Discos para história: Franz Ferdinand, do Franz Ferdinand (2004)

História do disco

“Você só consegue fazer seu álbum de estreia uma vez e se não acertar, não terá outra chance. Eu deveria saber, porque precisei de três tentativas antes de conseguir”. Essa frase foi escrita por Alex Kapranos em um texto para o ‘BBC Sounds’ chamado “Como Escrever um Álbum de Estreia” (“How to Write a Debut Album” no original). Ex-integrante dos grupos The Karelia e Amphetameanies, o vocalista e compositor havia ultrapassado a barreira dos 30 anos e não era mais um jovem novato na indústria, cheio de sonhos e disposto a fazer qualquer coisa por um contrato com qualquer gravadora disposta a lançar as músicas escritas por ele. O buraco era um pouco mais para baixo.

É muito difícil mensurar e até mesmo entender os motivos de determinados artistas fazerem ou não sucesso na música. Gênios são descobertos depois de mortos, canções viram hino dez, 20 anos do lançamento. Com o Franz Ferdinand, não que eles sejam gênios, foi parecido. Todos os integrantes foram partes de bandas que, em maior ou menor escala, nunca explodiram de fato na Escócia. Foi em um desses grupos, chamado Yummy Fur, que Kapranos e o baterista Paul Thomson começaram uma amizade duradoura.

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Com o intuito de cair fora de mais uma banda e formar a própria, os dois começaram a escrever músicas juntos. Enquanto isso, Kapranos ensinava outro amigo, Bob Hardy, a tocar baixo no instrumento presenteado por Mick Cooke, do Belle & Sebastian. Como quem não quer nada, a futura banda, ainda sem nome, tinha três integrantes. E poderia ter sido um trio, porque os primeiros ensaios foram feitos com essa estrutura. Mas eles concordaram em um ponto: faltava um guitarrista para dar mais força à proposta deles, uma espécie de revival da sonoridade do começo dos anos 1980.

A busca pelo quarto e último integrante poderia ter durado semanas. Meses, até. Mas um golpe do destino ao melhor estilo “Encontros e Desencontros” fez o trio conhecer Nick McCarthy por acaso. Ele havia voltado para Escócia poucos meses antes após passar uma boa parte de 2001 estudando jazz na Alemanha. Ele gostou tanto dos três, da convivência e da amizade que não pensou duas vezes. E, após ver uma corrida de cavalos pela TV com o vencedor sendo Archduke Ferdinand, eles decidiram que Franz Ferdinand seria um bom nome para a banda deles. 

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Sem dinheiro para gravar uma demo caprichada em um estúdio profissional, eles colocaram todos os esforços em fazer o melhor em garagens, cozinhas e salas. A aposta era convencer as gravadoras sobre a qualidade e potencial do material. Em outro golpe do destino, eles rapidamente conseguiram assinar contrato com a Domino. Com uma década no mercado, a gravadora virou a casa da música independente no Reino Unido, sempre com um bom olhar para potenciais artistas de sucesso. O Franz Ferdinand, com um som animado e cheio de energia, tinha esse potencial para ser uma das caras no início do século XXI.

Uma das partes mais complicadas na hora de gravar um álbum de estreia é encontrar um produtor que extraia o melhor de um artista novato sem amputá-lo musicalmente ou reduzir a música a uma fagulha mal gravada que soa muito diferente ao vivo. Após distribuir as demos por aí, uma das fitas caiu na mão de Tore Johansson, produtor dos Cardigans. Farto do trabalho e da pressão no Reino Unido, após apenas um ano, deixou a ilha e voltou para Suécia, onde começou um estúdio próprio, em sociedade com a irmã, chamado Gula — amarelo, em sueco.

