Discos para história: Maior Abandonado, do Barão Vermelho (1984)

História do disco

“Não, eu considero fácil [gravar um álbum]. A gente não precisou batalhar nada, veio tudo na mão. A crítica elogiava, as pessoas mais legais diziam que o Barão era o maior barato. Aí pintou o Zeca (Ezequiel Neves) e disse que ia produzir um disco da gente e pronto…”, disse Cazuza em entrevista para revista 'Roll', na oitava edição, lançada em maio de 1984.

As coisas até vieram fáceis para o Barão Vermelho, mas o sucesso de verdade demorou um pouco para acontecer. Formado pelo vocalista, Roberto Frejat, Maurício Barros, Dé e Guto Goff, o grupo não conseguia a mesma atenção do público e da crítica, diferentemente dos contemporâneos Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha e Paralamas do Sucesso, falando apenas dos mais famosos no mesmo período. Cazuza era filho de João Araújo, presidente da gravadora que os contratou, e isso não ajudava muito as coisas. Mas eles estavam destinados a superar essa barreira.

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“A nossa gravadora nunca interveio na criação. Nunca chegaram e nos disseram o que fazer. Eles até podem chegar e dizer, como já aconteceu, que o disco era ‘anti-comercial’. Mas nós gravamos assim mesmo”, contou Frejat para a mesma revista, sobre os trabalhos anteriores.

Ney Matogrosso gravou “Pro Dia Nascer Feliz”, do álbum “Barão Vermelho 2”, o levando a aparecer em diversos programas de TV ao longo de 1983 e do ano seguinte. O sucesso fez a versão original tocar muito na programação das rádios do Rio de Janeiro, chamando atenção do público sem contato com o material da banda e gerou o convite para escrever a faixa-título do primeiro filme de Lael Rodrigues, futuro diretor de “Rock Estrela” (1986) e “Rádio Pirata” (1987). O longa se chamaria “Bete Balanço”, estrelado por Débora Bloch e Diogo Villela.

No final do primeiro semestre de 1984, saiu o compacto de “Bete Balanço”, de Cazuza e Frejat, com “Amor Amor” no lado B, de George Israel, do Kid Abelha, com grande repercussão. Tudo aumentou ainda mais com o lançamento do filme e da trilha sonora, em julho, que trazia Lobão, Titãs, Celso Blues Boy e outros. Foi o filme mais visto nos cinemas brasileiros, desbancando produções internacionais, com mais de 1 milhão de espectadores. Ajudou também o fato de a banda aparecer, interpretando eles mesmos. 

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Todos esses acontecimentos em pouco menos de um ano acabaram gerando muita expectativa sobre como seria o próximo disco da banda, agora famosos e com tanta atenção como alguns dos colegas de São Paulo, Rio e Brasília. Mais uma vez com ajuda de Ezequiel Neves na coprodução, eles entraram em estúdio no mesmo mês do lançamento do filme para gravar o terceiro álbum da carreira, chamado “Maior Abandonado”.

Em entrevista para a ‘Folha de São Paulo’, na véspera do início da turnê de mesmo nome do álbum, Cazuza fez um resumo da temática do trabalho e já vislumbrava ampliar o repertório, um dos principais pontos da saída dele da banda quase um ano depois.

“O disco ‘Maior Abandonado’ tem toda uma temática de vida, boêmia e fossa, que é uma ligação minha com o Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e Ataulfo Alves. Um dia ainda chamo o Nelson Gonçalves para cantar uma música com o Barão. Se isso chocar algum roqueiro, é sinal de que ele precisa se libertar desse trauma”, falou. 

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Lançado em outubro de 1984, o álbum foi um sucesso de público e crítica. Além de “Bete Balanço”, tocando nas rádios há praticamente seis meses, a faixa-título e “Por que a Gente é Assim?” embalaram o LP, que vendeu 100 mil cópias apenas naquele ano. Nos dias finais de 1984, eles colocaram na trilha sonora da novela “A Gata Comeu” a música “Eu Queria Ter Uma Bomba”, que acabou ficando de fora do trabalho. E a turnê esgotou ingressos em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O sucesso fez o Barão Vermelho ser convidado para a primeira edição do Rock in Rio, se apresentando em 15 de janeiro, no mesmo dia de Scorpions e AC/DC. Era um dia diferente, com a confirmação da eleição indireta de Tancredo Neves para presidência do Brasil. Eles retornaram no dia 20, como a segunda atração do dia, com B-52s e Yes como atrações principais. Era o auge de uma das melhores e mais famosas bandas brasileiras de rock dos anos 1980.


