Discos para história: Automatic for the People, do R.E.M. (1992)


História do disco

O R.E.M. virou um verdadeiro fenômeno quando "Out of Time" foi lançado em 1991 e mudou a vida de todo mundo. De banda do circuito universitário a prioridade na Warner, era uma mudança e tanto para o grupo formado em Athens, na Georgia. E eles não perderam tempo e, mantendo o ritmo de trabalho, logo começaram a trabalhar no sucessor, "Automatic for the People".

O ponto principal de lançar um novo disco estava na pergunta: como manter o ritmo de crescimento e até mesmo superar os últimos anos de trabalho? Os primeiros cinco foram de ficar uma banda relativamente conhecida, enquanto os outros cinco os colocaram entre os melhores. A primeira decisão a ser tomada foi não fazer uma turnê de divulgação do disco anterior, dando a Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry todo verão de 1992 para trabalhar em demos sem se preocupar com a agenda de shows, algo justificado pelo vocalista Michael Stipe ao jornal inglês 'The Guardian' em 2017.

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"Ficamos dez anos em turnê. Eu estava cansado e magro como um trilho. Em 1989, demos três voltas ao mundo. Meu corte de cabelo durante aquela turnê deve indicar meu estado de espírito: foram os quatro piores cortes de cabelo da década de 1980 combinados em um", contou.

O processo de trabalho seria igual ao feito meses antes, quando eles descobriram que, após trabalharem isolados com instrumentos não convencionais nas composições das músicas, a coisa funcionava melhor quando Stipe chegava depois, ouvia as demos e começava a trabalhar nos esboços das letras. Essa foi a primeira parte do trabalho.

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A segunda foi gravada no Kingsway Studios de Daniel Lanois, em Nova Orleans, quando haviam acionado o co-produtor e amigo de longa data Scott Litt para trabalhar no Bearsville Studios em Woodstock, Nova York, na gravação do álbum. Os dias renderam 30 demos com uma temática em comum na maioria delas: era o fato de eles terem ultrapassado três décadas de vida e estarem em momentos mais reflexivos sobre a vida e a carreira.

No momento em que chegou para ajudar, Stipe demorou a entender um pouco as novas demos, mais acústicas e baseadas no órgão, não tendo a bateria como base inicial. Era algo mais sombrio do que o planejado de início. Eles queriam algo mais cheio de guitarras e feliz, diferente do disco lançado alguns meses antes, mas não conseguiram mais do que seis músicas. Não adiantava forçar a barra.

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Litt contou com toda banda ao longo de dois meses de trabalho em diversos estúdios espalhados pelos Estados Unidos. Uma surpresa do disco foi a participação de John Paul Jones, ex-baixista do Led Zeppelin, para trabalhar nos arranjos de cordas de algumas faixas — só confirmou ele ser um músico de altíssimo nível.

Enquanto o trabalho em estúdio era feito, eles decidiram o nome do LP da maneira mais simples possível: do lema do empório Delicious Fine Foods, comandado pelo amigo de longa data Weaver D, situado na cidade natal do R.E.M. E o objeto em forma de estrela presente na capa do disco tinha relação com restaurante, mas fazia parte do letreiro do Sinbad Motel, no Biscayne Boulevard, em Miami, perto do Criteria Studios, onde boa parte da gravação do disco aconteceu — um furacão na região destruiu a estrela e, hoje, não está mais lá.

Lançado em 5 de outubro de 1992, "Automatic for the People" foi um sucesso inesperado por parte dos integrantes. Eles sabiam ser um ótimo disco com ótimas músicas, mas não esperavam a reação avassaladora da imprensa nos Estados Unidos e no Reino Unido e dos fãs ao redor do mundo, todos impressionados com a qualidade do repertório.

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"Meu sentimento foi, não de uma maneira negativa, sobre ser uma espécie de disco com muitos acordes menores, e estávamos na idade em que [o vocalista] Michael [Stipe] pensava muito sobre mortalidade, então eu não esperava que isso acontecesse, ser o grande sucesso que foi", disse o guitarrista Peter Buck, em entrevista à 'Billboard' para celebrar os 25 anos do lançamento do disco, em 2017.

O disco chegou no segundo lugar da parada americana e liderou no Reino Unido, algo considerado espetacular se pensarmos que as novas bandas do grunge estavam começando a decolar e outros grupos estavam lançando os melhores álbuns da carreira. Mais uma vez sem uma turnê de divulgação, o R.E.M. mostrava que não precisava estar na moda ou na estrada para fazer um dos melhores trabalhos da carreira.


Resenha de "Automatic for the People"

O ritmo de produção do R.E.M. estava em um nível bastante espantoso, para falar o mínimo. Mesmo com um disco na praça recentemente, eles estavam motivados a continuar escrevendo canções fortes como a bonita "Drive". Abrir o álbum falando de cara para os adolescentes cuidarem da própria vida em meio ao crescimento do julgamento da geração anterior é uma bela cartada inicial.

Depois vem a triste "Try Not to Breathe", letra sobre uma pessoa que prefere tirar a própria vida a continuar o sofrimento. E tudo só piora quando lembramos que Kurt Cobain estava ouvindo o álbum quando cometeu suicídio em 1993. Uma das animadas é "The Sidewinder Sleeps Tonite", uma balada dançante que fala da dificuldade em conseguir falar com uma garota que mora em um prédio com o telefone quebrado — ah, os anos 1990 foram fascinantes.

Parcialmente inspirada em "Pain in My Heart", de Otis Redding, "Everybody Hurts" é outra canção melancólica feita para o público da banda. Basicamente, Michael Stipe diz que, apesar dos dias ruins, as coisas sempre melhoram no fim do dia. É uma das canções mais famosas da história do grupo com bastante justiça. Da letra ao arranjo, é um clássico dos anos 1990.

