Discos para história: Elis, de Elis Regina (1980)


História do disco

Elis Regina sempre foi conhecida por duas coisas: a ótima voz e a forte personalidade. Então, não era de graça que as duas coisas acabavam se cruzando de algum jeito no repertório construído por ela, principalmente nos anos 1970. O fim daquela década reservaria muita coisa. E ela nem sabia que não estaria mais entre seus entes queridos poucos anos depois.

O nascimento de "Elis" passou por uma baita confusão antes de virar um dos trabalhos mais conhecidos da cantora. Acabou sendo o último disco dela lançado em vida, já que ela morreria em 1982, aos 36 anos. Basicamente, ela deixou a Philips, em 1978, gravadora que fazia parte desde os anos 1960, para assinar com a WEA. Mas, por algum motivo, ela também assinou com a EMI-Odeon para produzir um álbum.

Pela WEA, ela lançou "Essa Mulher" (1979) e o disco duplo "Saudade do Brasil" (1980), com as canções do espetáculo de muito sucesso de mesmo nome. No meio disso, a antiga gravadora lançou um LP chamado "Elis Especial" (1979) apenas com canções não gravadas por ela durante a longa parceria. Uma confusão só.

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Essa confusão só iria aumentar alguns meses depois. A EMI-Odeon, em 1980, depois do sucesso de "Saudade do Brasil", chegou cobrando o disco que a cantora estava devendo. Afinal, existia (ou existiu) um contrato, certo? Pois bem, Elis topou entregar um disco, sem o menor problema. Mas qual disco viria? Qual seria o repertório? Afinal, "Saudade do Brasil" era um espetáculo denso e cheio de nuances para falar sobre as consequências da ditadura no Brasil em quase 20 anos de regime.

Todo novo álbum foi gravado em outubro de 1980, um tempo curtíssimo para maturar qualquer ideia de trabalho. Afinal, o que sairia disso? A dupla estaria 100% empenhada em gravar algo de qualidade ou seria algo meia-boca? Para surpresa geral de público, crítica e de qualquer pessoa, Elis Regina entregou um dos melhores álbuns da carreira.

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Óbvio que a decisão de respeitar um contrato e gravar um álbum a toque de caixa gerou dúvida. Pois Elis e Cézar Camargo Mariano, então casados, optaram por compositores jovens, mas de bastante sucesso nos últimos anos. A exceção era Gilberto Gil. E a construção do repertório pouco tinha a ver com o peso da discografia da última década. Após tudo isso, a cantora parecia estar disposta a mudar de rumo na carreira. E a aposta era em um material mais leve e mais pop, e muito menos brutal.

"Elis" mostra uma cantora muito mais solta e, contando com um repertório de primeira, mostrava que ainda conseguia surpreender ao soltar um trabalho com um repertório diferente, mas não menos genial do que os mais aclamados. Seria um ótimo caminho a ser seguido. Infelizmente, a vida dela foi abreviada de forma abrupta.


Resenha de "Elis (1980)"

Um dos talentos de Elis Regina era contar com uma equipe de músicos de excelente categoria por trás, todos liderados por Cézar Camargo Mariano -- parceiro musical e no casamento com a cantora por anos. "Sai Dessa" abre o trabalho de maneira leve, como se ela quisesse mostrar que era possível ser leve nos anos finais da ditadura no Brasil. Mas é sempre bom lembrar de um passado não tão distante assim, momento em que surge "Rebento", uma composição magnifica de Gilberto Gil.

O rumo das gravadoras mudaria drasticamente dos anos 1980 em diante. Uma prova disso é "Nova Estação", com seu bonito arranjo, coisa que ficaria cada vez mais rara na década que estava apenas começando -- aliás, esse disco inteiro tem arranjos dos mais bonitos. Beto Guedes e Fernando Brant assinam a bonita balada "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre", quando o teclado de Cézar Camargo Mariano domina completamente a faixa de maneira genial para encerrar o lado A.

