Discos para história: La Era de la Boludez, do Divididos (1993)

História do disco

O início de uma banda nunca é fácil: pouca gente nos shows, falta de atenção das pessoas, desconfiança de gravadoras e, muitas vezes, falta de apoio dos familiares. Mas, para os Divididos, tudo isso parecia ter ainda mais peso. Banda fundada a partir do fim do grupo Sumo, o trio formado por o guitarrista Ricardo Mollo, o baixista Diego Arnedo e o baterista Gustavo Collado chegou a se chamar La Divisón antes de mudar para o nome definitivo.

Em 1988, eles começaram a tocar o próprio repertório ao vivo e conseguiram chamar atenção da Columbia/Sony Music, que financiaram a gravação de "40 dibujos ahí en el piso", primeiro álbum de estúdio, de 1989. Mas foi três anos depois, em 1991, com o lançamento de "Acariciando lo áspero" que a banda foi, gradualmente, se transformando no fenômeno que seria em breve, já com o baterista Federico Gil Solá no lugar de Collado. Para divulgar o repertório do segundo disco, acabaram fazendo uma série de apresentações no lendário Estádio Obras Sanitarias, em 1992, lugar de shows históricos do rock argentino.

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Esses espetáculos acabaram sendo uma ótima oportunidade para colocar em prática novas canções que estavam sendo trabalhadas nesse período. Com o lugar cada vez mais cheio e a banda fazendo cada vez mais sucesso, acabaram deixando a Interdisc para assinar com a Polygram para um novo álbum de estúdio, o terceiro da carreira e o terceiro por uma gravadora diferente.

Para eles, não era nada fácil seguir com a carreira pelas comparações com o vocalista ítalo-argentino Luca Prodan, líder do grupo histórico Sumo, banda da qual Mollo e Armedo fizeram parte. A morte de Prodan, em 1987, em consequência, segundo a versão oficial, de uma parada cardíaca — outras versões falam em overdose de heroína e metadona, mas nunca foram investigadas pelas autoridades — mudou o futuro de todos eles, com uma banda virando outras duas. Seguir buscando o próprio som e uma identidade era o melhor caminho, apesar das críticas e de estarem sempre no limite de terminar com tudo. 

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Com o investimento da Polygram em apostar alto no sucesso, o trio foi mandado para Los Angeles para gravar o novo disco de estúdio com Gustavo Santaolalla na produção. Morando nos Estados Unidos desde 1978 para fugir das proibições e perseguições da ditadura militar argentina, o músico firmou-se como um dos melhores produtores do rock argentino ao longo de mais de uma década. Mas, diferentemente de outros trabalhos, a metodologia de trabalho não funcionou com o Divididos.

Antes de iniciar a produção de fato de um disco, Santaolalla pedia de 30 a 40 músicas demos para ouvir e descartar logo de cara o que não funcionava. Mas Mollo não trabalhava assim e dificilmente escrevia qualquer coisa antes de entrar no estúdio e sentir a atmosfera do lugar. Quando o produtor ouviu as primeiras letras praticamente prontas, cravou com todas as letras: "não temos nenhum hit aqui". Era uma facada e soava uma perda de tempo para todos ali. 

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Na casa alugada para o trio, Mollo e Arnedo escreveram um riff pesado e sem letra, feita a partir das memórias deles da infância usando palavras ambíguas e um andamento nada pop. Assim nascia "Paisano de Hurlingham", a primeira música que fez Santaolalla e Aníbal Kerpel acreditarem no desenvolvimento do trabalho. O ânimo foi geral e a coisa começou finalmente a fluir entre produtores e banda.

Lançado em 13 de setembro de 1993, "La Era de la Boludez" é o antes e do depois na carreira dos Divididos. Finalmente reconhecidos como músicos competentes e com um sucesso nas mãos, o passado era apenas uma lembrança a ser recordada, não um pesadelo para atrapalhar o presente. Em 2007 e em 2013, o álbum ocuparia a sétima posição na lista dos 100 discos mais importantes do rock argentino da Rolling Stone.


