Discos para história: Swordfishtrombones, de Tom Waits (1983)

História do disco

"Com este disco, você perderá todos os seus fãs antigos e ganhará novos", disse Joe Smith, presidente da gravadora Asylum, ao recusar as novas músicas de Tom Waits para o que seria "Swordfishtrombones", oitavo disco de estúdio e um dos trabalhos mais famosos e celebrados da carreira do músico, futuramente lançado pela Island.

Colocado nas lojas em 1º de setembro de 1983, o álbum é o ponto de virada da carreira de Waits, um antes e depois que as pessoas só se deram conta quando LP foi lançado. Era o grito de independência, uma liberdade ainda que tardia, o início de uma nova relação dele com a música, a indústria e os fãs. Também dá para chamar de renascimento, afinal Smith não errou ao afirmar que o cantor de 34 anos ganharia fãs novos pelo resto da carreira.

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A conversa com o chefão da Asylum veio em uma sequência de novos inícios. Quem também se despediu foi o produtor de longa data Bones Howe. Certo dia, Waits estava escrevendo uma música e se questionou: "Bones vai gostar?". Ao perceber isso, ficou claro que o processo criativo estava sendo limitado ao querer agradar ao amigo de longa data. Um convite para um café e um aperto de mãos honesto selou a despedida de Howe, sem ressentimentos, como produtor dos discos de Waits. Era hora do voo solo. 

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 O início dos anos 1980 chegou com um cantor insatisfeito com a própria obra. Havia pequenos experimentos musicais aqui e ali, mas nada com o impacto e estranheza do que estava por vir. Tudo mudaria profundamente ao conhecer Kathleen Brennan, então revisora de roteiros, durante as filmagens de "O Fundo do Coração", filme de Francis Ford Coppola, de 1981, que Waits estava escrevendo os temas da trilha sonora original. Foi amor à primeira vista. Um amor profundo que virou uma parceria intelectual, com Brennan o incentivando a fazer o que desejava musicalmente.

Nessa época, ele descobriu dois artistas fundamentais e influências importantes para a trilogia de discos completadas com "Rain Dogs", de 1985, e "Franks Wild Years", de 1987: Capitain Beefheart e Harry Partch. De Beefheart, Waits ficou completamente maluco quando ouviu "Ice Cream for Crow", de 1982, último disco de inéditas antes da aposentadoria da música. Enquanto de Partch vinha a estética inspirada em um homem com alto grau de formação musical, mas que abandonou tudo para viver como um andarilho pelos Estados Unidos durante a Grande Depressão (1929-1941) para compreender melhor o país onde morava e construir os próprios instrumentos musicais a partir de ideias ousadas e peças velhas, mesas, cadeiras e qualquer outra coisa com capacidade de extrair um som. 

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A partir dessas duas inspirações, ele partiu para escrever um trabalho único, cheio de camadas musicais, gerando afastamento dos fãs mais antigos. Se Waits era uma espécie de bardo solitário, agora ele era como todos os personagens de "Moulin Rouge" ao planejar, escrever e gravar o próprio espetáculo com ajuda de uma trupe de músicos pronta para embarcar nesse projeto ousado e completamente maluco do ponto de vista comercial. Porém, para quem desejava justamente avançar na própria sonoridade, o ponto de vista comercial era só um detalhe.

Seria o início da fase mais experimental e, por incrível que pareça, mais famosa da carreira de Tom Waits. Ao conseguir encontrar o equilíbrio artístico e pessoal para desenvolver as 15 canções do álbum, ele mostrou-se alguém disposto a mudar profundamente o jeito de fazer música, também mudando como as pessoas passaram a vê-lo nos anos seguintes. E nunca mais ele atingiria tal nível, mostrando ter sido uma fase única na carreira.


Crítica de "Swordfishtrombones"

Tal qual o início de um espetáculo, o número inicial, "Underground", é a deixa para apresentação do que está por vir. É difícil não ficar com muita expectativa, por ser algo totalmente novo e completamente fora da discografia de Tom Waits até então. "Shore Leave" traz Waits evocando o lado bardo para contar uma história cheia de mistérios sobre estar longe de casa e sentindo falta das pessoas que ama.

