Discos para história: Closer, do Joy Division (1980)


História do disco

Ian Curtis se matou em 18 de maio de 1980 e assim encerrou uma breve, mas importante carreira na música. Suas composições nos dois álbuns de estúdio do Joy Division ficaram para história e ajudaram a colocar a banda como um dos símbolos do pós-punk. Disso, os membros remanescentes acabaram fundando o New Order e entraram de vez para o panteão dos melhores grupos daquela década.

Mas Curtis acabou deixando uma obra-prima finalizada, lançada em 18 de julho de 1980. "Closer" não era apenas um LP de uma jovem banda em ascensão. Não mesmo. Era o testamento de um homem que, perturbado pelos problemas de epilepsia mais a união de decisões ruins no relacionamento com a mulher Deborah, acabou por tirar a própria vida de maneira abrupta e a poucos dias da primeira turnê pelos Estados Unidos, o grande sonho do Joy Division realizado a custa de muito trabalho e suor também por Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris.

Por isso, a história do fim da vida de Curtis e, por consequência, da banda não é nada poética ou romântica. É um trauma muito humano, cheio de complexidades que só a convivência com seres humanos é capaz de fazer e como é difícil lidar com o sentimento das pessoas. O Joy Division estava com tudo na cena musical britânica em 1979 graças ao sucesso de "Unknown Pleasures" naquele ano. Isso os catapultou para uma turnê europeia no início do ano seguinte.

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Mas as crises epiléticas já estavam começando a atrapalhar a vida pessoal e profissional do vocalista e compositor, cada vez mais dependente dos remédios. E ainda havia o fato de Curtis ter arrumado uma amante quando estava em turnê ou trabalhando em estúdio.

"Ian mudou quando ele estava com ela. Ele se tornou um pouco mais esnobe e não era um de nós", disse Sumner em uma longa matéria para o site da revista 'Uncut' sobre os bastidores de "Closer". "Havia muita coisa que atrapalhava Ian quando ele estava com Annik, o que eu pensei que era um pouco desnecessário", completou.

Em casa, ele estava entre idas e vindas com a mulher e tinha alterações de humor e mudava de ideia todo tempo. O relacionamento entre Curtis e Deborah estava cada vez mais distante à época do início das gravações de "Closer" -- na biografia "Tocando a Distância: Ian Curtis e Joy Division" (Edições Ideal, R$ 40 em média*), Deborah apresenta relatos pesados dos problemas de Ian que, além de epiléptico, também tinha 'uma depressão severa e aguda'. Ele ainda teria uma overdose, seria mandado para a reabilitação pela gravadora e ainda sofreria mais alguns ataques antes do fatídico dia.


Foram três semanas, entre os dias 18 e 31 de março, para gravar o segundo álbum de estúdio. Por incentivo Martin Hannett, eles já estavam tocando "Colony", "Twenty Four Hours", "Passover" e "A Means To An End" nos shows. Escritas em meados de 1979, era só entrar em estúdio e gravar. Já as letras do resto do álbum, mais baseado no uso dos sintetizadores, foram escritas no início de 1980.

Uma coisa feita pela banda é que eles não perdiam muito tempo discutindo a necessidade disso ou daquilo para uma música. Era tudo muito rápido. Tão rápido, que eles ficavam de papo na maioria do tempo até chegar o limite do uso do estúdio naquele dia. "Nunca conversamos sobre música. A única coisa sobre a qual conversávamos era: 'Ah, precisamos de outra rápida e dançante'. Para mim, essa era uma das belezas do grupo", disse Hook também para a 'Uncut'.

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Curtis estava tão afastado dos companheiros de banda, que acabava fazendo sua parte no estúdio apenas com a presença de Hannett no estúdio para auxiliá-lo com os vocais. Mesmo assim, ele sempre ouvia as gravações e dava um ou outro palpite sobre o andamento de alguma coisa ou pedia alguma mudança. A última música a ser gravada por ele foi "Love Will Tear Us Apart".

O apresentador John Peel anunciou a morte de Ian Curtis e logo depois tocou "Atmosphere". O lançamento de "Closer", programado para sair junto com a turnê nos Estados Unidos, foi adiado para 18 de julho de 1980. Ao atingir o sexto lugar no Reino Unido, foi o primeiro top-10 da história da Factory e acabou sendo eleito o Álbum do Ano pelo semanário 'NME'.

"Sinceramente, achei as letras de Ian realmente brilhantes, mas pensei que ele estava escrevendo sobre outra pessoa. Foi assim que fui ingênuo. Pensei que era brilhante como ele poderia entrar na mente de outra pessoa. Não parecia que ele estava tão determinado a se autodestruir", falou Morris.

