Discos para história: She's So Unusual, de Cyndi Lauper (1983)

História do disco

"She's So Unusual", de Cyndi Lauper, chegou na quarta posição na parada de lançamentos dos Estados Unidos na semana de estreia, empurrado pelo hit ""Girls Just Want to Have Fun"", colocado nas lojas pouco mais de um mês antes. Ao todo, a partir de 14 de outubro de 1983, o álbum ficou 77 semanas seguidas na parada, sendo um dos mais vendidos em 1984. Ao final daquela década, foi considerado um dos melhores discos do período, símbolo da volta por cima de uma mulher de 30 anos perto de abandonar a música várias vezes.

Como muitas pessoas daquela geração, Cynthia Ann Stephanie Lauper começou cantando em bandas covers em meados dos anos 1970, um caminho completamento oposto ao da mãe. Na época, ela foi impedida pela avó da futura cantora por achar que só gente de segunda linha trabalhava com música. Lauper precisaria superar muitas dificuldades ao longo dos primeiros anos para conseguir o mínimo para sobreviver.

Desprezada por professores e sem qualquer experiência por ser muito jovem, passou muitos anos limpando mesas em restaurantes e indo em um tempo Hare Krishna atrás de qualquer trabalho em troca de comida. Os pais da melhor amiga, apelidada de Wha, ajudavam ambas com um teto e comida quando necessário, mesmo não sendo ricos.

Estou no Twitter e no Instagram. Compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!

Entre mudanças de estado, namorados e empregadores abusivos, a paixão pela arte, a pintura em especial, a mantinha vida e minimamente equilibrada. Só em 1972, quando fixou residência em Nova York, foi que a paixão pela música a pegou. Um dia, em uma aula de pintura, Lauper estava cantando e um dos alunos a elogiou e disse: "você deveria cantar profissionalmente".

Ao começar em uma banda como vocalista de apoio, foi expulsa logo que o empresário viu mais potencial nela do que no vocalista principal. Para recomeçar o sonho na banda Flyer, trabalhou como stripper em uma boate para conseguir comprar um microfone e um sistema de PA decente. Em um desses golpes do destino, conheceu o saxofonista John Turi, abandonou os novos companheiros para fundar o Blue Angel, um grupo de new wave com toques de rockabilly. Eles acabaram sendo descobertos pelo empresário Steve Massarsky, que conseguiu um contrato com a Polydor para eles.

Massarsky, a gravadora e 99% das pessoas que acompanhavam a cena na época diziam a mesma coisa: Lauper tinha enorme potencial para seguir em carreira solo e não precisava depender de banda alguma para atingir o sucesso. Mas ela não queria, então a relação com o empresário começou a azedar a partir disso.

O Blue Angel lançou um disco, "Blue Angel", em 1980 e foi um completo fracasso. Quem ouviu, gostou. O problema era o número de fãs era insuficiente para encher qualquer lugar, transformando o grupo em mais número na coleção dos irrelevantes. A irritação chegou ao limite, e eles acabaram demitindo Massarsky, que pediu US$ 80 mil de indenização por não cumprimento de contrato. Ele ganhou e a banda acabou. 

Mais álbuns dos anos 1980:
Discos para história: The Hurting, do Tears for Fears (1983)
Discos para história: O Ritmo do Momento, de Lulu Santos (1983)
Discos para história: Power, Corruption & Lies, do New Order (1983)
Discos para história: Tempos Modernos, de Lulu Santos (1982)
Discos para história: 1999, de Prince (1982)
Discos para história: Peperina, do Serú Girán (1981)

Falida e sem perspectiva, ela trabalhou como garçonete pela manhã e cantarava nas boates no período noturno para sobreviver. Para piorar a situação, um cisto apareceu na garganta. Com uma cirurgia marcada, as possibilidades de voltar a cantar eram praticamente nulas. Em um desses milagres, Lauper voltou melhor do que antes. Nesse momento, entrou a figura David Wolff, futuro produtor e empresário de diversos artistas, que pediu uma chance para agenciar a carreira da cantora. Como última esperança, ela topou. Perto dos 30 anos, já não tinha mais nada a perder. Em poucas semanas, tinha tantas propostas na mesa que pôde escolher. E acabou assinando com a Epic, para ter o disco de estreia lançado pela subsidiária Portrait.

Sem perder tempo, a gravadora recomendou o produtor Rick Chertoff, que logo indicou o Hooters, uma banda que misturava rock, reggae e ska que ele produziu. Todo mundo foi levado para um estúdio na Filadélfia, onde começaram os primeiros ensaios. Só chegando lá que Lauper descobriu que nada do planejado por ela era aceito e ainda precisaria gravar músicas que não queria, como uma tal de "Girls Just Want to Have Fun", composta por Robert Hazard — na cabeça dela, um homem jamais saberia escrever sobre os sentimentos de uma mulher.

Os primeiros dias foram ruins, para falar o mínimo. A falta de confiança entre as partes atrapalhava qualquer chance do processo criativo funcionar de maneira adequada. Só com o tempo, Lauper provou saber de música e exatamente o queria gravar. Ao final das gravações de "All Through The Night", "When You Were Mine" e "Money Changes Everything", todos ficaram mais confortáveis e o trabalhou fluiu como precisava fluir, o suficiente para convencer a cantora a gravar "Girls Just Want to Have Fun".

Ao longo do processo de gravação, os diretores do selo ficaram tão felizes com a versatilidade do álbum, das baladas dançantes até momentos reflexivos, que decidiram dar um presente a ela: "Time After Time", composição dela com Rob Hyman, seria o primeiro single do álbum. Mas ela recusou por sentir que a estreia precisava ser algo animado, para cima, que a representasse de alguma maneira. E a então música desprezada foi escolhida por ela para ser a cara de "She's So Unusual". 