Gravada durante a passagem da banda em Nova Orleans, "New Orleans Instrumental No. 1" surge como uma pequena pausa antes do encerramento da primeira parte do álbum com a melancólica "Sweetness Follows", uma senhora porrada emocional.

O lado B abre com "Monty Got a Raw Deal", a primeira de duas canções a fazer paralelos com a vida de alguém famoso. No caso dessa, Montgomery Clift e Monty Hall são os citados. O primeiro, um astro de Hollywood nos anos 1940 e 1950, sofreu um grave acidente de carro, perdeu trabalhos, ficou viciado em remédio e morreu pouco tempo depois. O segundo foi o apresentador de um programa em que o público escolhia portas que continham boas ou péssimas recompensas. De maneira suave e muito simples, o R.E.M. usa o programa de Hall para falar da vida de Clift em uma canção bem reflexiva como a roleta russa da vida.

E para uma banda que estava optando por não falar de política, "Ignoreland" retoma o tema ao criticar abertamente os anos de Ronald Reagan e George H. W. Bush na Casa Branca. Sem esperança, o jeito era cantar músicas como essa, depois cair no romance na balada experimental "Star Me Kitten", única do estilo no trabalho.

Quando Stipe diz que "Man on the Moon", outro hit do álbum, é sobre "fé, atemporalidade, espiritualidade, tempo e espaço, morte e escuridão", eu acredito nele, principalmente quando o comediante Andy Kaufman (1949-1984) é usado para trazer uma visão muito particular sobre o Paraíso na visão da religião e alguns marcos dos anos 1960 e 1970, como o pouso na Lua e a morte de Elvis Presley.

Canção em que Stipe escreve uma crônica sobre si mesmo é a balada "Nightswimming", em que relembra o passado e ao mesmo tempo sabe ser impossível voltar àquele tempo sem responsabilidades e de liberdade. E, para fechar, a banda passa o bastão para a próxima geração em "Find the River", quando o curso do rio é usado em uma metáfora para a inevitável chegada no oceano — aqui, simbolizada como a morte. Mas, sabendo do fim, o importante é a jornada — o curso do rio — e como tudo pode ser aproveitado em uma experiência única.

O R.E.M. não era mais a banda do circuito universitário, mas ainda não se considerava do mainstream quando lançou "Automatic for the People". Por isso, ao fazer um disco cheio de reflexões, a banda atingiu em cheio os dois lados da moeda dos fãs — quem os conheceu ainda nos anos 1980 e quem passou a gostar recentemente.

Eles enxergaram com mais clareza do que qualquer o surgimento da nova geração ao falar sobre envelhecimento, aos 30 anos!, e como isso trouxe ansiedade nas vidas pessoal e profissional. Mas, olhando em retrospectiva, o oitavo disco de estúdio passa com louvor no teste do tempo ao ser uma inspiração para quem ouve e para quem ouviu e teve a ideia de formar uma banda ou escrever uma música.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado 'Drive'

1 - "Drive" (4:31)
2 - "Try Not to Breathe" (3:50)
3 - "The Sidewinder Sleeps Tonite" (4:06)
4 - "Everybody Hurts" (5:17)
5 - "New Orleans Instrumental No. 1" (2:13)
6 - "Sweetness Follows" (4:19)

Lado 'Ride'

7 - "Monty Got a Raw Deal" (3:17)
8 - "Ignoreland" (4:24)
9 - "Star Me Kitten" (3:15)
10 - "Man on the Moon" (5:13)
11 - "Nightswimming" (4:16)
12 - "Find the River" (3:50)

Gravadora: Warner Bros.
Produção: Scott Litt e R.E.M.
Duração: 48min52

Bill Berry: bateria, percussão, teclado, baixo, vocal de apoio; escaleta em "Find the River"
Peter Buck: violão, guitarra, bandolin, baixo; bouzouki em "Monty Got a Raw Deal"
Mike Mills: baixo, piano, teclado, acordeão, vocal de apoio; baixo em "New Orleans Instrumental No. 1"
Michael Stipe: vocal principal

Convidados:

Scott Litt: gaita e clarinete
John Paul Jones: arranjos da orquestra em "Drive", "The Sidewinder Sleeps Tonight", "Everybody Hurts" e "Nightswimming"
George Hanson: maestro em "Drive", "The Sidewinder Sleeps Tonight", "Everybody Hurts" e "Nightswimming"
Denise Berginson-Smith, Lonnie Ottzen, Patti Gouvas, Sandy Salzinger, Sou-Chun Su e Jody Taylor: violino em "Drive", "The Sidewinder Sleeps Tonight", "Everybody Hurts" e "Nightswimming"
Knox Chandler, Kathleen Kee, Daniel Laufer e Elizabeth Proctor Murphy: violoncelo em "Drive", "The Sidewinder Sleeps Tonight", "Everybody Hurts", "Sweetness Follows" e "Nightswimming"
Reid Harris, Paul Murphy, Heidi Nitchie: viola em "Drive", "The Sidewinder Sleeps Tonight", "Everybody Hurts" e "Nightswimming"
Deborah Workman: oboé em "Drive", "The Sidewinder Sleeps Tonight", "Everybody Hurts" e "Nightswimming"

Produção:

Scott Litt: engenheiro de mixagem
Ed Brooks e George Cowan: engenheiro de som
Adrian Hernandez, Mark Howard, Tod Lemkuhl e Ted Malia: assistente de engenheiro de som
John Keane: engenheiro de gravação
Stephen Marcussen: masterização
Clif Norrell: engenheiro de gravação e mixagem
Andrew Roshberg: assistente de engenheiro de som

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