O lugar arejado, com luz do sol entrando quase o tempo inteiro e com várias distrações para evitar o ócio dos longos períodos de gravação, soa ideal durante a gravação de um disco. Mas ele não sabia muito bem como gravá-los, então a dúvida ficou no ar por um tempo. Enquanto isso, o quarteto lançou o primeiro EP, “Darts Of Pleasure”, no início de 2003, e estava na expectativa de gravar a estreia. Após pensar muito, Johansson decidiu aceitar o trabalho e foi assim que o Franz Ferdinand se mudou para Suécia, uma das condições impostas pelo produtor, que não queria voltar ao Reino Unido nem amarrado.

Impressionado com a energia da banda nas demos, ele rapidamente entendeu não haver necessidade de uma superprodução com metais, vocais de apoio, overdubs exagerados e tudo mais presente em grandes produções. A música era simples e animada ao vivo, e era assim que eles também deveriam soar em estúdio. Mas ele nunca havia trabalhado assim. Com os Cardigans, era diferente. Eles não tinham nada pronto e usavam muito o estúdio para desenvolver as faixas, experimentando o tempo inteiro. Foi quando o Franz Ferdinand entrou no processo e colocou a mão na massa na produção também, porque ninguém sabia melhor como eles soavam do que eles mesmos.

“As demos foram gravadas de maneira muito simples, então eram muito cruas, mas funcionavam bem. O álbum é uma espécie de versão luxuosa dessas gravações. Meu primeiro sentimento foi 'Tenho que ter certeza de não produzir isso em excesso'. Mas eu consegui!”, disse o produtor, em entrevista ao site 'Sound on Sound'. 

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“Demorou algum tempo e, na verdade, foi necessária alguma ajuda deles para voltar a pensar no indie, que o importante é fazer com que essa banda soe bem e não enlouquecer no estúdio, gravando muitos vibrafones, vocais de apoio e coisas assim. Mas não percebi isso até a mixagem e tive que cortar algumas coisas porque parecia super produzido”, completou.

Embalados pelos sucessos de "Take Me Out", terceiro colocado na parada do Reino Unido, e "The Dark of the Matinée", oitavo, “Franz Ferdinand” foi lançado em 9 de fevereiro de 2004, sendo um sucesso instantâneo no Reino Unido ao conseguir a terceira posição logo na semana de estreia. Mesmo só conseguindo a 32ª posição nos Estados Unidos, e apenas em dezembro, eles mostravam a força do retorno de um estilo de música em falta nas paradas. Com a experiência dos fracassos anteriores, eles queriam mais era se divertir mesmo. E Kapranos pôde, enfim, ter um álbum de estreia de sucesso para chamar de seu.


Crítica de “Franz Ferdinand”

Quando comprei o álbum de estreia do Franz Ferdinand, fiz exclusivamente por conta de ‘Take Me Out”, que tocava sem parar na finada MTV Brasil e nas rádios o dia inteiro. Era contagiante ouvir a música e foi inevitável ter o CD. Eram outros tempos, sem streaming ou redes sociais dominando o nosso dia a dia como o cigarro na geração dos nossos pais. Não tinha ideia que abria com “Jacqueline”, uma animada faixa com a história de uma moça que, aos 17 anos, trabalha ansiosamente esperando pelo verão.

Uma das qualidades é a manutenção desse ritmo dançante durante boa parte. A curta balada “Tell Her Tonight” prepara o ouvinte para o primeiro grande momento do trabalho: “Take Me Out”. Algumas pessoas podem achar um sacrilégio ou algo assim, mas é difícil não considerar essa música um dos clássicos da geração nascida entre 1986 e 1992 — sim, músicas lançadas em 2004 já podem ser consideradas clássicos e, nesse momento, nasceu mais um frio branco na minha barba. Se você nasceu nessa época, é muito provável ter dançado essa música em algum inferninho em alguma cidade, tomando vinho barato e tentando ganhar a noite de alguma maneira. Tudo nela é contagiante do início ao fim e cantá-la de ponta a ponta é parte de um processo de relembrar a juventude e tempos um tanto mais simples e divertidos em determinados aspectos.

