco e receberam um sonoro "não" como resposta. Bom, era isso, elas estavam arruinadas, certo? Na cabeça delas, sim. Mas não para o público. Eles adoraram.

Lançado em 8 de julho de 1981, "Beauty and the Beat" foi um sucesso estrondoso até atingir o primeiro lugar da parada americana oito meses depois do lançamento e lá ficou por seis semanas até perder a posição a trilha sonora do filme "Carruagens de Fogo" (1981). As críticas positivas e a boa recepção do público acabaram mostrando para a banda que os produtores acertaram ao apostar em uma sonoridade mais pop e mais receptível.

Na celebração de 30 anos do disco, a guitarrista Charlotte Caffey reconheceu que futuro delas teria sido outro. "Se tivéssemos feito da maneira que queríamos originalmente, não acredito que teríamos a carreira que tivemos até agora".

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Resenha de "Beauty and the Beat"

A primeira canção do álbum, "Our Lips Are Sealed", foi composta após um caso entre Jane Wiedlin e Terry Hall, do Fun Boy Three, durante a passagem da banda em Londres. Isso gerou uma troca de cartas entre ambos e acabou ajudando no nascimento da canção É impossível não ficar contagiado com esse início de trabalho, ainda mais com um tema tão identificável para a maioria das pessoas. Depois vem a contagiante "How Much More", um pop oitentista feito para dançar.

O disco também é uma aula de como fazer canções pop de alta qualidade. A sequência do lado A que conta com "Tonite", "Lust to Love" e "This Town", com suas melodias e refrões grudentos, é absurdamente boa por conseguir unir o melhor da banda com as letras e o trabalho da produção, uma combinação certeira que deu muito certo.

Para abrir o lado B, vem o outro grande sucesso do álbum. A primeira versão de "We Got the Beat" fez muito sucesso no Reino Unido, mas acabou sendo regravada para o álbum. Lançada como single nos Estados Unidos apenas em março de 1982, ajudou a catapultar de vez o trabalho para a primeira posição da parada, além de ser uma homenagem a todas as bandas e músicos dos anos 1960 ao ser "inspirada" por "Going To A Go-Go", dos Miracles.

Uma das melhores canções do repertório das Go-Go's é "Fading Fast" do ótimo refrão "And now you're calling me/ You want me back again/ But I've just got to turn my head/ And start to pretend/ I've never seen you/ You're someone I don't know/ Are you just another boy/ That I met long ago?".

Ainda há espaço para canções que conseguem segurar o ouvinte até o final, como a melancólica "Automatic", a dançante "You Can't Walk in Your Sleep (If You Can't Sleep)" e as agitadas "Skidmarks on My Heart" e "Can't Stop the World".

O futuro reservaria coisas ruins para as Go-Go's. Uso excessivo de drogas e brigas pelo controle do repertório minariam a carreira delas, que serviam como saco de pancada para muitos integrantes da cena punk dos anos 1980. Mas isso pouco importa. "Beauty and the Beat" é um dos álbuns mais importantes daquela época e passa com tranquilidade no teste do tempo, um prêmio e tanto para um álbum que fala muito sobre elas e a vida que levavam.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Our Lips Are Sealed" (Jane Wiedlin / Terry Hall) (2:45)
2 - "How Much More" (Charlotte Caffey / Wiedlin) (3:06)
3 - "Tonite" (Caffey / Wiedlin / Peter Case) (3:35)
4 - "Lust to Love" (Caffey / Wiedlin) (4:04)
5 - "This Town" (Caffey / Wiedlin) (3:20)

Lado B

6 - "We Got the Beat" (Caffey) (2:36)
7 - "Fading Fast" (Caffey) (3:41)
8 - "Automatic" (Wiedlin) (3:07)
9 - "You Can't Walk in Your Sleep (If You Can't Sleep)" (Caffey / Wiedlin) (2:54)
10 - "Skidmarks on My Heart" (Caffey / Belinda Carlisle) (3:06)
11 - "Can't Stop the World" (Kathy Valentine) (3:20)

Gravadora: I.R.S.
Produção: Richard Gottehrer e Rob Freeman
Duração: 35min34s

Belinda Carlisle: vocal
Charlotte Caffey: guitarra, teclado e vocal de apoio
Gina Schock: bateria e percussão
Kathy Valentine: baixo, guitarra e vocal de apoio
Jane Wiedlin: guitarra base, vocal de apoio e vocal principal em "Our Lips are Sealed"

Rob Freeman: engenheiro e mixagem
James A. Ball: engenheiro assistente e assistente de mixagem
Ted Blechta, Darroll Gustamachio, Gray Russell, John Terelle: engenheiros assistentes
Stuart Furusho, David Leonard: assistentes de mixagem
Doug Schwartz: remixagem
Greg Calbi: masterização

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