Crítica de “Maior Abandonado”

Um dos grandes problemas da discografia do Barão Vermelho está em como eles foram gravados em estúdio nos primeiros anos da carreira. Muitas vezes, a mixagem foi aquém do esperado, deixando o vocal alto demais ou os instrumentos acima da voz, gerando desequilíbrio entre as partes. Hoje, 40 anos depois, eles acabaram sendo a banda pior gravada dentre as mais famosas do mesmo período, por não conseguirem reproduzir o clima das apresentações ao vivo da época.

Isso posto, o repertório de “Maior Abandonado” acaba superando os problemas e, ainda hoje, é possível ecoar a mesma opinião da época: é o melhor LP da formação original. A animada faixa-título, um dos principais sucessos deles, tem em um blues rock suave o jeito ideal para apresentar o refrão grudento e inesquecível para quem ouviu (“Eu 'tô pedindo a tua mão/ Me leve para qualquer lado/ Só um pouquinho de proteção/ Ao maior abandonado”), apesar de parecer que Cazuza está cantando em um karaokê.

Outra canção da discografia um tanto inspirada nos Rolling Stones, “Baby Suporte” é uma dessas de tom poético, parte dos primeiros anos do grupo, com um solo de guitarra bem marcante. É o mesmo caso de “Sem Vergonha”, essa com arranjos bem anos 1980, enquanto o solo de saxofone — quase certeza ser de George Israel, do Kid Abelha, não creditado — é uma parte importante da sensual “Você se Parece com Todo Mundo”.

O rock de “Milagres” aborda como as pessoas continuam fazendo as coisas, apesar de todos os problemas do Brasil da época (“Todos choram, mas só há alegria/ Me perguntam o que é que eu faço/ E eu respondo:/ Milagres/ Milagres”). O lado A encerra com o blues de refrão tristonho “Não Amo Ninguém”.

Um grande acerto é começar a segunda parte com “Por que a Gente é Assim?”. Apesar do tom da música ser pesado, principalmente por conta da guitarra, a letra é uma crônica da boemia da época, com o Barão Vermelho como um dos representantes mais ativos quando o assunto era sexo, drogas e rock. E a new wave também tem espaço no álbum com a animada “Narciso”, com o tom dando uma virada para algo mais sombrio em “Nós”, música sem refrão.

A balada romântica “Dolorosa” é outra que, possivelmente, foi inspirada no dia a dia da banda nos bares do Rio de Janeiro. E o disco não poderia encerrar de outro jeito senão com o hit “Bete Balanço”, a melhor faixa do trabalho em todos os quesitos por ser melhor gravada do que as outras e se destacar do resto (“Quem vem com tudo não cansa/ Bete Balanço, meu amor/ Me avise quando for a hora”). É um belo final.

Ninguém sabia, mas seria o último disco do Barão Vermelho com Cazuza. Apesar da mágoa inicial, é o melhor trabalho deles juntos. O vocalista teria uma bonita e curta trajetória na música, com três álbuns solos lançados, sendo uma das muitas vítimas da AIDS nos anos 1990. Já a banda, com Frejat no vocal, conseguiu se acertar com o tempo para seguir como uma das mais relevantes e famosas do período.

Tracklist:

Lado A

1 - “Maior Abandonado” (2:44)
2 - “Baby Suporte” (Cazuza/ Ezequiel Neves/ Pequinho/ Maurício Barros) (3:08)
3 - “Sem Vergonha” (3:13)
4 - “Você se Parece com Todo Mundo” (2:53)
5 - “Milagres” (Cazuza/ Denise Barroso/ Roberto Frejat) (2:29)
6 - “Não Amo Ninguém” (Cazuza/ Roberto Frejat/ Ezequiel Neves) (3:48)

Lado B

1 - “Por que a Gente é Assim?” (Cazuza/ Roberto Frejat/ Ezequiel Neves) (4:31)
2 - “Narciso” (2:47)
3 - “Nós” (3:13)
4 - “Dolorosa” (2:54)
5 - “Bete Balanço” (3:29)

Música e letra são de Cazuza e Roberto Frejat, exceto as marcadas

Gravadora: Opus Columbia
Produção: Ezequiel Neves e Barão Vermelho
Duração: 35min12

Cazuza: vocal
Roberto Frejat: guitarra
Maurício Barros: teclados e piano
Dé: baixo
Guto Goffi: bateria e percussão

Andy Mills: produtor de “Bete Balanço”
Direção artística: Guto Graça Mello
Assistentes de estúdio: Nestor, Marquinhos, Leco, Jackson, César e D'orey
Técnico de gravação e mixagem: Jorge Guimarães

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