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Resenha de "Closer"

Hoje, mais de quatro décadas depois da morte de Ian Curtis e perto do aniversário do lançamento de "Closer", é possível colocar em perspectiva o segundo álbum de estúdio do Joy Division. Dentro do grupo, ninguém sabia profundamente do estado mental dele. E fora dali, talvez só Deborah e a família soubesse, de fato, o que aconteceu até chegar no momento derradeiro. Só assim é possível entender um álbum começar com "Atrocity Exhibition" e o verso "Asylums with doors open wide/ Where people had paid to see inside/ For entertainment they watch his body twist/ Behind his eyes he says, 'I still exist'".

"Isolation" surge como uma porrada para mostrar todo potencial da banda pelos anos seguintes. A estrutura básica do que viria a ser o New Order está toda aqui, em uma verdadeira aula de pós-punk. A banda soa muito entrosada nesse canção animada (na medida do possível) e curta, com menos de três minutos. E Curtis escreve sobre o final em "Passover" (páscoa, em português), e, de novo, solta uma dica sobre ele mesmo na canção que Peter Hook aproveitou para usar um baixo de seis cordas e criar um clima bem soturno.



Também é bem difícil ouvir o verso "A cry for help, a hint of anesthesia/ The sound from broken homes/ We used to always meet here/ As he lays asleep, she takes him in her arms/ Some things I have to do, but I don't mean you harm" presente em "Colony", outra em que o baixo está absurdo e conta com a colaboração precisa da bateria eletrônica para ficar na sua cabeça por dia a fio. E o lado A acaba com uma espécie de ponto final definitivo na dançante "A Means to an End".

Abrir a segunda parte do disco com a minimalista "Heart and Soul" mostra como Curtis estava experimentando mais em estúdio e como havia a sensação de avanço musical em comparação ao trabalho anterior. A batida repetida ajuda a criar um clima minimalista e cheio de camadas -- sim, tudo isso ao mesmo tempo. Assim como a complexidade da vida, "Closer" tem seu momento pés no chão com "Twenty Four Hours". Parece que o interlocutor encontra um caminho para resolução dos próprios problemas ("Now that I've realised how it's all gone wrong/ Gotta find some therapy, this treatment takes too long/ Deep in the heart of where sympathy held sway/ Gotta find my destiny, before it gets too late").



Mas ele volta com tudo ao mundo com nuvens na cabeça em "The Eternal", uma das faixas mais sombrias da discografia do Joy Division. É possível ter uma ideia de como a cabeça de Curtis funcionava: em um momento ele sabia que precisava de ajuda, mas se afundava tudo de novo. A oitava canção de "Closer" soa como a última antes do encerramento de um filme de terror, como se o protagonista estivesse em um beco sem saída e só exista uma solução para tirá-lo dali. A escaleta de Curtis abre os trabalhos em "Decades", última canção do LP. O verso "Weary inside, now our heart's lost forever/ Can't replace the fear, or the thrill of the chase/ Each ritual showed up the door for our wanderings/ Open then shut, then slammed in our face" é simplesmente destruidor em uma faixa com cara de encerramento por conta do tom fúnebre.

"Closer" ganhou bastante atenção por ter sido lançado pouco menos de dois meses depois da morte de Ian Curtis. Mas chamaria atenção de qualquer jeito por ser uma das obras-primas dos anos 1980. O grupo encerrou as atividades semanas depois, mas o legado continua vivo ao influenciar diversas bandas até os dias atuais.



Ficha técnica

Lado A

1 - "Atrocity Exhibition" (6:06)
2 - "Isolation" (2:53)
3 - "Passover" (4:46)
4 - "Colony" (3:55)
5 - "A Means to an End" (4:07)

Lado B

6 - "Heart and Soul" (5:51)
7 - "Twenty Four Hours" (4:26)
8 - "The Eternal" (6:07)
9 - "Decades" (6:10)

Gravadora: Factory
Produção: Martin Hannett
Duração: 44min06s

Ian Curtis: vocal; guitarra em "Heart and Soul"; escaleta em "Decades"
Bernard Sumner: guitarra (exceto nas faixas e 1 6); baixo em "Atrocity Exhibition"; sintetizadores nas faixas 2, 6, 8 e 9
Peter Hook: baixo (exceto na faixa 1); guitarra em "Atrocity Exhibition"; baixo de seis cordas nas faixas 3, 6 e 8
Stephen Morris: bateria (exceto nas faixas 2 e 9), bateria eletrônica nas faixas 2, 4, 8 e 9); percussão (exceto na faixa 2)

Produção:

Martin Hannett: produtor e engenheiro de som
Michael Johnson: engenheiro de som assistente
Jon Caffery: engenheiro de som



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