Veja também:
Discos para história: Swordfishtrombones, de Tom Waits (1983)
Discos para história: Marcos Valle, de Marcos Valle (1983)
Discos para história: Violent Femmes, do Violent Femmes (1983)
Discos para história: Infame, do Babasónicos (2003)
Discos para história: La Era de la Boludez, do Divididos (1993)
Discos para história: Clics Modernos, de Charly Garcia (1983)

Ainda demorou um pouco, mas a canção explodiu nas paradas, levando o disco a não demorar muito para assumir o primeiro lugar. "She's So Unusual" ficaria 77 semanas na lista dos mais vendidos, um recorde para uma artista feminina na época. Seria o primeiro de cinco singles de sucesso, incluindo o primeiro lugar com "Time After Time". Era redenção de, enfim, uma vitoriosa na música, uma pessoa desprezada por praticamente todo mundo e considerada "esquisita" por muitos.

"Isso fortaleceu todos nós, os 'malucos'. Nos levantamos e mostramos a eles quem éramos. Não era 100% o que eu queria e só pude contribuir com algumas músicas que escrevi, mas o som, a capa e os clipes que fizemos para o álbum foram criados por mim, e isso foi muito legal. Estou orgulhosa de ter feito um disco que durou tanto", disse Lauper para 'Classic Pop Mag'.


Crítica de "She's So Unusual"

Muita gente não sabe, mas "She's So Unusual" tem apenas quatro composições originais com sete covers. Isso gerou o primeiro atrito entre Lauper, o produtor Rick Chertoff e a banda Hooters. Por isso, é fundamental entender a participação da cantora nos arranjos, um dos principais pontos do trabalho. Antes de qualquer coisa, era importante deixar as canções com a cara dela.

Começar com o animado cover de "Money Changes Everything", do The Brains, era mostrar a força coletiva dessa união que ficou por um fio de desmoronar. E como Lauper mesmo provou ao longo da vida antes da fama, dinheiro muda tudo, cantado em uma balada de forte refrão e com arranjos que soariam velhos uma década atrás, mas voltaram a ser moda recentemente.

Escrita por um Robert Hazard em 1979 e desprezada por Lauper no início das gravações, "Girls Just Want to Have Fun" foi compreendida pela cantora como uma espécie de mensagem positiva para as mulheres, cada vez mais em segundo plano no início dos anos 1980. Para ela, era uma espécie de grito de libertação e, com ajuda da mistura de ska com reggae, fez da música o maior sucesso da carreira e uma das mais reconhecíveis dos últimos 40 anos.

Presente no álbum "Dirty Mind", de 1980, a canção escrita por Prince chamada "When You Were Mine" traz a traição e um lado do relacionamento completamente cego, com o teclado e o sintetizadores dando o tom. Para fechar o lado A, "Time After Time", a primeira de quatro inéditas, é uma balada romântica de alto nível e de arranjo simples, teve o nome retirado de uma série de TV de mesmo nome e marcou para sempre a vida de Lauper ao ser a primeira música dela no topo das paradas dos Estados Unidos.

Com letra vaga o suficiente para tocar nas rádios sem causar nenhuma polêmica, a divertida "She Bop" fala sobre masturbação feminina usando gírias e frases como "because I can't stop messing with the danger zone", já a simples e cheia de sintetizadores "All Through the Night", de Julio Shear, conseguiu o feito de ficar entre as cinco mais tocadas sem ter um clipe na MTV, algo considerado quase impossível na época.

Ser acompanhada por banda versátil tem suas vantagens, como fazer de "Witness" um ska cheio de sintetizadores para deixá-la bem dançante na medida certa e "I'll Kiss You" chega com aquela carga de ter sido realmente lançada nos anos 1980 — do refrão ao estilo do vocal, tudo lembra ombreiras e o filme "Mulher Nota 1000". A bobinha "He's So Unusual" e a dançante "Yeah Yeah" fecham o trabalho.

Ficha técnica 

Tracklist: 

Lado A 

1 - "Money Changes Everything" (Tom Gray) (5:06)
2 - "Girls Just Want to Have Fun" (Robert Hazard) (3:58)
3 - "When You Were Mine" (Prince) (5:06)
4 - "Time After Time" (Cyndi Lauper/ Rob Hyman) (4:01) 

Lado B 

1 - "She Bop" (Lauper/ Rick Chertoff/ Gary Corbett/ Stephen Broughton Lunt) (3:47)
2 - "All Through the Night" (Jules Shear) (4:33)
3 - "Witness" (Lauper/ John Turi) (3:40)
4 - "I'll Kiss You" (Lauper/ Shear) (4:12)
5 - "He's So Unusual" (Al Sherman/ Al Lewis/ Abner Silver) (0:45)
6 - "Yeah Yeah" (Hasse Huss/ Mikael Rickfors) (3:18) 

Gravadora: Portrait
Produção: Rick Chertoff
Duração: 38min42 

Cyndi Lauper: vocal, vocal de apoio e arranjos 

Rob Hyman: teclado, vocal de apoio e arranjos
Richard Termini e Peter Wood: sintetizadores
Eric Bazilian: arranjos e gaita, guitarra, baixo, saxofone e vocal de apoio
Rick DiFonzo: guitarra
Neil Jason: guitarra e baixo
William Wittman: guitarra e arranjos
Anton Fig: bateria, bateria eletrônica e percussão
Rick Chertoff: percussão e arranjos
Krystal Davis, Ellie Greenwich, Jules Shear, Maeretha Stewart e Diane Wilson: vocal de apoio

Comentários