Discos para história: Os Grãos, dos Paralamas do Sucesso (1991)


História do disco

O rock brasileiro, chamado tão bem pelo jornalista e pesquisador Arthur Dapieve de BRock, entrava em uma fase muito curiosa no começo dos anos 1990. Após explodir entre os jovens e ser a trilha sonora inesquecível para hoje quarentões e cinquentões, o gênero entrou em decadência tão rápido quanto a subida. Quase todas as revelações de meados dos anos 1980 eram tratados como dinossauros no começo da nova década.

Nesse bolo também estava incluído os Paralamas do Sucesso. Eles vinham em uma crescente muito importante na carreira com os álbuns "Bora Bora" (1988) e "Big Bang" (1989), ambos muito bem recepcionados pelo público, cada vez mais encantado com a sofisticação e a mistura de ritmos da banda composta por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone. Sendo um dos poucos grupos que rodaram o Brasil em turnês em pleno final da década de 1980, era algo inédito e grandioso, rendendo apresentações históricas em pequenas e médias cidades. Parecia faltar pouco para a consagração definitiva. Mas aí veio o governo de Fernando Collor de Mello.

Mais discos dos anos 1990:
Discos para história: Bandwagonesque, do Teenage Fanclub (1991)
Discos para história: V, da Legião Urbana (1991)
Discos para história: Blood Sugar Sex Magik, do Red Hot Chili Peppers (1991)
Discos para história: Goo, do Sonic Youth (1990)
Discos para história: A Seu Favor, de Jorge Aragão (1990)
Discos para história: Violator, do Depeche Mode (1990)

O início dos anos 1990, marcado pela esperança do final da ditadura e da primeira eleição direta para presidente no final da década passada, não foi o passo esperado para o grupo -- aliás, para ninguém. As condições econômicas do brasileiro eram péssimas, de maneira geral, e ainda houve o confisco da poupança do Plano Collor e toda economia foi afetada. A história mais famosa é a de Renato Russo, que jurou de pés juntos recuperar centavo por centavo confiscado. Ele não foi o único a sofrer.

Todo mundo estava com raiva, com as esperanças moídas mais uma vez após quase uma década de luta política. O navio Brasil batia no iceberg da desesperança mais uma vez, deixando o povo sem boias e correndo para se salvar. Na música, o sertanejo, axé e pagode começavam uma dominância como pouco vista nas rádios e na TV. Sem dinheiro e sem conseguir fazer turnês no País, a solução dos Paralamas foi olhar a América Latina com outros olhos. Na nova década, o trio se apresentava na Argentina em lugares lotados e abria shows para lendas do rock local como Charly García e Fito Paez. Era um recomeço falado em castelhano.

Esses dois artistas argentinos, aliás, foram fundamentais na construção do novo álbum de estúdio o trio brasileiro. García era da velha guarda, mas um importante nome da música contemporânea local; Paez vinha em uma crescente na carreira solo até atingir o auge nos anos 1990 com o incrível "El amor después del amor" (1992). Havia mais do que as velhas referências da música brasileira e da falada em inglês.

Musicalmente, eles estavam prontos para colocar ainda mais elementos na própria música e se afastar um pouco do sucesso dos dois discos anteriores. Pessoalmente, o clima não estava bom. O trio, cada um à sua maneira, estava com problemas pessoais e esse clima pesado era levado para o estúdio. Então, muito do trabalho foi feito com raiva e, muitas vezes, sozinho por Herbert Vianna, num misto de egoísmo com afastamento dos outros integrantes. E algumas entrevistas, com alfinetadas entre eles, parecia colocar mais lenha em uma gigantesca fogueira. Parecia que o tempo nada fácil pedia um álbum nada fácil. E foi exatamente isso que eles fizeram.

Veja também:
Discos para história: Premeditando o Breque, do Premê (1981)
Discos para história: Imagem e Som, de Cassiano (1971)
Discos para história: Masterpieces by Ellington, de Duke Ellington (1951)
Discos para história: Showcase, de Patsy Cline (1961)
Discos para história: 21, de Adele (2011)
Discos para história: White Blood Cells, do White Stripes (2001)

Gravado entre maio e junho de 1991, "Os Grãos" foi lançado em outubro de 1991 e foi mal recebido por público e crítica. À época, pouca gente entendeu essa mudança brusca de direção. A revista Bizz, a bíblia do rock brasileiro dos anos 1980 e 1990, disse que o álbum colocava uma pedra na tumba do rock nacional feito nos anos 1980. Para muitos, esses homens de 30 anos eram frutos de um passado glorioso não muito distante, mas pronto para ser esquecido.

Por muito tempo, o sexto disco de estúdio do grupo foi considerado uma espécie de patinho feio da discografia. Com outras influências, o trabalho não tinha nada de Paralamas. O grupo, amargurado com as críticas, ainda demoraria para reaver as rédeas do sucesso na terra natal. O que é no mínimo curioso, já a base do sucesso do grupo nos anos 1990 foi construída justamente no injustiçado "Os Grãos", hoje consagrado como um dos álbuns mais subestimados deles.

Estou no Twitter e no Instagram. Ouça o podcast, compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!


Resenha de "Os Grãos"

O trabalho começa com "Tribunal de Bar", composta após um incidente entre público e banda que resultou em Herbert mostrando a bunda -- um cancelamento, nos termos atuais --, então causa espanto vê-la aqui. Mas tem seu charme e funciona bem, assim como a solar "Sábado", uma das primeiras sobre a relação com Lucy, futura esposa d cantor. É uma abertura de álbum diferente, como é possível ouvir.