A instrumental "Dave the Butcher" é perfeita para o ouvinte perceber as camadas sonoras do disco, algo fundamental na trilogia dos anos 1980 do cantor, principalmente quando seguida pela balada romântica de "Johnsburg, Illinois", homenagem para Kathleen Brennan. O lado experimental mistura-se com o country em "16 Shells From a Thirty-Ought-Six" e apresenta uma mistura peculiar de instrumentos em "Town with No Cheer" e "In the Neighborhood", faixas com ares de cabaré dos anos 1920.

"Just Another Sucker on the Vine" abre o lado B de maneira bem melancólica e ajuda a apresentar a seguinte, "Frank's Wild Years", um interlúdio com Waits contando uma história ("His wife was a spent piece of used jet trash made good Bloody Marys, kept her mouth shut most of the time had a little chihuahua named Carlos that had some kind of skin disease and was totally blind").

Retornando ao lado cabaré do álbum, a faixa título mistura o lado experimental com a poesia de Waits em uma faixa com uma história de final inesperado e coloca o pessoal para dançar em "Down, Down, Down", um jazz agitado com ótimos momentos no vocal e na parte instrumental, então a melancolia chega com tudo na triste história de "Soldier's Things".

O cheio de cigarro e uísque barato surge automaticamente nos primeiros segundos de "Gin Soaked Boy", enquanto "Trouble's Braids" soa um experimento musical feito quase às escondidas de tão sinistro e ousado, e a melancólica faixa instrumental "Rainbirds" encerra o trabalho com maestria.

"Swordfishtrombones" é dessas obras de difícil digestão de primeira, mas só melhora com o passar dos anos. Waits quis dar uma chance a si e ao próprio potencial como produtor para traduzir certas coisas que só ele compreendia musicalmente na própria cabeça. Acabou lançando um dos melhores e mais influentes discos dos anos 1980.

Ficha técnica

Lado A

1 - "Underground" (1:58)
2 - "Shore Leave" (4:12)
3 - "Dave the Butcher" (instrumental) (2:15)
4 - "Johnsburg, Illinois" (1:30)
5 - "16 Shells From a Thirty-Ought-Six" (4:30)
6 - "Town with No Cheer" (4:22)
7 - "In the Neighborhood" (3:04)

Lado B

1 - "Just Another Sucker on the Vine" (instrumental) (1:42)
2 - "Frank's Wild Years" (1:50)
3 - "Swordfishtrombone" (3:00)
4 - "Down, Down, Down" (2:10)
5 - "Soldier's Things" (3:15)
6 - "Gin Soaked Boy" (2:20)
7 - "Trouble's Braids" (1:18)
8    "Rainbirds" (instrumental) (3:05)

Gravadora: Island
Produção: Tom Waits
Duração: 41min41

Tom Waits: vocal, cadeira, órgão Hammond B-3, piano, harmônio, sintetizador e sino da liberdade

Victor Feldman: baixo marimba, marimba, chocalho, bumbo com arroz, baixo boobam, tambor de freio, placa de sino, caixa, órgão Hammond B-3, sinos, conga, bateria Dabuki, pandeireta e tambor falante
Larry Taylor e Greg Cohen: baixo acústico e baixo
Randy Aldcroft: saxofone barítono e trombone
Stephen Taylor Arvizu Hodges: bateria, caixa, prato e harmônica de vidro
Fred Tackett: guitarra e banjo
Francis Thumm: tubos de metal e harmônica de vidro
Joe Romano: trombone e trompete
Anthony Clark Stewart: gaita de foles
Clark Spangler: sintetizadores
Bill Reichenbach Jr. e Dick Hyde: trombone
Ronnie Barron: órgão Hammond
Eric Bikales: órgão
Carlos Guitarlos: guitarra
Richard Gibbs: harmônica de vidro

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