Mas a grande canção do trabalho abre a segunda parte. De Guilherme Arantes, "Aprendendo a Jogar" é, provavelmente, uma das melhores canções do repertório do 'hitmaker' brasileiro e uma das melhores gravações daquela época. O arranjo aqui combina perfeitamente com a voz de Elis, que consegue dominar a canção de um jeito que a transforma em dona dela com contrato e tudo.



Surpreendentemente, "Só Deus É quem Sabe" surge e mostra a capacidade de Elis em cantar qualquer coisa. Esse soul de Guilherme Arantes é um desses lados B que o cantor nunca gravou que merecia uma versão dele -- aqui, a cantora dá um show, claro. Na versão para "O Trem Azul", diferente do tom jovial de Lô Borges da primeira gravação, Elis apresenta um tom um pouco mais adulto, chegando a soar como uma confissão em determinados momentos.

O final reserva espaço para "Vento de Maio", outra com um arranjo perfeito para ser executado no teatro, e o curto samba "Calcanhar de Aquiles" -- ambas canções gravadas por outros artistas antes, mas com versões bem dignas nesse álbum.

O trabalho foi uma grata surpresa à época e a sensação é a mesma ainda hoje. Parece que Elis queria mudar o rumo da carreira. E ainda que fosse para apenas cumprir contrato, acaba sendo um de seus trabalhos mais emblemáticos, principalmente para as gerações que descobriram o repertório dela depois. "Elis" é uma baita porta de entrada para conhecer mais sobre uma das melhores cantoras brasileiras de todos os tempos.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Sai Dessa" (Ana Terra / Nathan Marques) (2:09)
2 - "Rebento" (Gilberto Gil) (5:09)
3 - "Nova Estação" (Thomas Roth / Luiz Guedes) (3:20)
4 - "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre" (Beto Guedes / Fernando Brant) (4:24)

Lado B

1 - "Aprendendo a Jogar" (Guilherme Arantes) (4:36)
2 - "Só Deus É quem Sabe" (Guilherme Arantes) (4:00)
3 - "O Trem Azul" (Lô Borges / Ronaldo Bastos) (5:04)
4 - "Vento de Maio" (Telo Borges / Márcio Borges) (4:02)
5 - "Calcanhar de Aquiles" (Jean Garfunkel / Paulo Garfunkel) (3:12)

Gravadora: EMI-Odeon
Produção: Mayrton Bahia
Duração: 35min56s

Elis Regina: voz

Cézar Camargo Mariano: teclado e arranjos
Kzam, Nathan Marques e Pedro Baldanza: baixo
Ezequiel e Fernando Sizão: baixo acústico
Nenê, Picolé e Rubinho: bateria
Chico Batera: bongô, marimba, caneco e timbales
Carlinhos: cavaquinho
Jorginho: flauta
Frederiko, Nathan Marques e Pisca: guitarra
Helvius Vilela: órgão
Marílton Borges: violão e piano
Eliseu Luna, Geraldo, Jorginho, Marçal Filho, Milton Marçal, Sérgio Della Mônica: percussão
Maurílio: piston
Crispin del Cistia: viola
Milton Nascimento e Nathan Marques: violão
Pisca: viola de 12 cordas
Nathan Marques e Pisca: violão ovation
César Farias: violão de 6 cordas
Dino: violão de 7 cordas
José Nogueira, Netinho e José Roberto: saxofone
Nelsinho: trombone
As Gatas, César Camargo Mariano, Crispin del Cistia, Cristina, Elis Regina, Fernando Sizão, José Luiz, Gonzaguinha, Lô Borges, Marisa Fossa, Márcio Borges, Marílton Borges, Milton Nascimento, Nathan Marques, Nico Borges, Novelli, Pedro Baldanza, Pisca, Telo Borges e Yê Borges: coro



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