Uma das canções mais famosas da discografia está aqui. Terceira faixa do trabalho, "Tendo A Lua" soa muito como alguns dos sucessos futuros do grupo -- a letra poética com o arranjo leve. Ela mostra esse início de maturidade musical dos Paralamas, algo fundamental para aguentar as pancadas vindouras.

A bateria eletrônica dá o tom da faixa-título, também sobre maturidade. É uma das canções mais controversas do álbum por não parecer em nada com o trabalho de antes. É um reggae eletrônico nada óbvio. Pode soar estranho? Pode, mas dá para se acostumar. O retorno ao passado acontece na animada "Carro Velho" e o lado A encerra com "Vai Valer" e o bonito arranjo de cordas.

Outro sucesso duradouro do álbum é "Trac Trac (Track Track)", versão da canção de sucesso de Fito Paez. Diferente da original, mais sombria e melancólica, a do Paralamas é mais alegre e mais potente em todos os aspectos, ajudado pelo bonito vocal de apoio da sempre competente Fernanda Abreu. E quem diria que o blues dos Rolling Stones apareceria na melancólica "O Rouxinol e A Rosa"? Pois apareceu.

Duas das mais subestimadas são a linda balada "A Outra Rota", momento em que Herbert parece pedir perdão a alguém por um erro cometido no passado, e "Ah, Maria". O capricho da gravação, apoiada pelo bonito arranjo de cordas, consegue fazer chorar até mesmo a pessoa mais dura que qualquer um conheceu na vida. A segunda ganha muito no delicado arranjo de metais, uma maneira de deixar a canção ainda mais triste. E o trabalho encerra com "Não Adianta", momento em que é necessário esquecer o passado e seguir -- de um jeito ou de outro.

Claro que ouvir "Os Grãos" e compará-lo com a parte mais famosa da discografia dos Paralamas do Sucesso é entrar em choque. Três décadas após o lançamento, é possível perceber que eles estavam encaminhados para evoluir e melhorar co influências de Bruce Springsteen, Beach Boys, música eletrônica e mais. É como a adolescência: você precisa passar por ela, errar e acertar, para virar adulto. Para o trio, não foi uma transição suave. Mas deu tudo certo.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Tribunal de Bar" (Bi Ribeiro e Herbert Vianna)
2 - "Sábado"
3 - "Tendo A Lua" (Herbert Vianna e Tetê Tillet)
4 - "Os Grãos" (Demétrio Bezerra e Herbert Vianna)
5 - "Carro Velho"
6 - "Vai Valer"

Lado B

1 - "Trac Trac (Track Track)" (Fito Paez) (Versão: Herbert Vianna)
2 - "O Rouxinol e A Rosa"
3 - "A Outra Rota"
4 - "Ah, Maria"
5 - "Não Adianta"

Todas as músicas foram compostas por Herbert Vianna, exceto as marcadas

Gravadora: EMI
Produção: Liminha, Carlos Savalla e Teabag V
Duração: 46min45s*

Herbert Vianna (Teabag V): voz, guitarra e teclados
Bi Ribeiro: baixo
João Barone: bateria, percussão e programação

Convidados

Chico Neves: sequenciador em "Tribunal de Bar"
Liminha: sequenciador em "Sábado" e "Ah, Maria"; guitarra em "Sábado"; mixagem
João Fera: teclados em "Sábado", "O Rouxinol e a Rosa" e "Dai-nos"
Monteiro Jr: saxofone e flauta em "Sábado", "Os Grãos", "Carro Velho", "Vai Valer" e "O Rouxinol e a Rosa"
Senô Bezerra: trombone em "Sábado", "Os Grãos", "Carro Velho", "Vai Valer" e "O Rouxinol e a Rosa"
Demétrio Bezerra: trompete e flugelhorn em "Sábado", "Os Grãos", "Carro Velho", "Vai Valer" e "O Rouxinol e a Rosa"
William Magalhães: piano elétrico em "Tendo a Lua"
Carlinhos Brown, Léo Bit Bit e Tripé: percussão em "Carro Velho"
Jacques Morelenbaum e Márcio Mallard: violoncelo em "Vai Valer" e "A Outra Rota"
Denver Campolino: contrabaixo em "Vai Valer"
Arlindo Penteado e Frederick Stephany: viola em "Vai Valer" e "A Outra Rota"
Hindemburgo Pereira e Murillo Loures: viola em "A Outra Rota"
Carlos Eduardo Hack, Gian Carlo Pareschi, José Alves, José Dias de Lana, João Daltro e Paschoal Perrotta: violinos em "Vai Valer" e "A Outra Rota"
Aizik Geller, Alfredo Vidal: violinos em "A Outra Rota"
Fernanda Abreu: vocal de apoio em "Trac Trac"
Fito Páez: órgão e piano em "Trac Trac" e "A Outra Rota"; vocal em "Trac Trac"
Fábio Fonseca: teclados em "Trac Trac" e "Não Adianta"
Mário P.C: sax barítono em "O Rouxinol e a Rosa"

Produção

Carlos Savalla: mixagem
Franklin Garrido: gravação
Safira Hirsch: gravação de percussão
Brad Gilderman: engenheiro, mixagem
Lawrence Ethan: mixagem
Márcio Paquetá: engenheiro assistente (menos em "A Outra Rota")
Beto Pimentel e Jorge Brum: engenheiros assistentes em "A Outra Rota"
Helder Vianna: roadie
Mauro Benzaquem: roadie e técnico
Jerônymo Machado: técnico

*contando duas canções extras presentes na versão em CD lançada alguns anos depois

Continue no blog:

Comentários