Crítica de "La Era de la Boludez"

Um dos trunfos do álbum está na mistura de sonoridades, uma característica da banda que Santaolalla e Kerpel conseguiram ampliar ainda mais. Para começar, "Salir A Asustar" traz um funk misturado com rock experimental que vai fundo na busca por uma identidade musical e pessoal em uma curta e empolgante letra. E esse experimento segue em "Ortega Y Gases", que traz a inspiração da música folclórica pela primeira vez no trabalho.

O cover de "El Arriero", do músico Atahualpa Yupanqui, coloca a faixa sob uma nova perspectiva ao apresentá-la como um rock psicodélico. E se "Salir A Comprar" lembra a cumbia popularizada pelo agora ex-jogador Carlos Tevez no Brasil, com grande destaque para o baixo, o reggae "Que Ves?" foi um dos grandes sucessos do trio na América Latina e ganhou uma versão em português da banda Tijuana no início dos anos 2000.

O lado místico da cultura argentina aparece na faixa instrumental "Pestaña De Camello", mas eles aceleram mesmo na agitada "Rasputin / Hey Jude", que, por conta do palavrão na letra engraçada, nunca foi liberada nos serviços de streaming. O ritmo caribenho de "Dame Un Limón" ganha o ouvinte de cara pela suavidade e tranquilidade, enquanto é possível entender os motivos que levaram a banda e a produção a acreditar fortemente em "Paisano De Hurlingham": cheia de guitarras e um ótimo refrão ("Abejas con Ombú/ Viajando en el panal/ Sable recto en estación/ Berretín de mayor") fizeram dela um merecido sucesso.

Em "Cristofolo Cacarnu" e "El Indio Deja El Mezcal", a banda usa o reggae para contar duas importantes histórias e o ouvinte é convidado a se envolver profundamente ao longo da audição. Claro, não poderia faltar uma espécie de tango misturado com música tradicional, presente em "Huelga De Amores", e o final ainda traz "Tajo C", um experimento musical com uma letra engraçadinha. 

Ainda com resquício da ditadura militar, "La Era de la Boludez" apresenta uma série de letras que misturam momentos importantes da vida dos músicos e uma série de gracejos em momentos cheios de experimentações de teor pop em misturas de vários gêneros. Pode soar confuso, mas foi assim que os Divididos conseguiram finalmente criar uma identidade musical para o prosseguimento da carreira. Considerado um dos melhores álbuns de rock argentino, o trabalho é um dos fundamentais para entender a Argentina com eleições livres e democráticas.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Salir A Asustar" (3:20)
2 - "Ortega Y Gases" (Mollo, Arnedo, Gil Solá, Néstor Morales) (2:32)
3 - "El Arriero" (Atahualpa Yupanqui cover) (6:38)
4 - "Salir A Comprar" (4:38)
5 - "Que Ves?" (5:13)
6 - "Pestaña De Camello" (1:27)
7 - "Rasputin / Hey Jude" (Mollo, Arnedo, Gil Solá / John Lennon, Paul McCartney) (3:54)
8 - "Dame Un Limón" (Mollo, Arnedo, Gil Solá, Gustavo Santaolalla) (3:57)
9 - "Paisano De Hurlingham" (3:58)
10 - "Cristofolo Cacarnu" (2:40)
11 - "El Indio Deja El Mezcal" (4:12)
12 - "Huelga De Amores" (1:53)
13 - "Tajo C" (Mollo, Arnedo, Gil Solá, Rubén Pais) (2:47)
14 - "Pestaña De Camello" (4:11)

Todas as músicas foram escritas por Ricardo Mollo, Diego Arnedo e Federico Gil Solá, exceto as marcadas

Gravadora: Polygram
Produção: Gustavo Santaolalla e Aníbal Kerpel
Duração: 51min23

Ricardo Mollo: vocal, violão e guitarra
Diego Arnedo: baixo e vocal de apoio
Federico Gil Solá: bateria e percussão

Luis Conte: percussão
Bruce Fowler: trombone
Melissa Hasin: violoncelo
Gustavo Santaolalla: percussão, charango, tubos e vocal de apoio
Aníbal Kerpel: vibrafone e órgão Hammond

Doug Schwartz, Tony Peluso, Craig Porteils: engenheiro de som
Danny Alonso e Gabriel Sutter: engenheiro assistente
Steve Hall: masterização

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