Chegar ao estrelato com mais de 30 anos deve ter alguma vantagem, como entender melhor as coisas. Apesar disso, Kapranos cedeu às tentações na história de “The Dark of the Matinée”, ainda que fora dos holofotes, mantendo a animação das anteriores em um refrão dançante e uma guitarra ao melhor estilo rock inglês dos anos 1980. Dentre todas as faixas do trabalho, a mais menosprezada por fãs e críticos é “Auf Achse”. O início com o ar de filme B de terror e o vocal meio soturno, meio satírico, contribui para o refrão agitado e um pós-refrão dançante e sóbrio (“She's not so special, so look what you've done, boy (x3)/ She's not so special, so look what you've done”).

Como uma boa banda do Reino Unido, a inspiração do punk está sempre presente, caso de “Cheating on You” que, como o título diz, fala de uma traição. Aqui, as guitarras e o baixo dão show e comandam a festa do início ao fim. Mas é no hit “This Fire”, último single do trabalho, que a coisa esquenta — não literalmente, é claro. O refrão é o grande trunfo da faixa, com infinitas possibilidades de uso ao longo de 20 anos: de cantos em estádios até vídeos nas redes sociais para ilustrar situações específicas. Sem perceber, a música virou uma dessas coisas eternas e presentes, e é difícil lembrar de uma época sem ela.

Eles mandam ver (ou fazem algo com extrema intensidade, segundo o corretor) em “Darts of Pleasure”, quando a bateria domina as ações e trabalha como comandante da música, como se o vocal estivesse ali seguindo apenas ordens. E ainda tem um solo de baixo, e eu adoro solo de baixo. E ainda tem um refrão em alemão (“Ich heiße Superfantastisch!/ Ich trinke Schampus mit Lachsfisch!”). A influência do rock inglês dos anos 1970 e 1980 aparece na ótima “Michael”, uma homenagem a dois amigos que se pegaram em uma noitada em Glasgow.

Para quem acha ou achou as mudanças musicais feitas a partir do segundo disco, elas já estavam presentes no álbum de estreia. “Come on Home” poderia fazer parte de qualquer um dos trabalhos futuros graças ao estilo pós-punk e o uso do sintetizador para criar uma sonoridade muito próxima da Disco music. “40'” encerra o trabalho falando sobre como é estar na beira de um penhasco, pronto para o salto definitivo. Eles não sabiam, mas essa música tem um incrível quê premonitório — no caso deles, o salto foi para o sucesso e reconhecimento.

O Franz Ferdinand tem no álbum de estreia algo muito único e especial, dessas coisas difíceis de repetir com a idade. Duas décadas se passaram, quem curtiu aqueles dias está em outra fase da vida — assim espero —, mas ouvir do início ao fim traz uma sensação gostosa de ter participado um pouco daquele sucesso ao ouvir as músicas, assistir os clipes e comentar com os colegas de sala sobre eles. E é uma lição sobre como cada história é contada de um jeito, porque ninguém é igual.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Jacqueline” (Bob Hardy/ Kapranos/ McCarthy) (3:49)
2 - “Tell Her Tonight” (2:17)
3 - “Take Me Out” (3:57)
4 - “The Dark of the Matinée” (Hardy/ Kapranos/ McCarthy (4:03)
5 - “Auf Achse” (4:19)
6 - “Cheating on You” (2:36)
7 - “This Fire” (4:14)
8 - “Darts of Pleasure” (2:59)
9 - “Michael” (3:21)
10 - “Come on Home” (3:46)
11 - “40'” (3:24)

Todas as músicas foram escritas por Alex Capranos e Nick McCarthy, exceto as marcadas

Gravadora: Domino
Produção: Tore Johansson & Franz Ferdinand
Duração: 38min49

Alex Kapranos: vocal e guitarra
Nick McCarthy: guitarra, teclado e vocal
Bob Hardy: baixo e vocal de apoio
Paul Thomson: bateria, percussão e vocal de apoio

Jens Lindgård e Stefan Kvarnström: engenheiro de som
Steve Rooke: masterização

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