Discos para história: Peter, Paul and Mary, de Peter, Paul and Mary (1962)


História do disco

A cena folk de Nova York do final dos anos 1950 e início dos anos 1960 ficou muito famosa ao longo dos anos por revelar um dos grandes músicos do século XX: Bob Dylan. Mas o lugar também foi palco de outras lendas, como a geração mais antiga liderada por Pete Seeger e suas músicas de protesto, e pelo trio arrasa-quarteirão Peter, Paul e Mary, formado pelo empresário e produtor da Columbia Albert Grossman.

A história da cena folk começa no final dos anos 1940, quando o grupo chamado Weavers, formado por Lee Hays, Seeger, Fred Hellerman e Ronnie Gilbert se reúniram para cantar sobre os problemas do povo americano durante o período da guerra e, assim, manter a tradição iniciada por Woody Guthrie alguns anos antes. Eles foram considerados comunistas pelo Macarthismo e encerraram as atividades em 1952, mas deixaram uma legião de fãs.

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Essa demanda gerou o nascimento e reformas de clubes e bares para receber esses artistas que precisavam de muito pouco para fazer uma apresentação: um banquinho e um ou dois instrumentos no máximo. E com eles veio o renascimento de algumas canções tradicionais da cultura americana, perdidas em meio ao sucesso de outros gêneros musicais ao longo da primeira metade do século XX.

Empurrados para underground, esses artistas encontraram refúgio em lugares como o Greenwich Village, em Nova York. Não era o melhor bairro do mundo para a maioria das pessoas com um emprego ou família, mas era bom o suficiente para esses artistas mais à esquerda do espectro político. A efervescência artística acabou atraindo gente mais jovem em busca de uma oportunidade para mostrar o próprio trabalho.

Cada futuro integrante do Peter, Paul and Mary veio de um lugar diferente. Mary Allin Travers nasceu 1936 e, criada no Greenwich Village, cresceu com a consciência política e artística da época — era uma versão ainda mais politizada de Joan Baez, da mesma geração. Ela desde muito cedo fez parte de grupos vocais e era membro atuante da cena musical folk, seja como artista, organizadora de pequenos eventos ou dando apoio aos colegas.

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Já Paul Stookey, nascido Noel Paul Stookey em 1937, começou a carreira no R&B e, ainda na infância, aprendeu a tocar violão e logo ingressou na música. Ao chegar no Village, se enturmou com o pessoal do folk e logo aprendeu as músicas tradicionais com Travers, de quem ficou amigo e logo começam a compor juntos. Por fim, Peter Yarrow, nascido em 1938, era formado em psicologia na Cornell University quando, por acaso, conheceu a música folk quando trabalhava como professor assistente. Também no Village, acabou sendo descoberto e apareceu em um programa da CBS sobre música folk. Lá, conheceu Grossman.

O empresário tinha a ideia de formar um trio de música folk para explorar essa demanda de popularidade que havia pelo gênero. E dá para dizer que o trio foi uma criação 100% dele, que chegou a fazer testes com outros artistas, descartados por vários motivos — ego, pouco comercial, falta de presença de palco e outros variados motivos. Quando ele viu as apresentações de cada um, os enxergou como um potencial trio coeso. Mas, para isso acontecer, ele precisaria dar-lhes tempo de ensaio. E deu.

Sete meses de ensaios depois, o trio Peter, Paul and Mary, com Noel usando nome artístico Paul, estreou. Com apoio do arranjador Milt Oku, eles construíram um trio vocal equilibrado em uma preparação pouco vista na música. Eles saíram de cena por quase um ano para, em 1961 no The Bitter End, serem aclamados na primeira apresentação. Depois disso, era praticamente impossível conseguir um lugar em um show do trio, que entrou em turnê praticamente sem pausa ao longo de uma década.

Esse interesse do público gerou uma corrida das gravadoras para tê-los. Quem venceu foi a Warner Bros., que os contratou para lançar o primeiro álbum da carreira em 1962. Para eles, há algum tempo na música, era uma chance de ouro. Para a gravadora, apostar em um artista folk era bom por dois motivos: o primeiro era o baixo custo da gravação em si, que não demandava muita gente; o segundo era se, caso não desse certo, o prejuízo era mínimo.

Veja também:
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O primeiro teste foi o lançamento de "Lemon Tree" como primeiro single da carreira. A música foi bem e chegou na 35ª posição da parada nos Estados Unidos, um feito e tanto. Havia muito potencial ali a ser explorado, então lançar o primeiro álbum o mais rápido possível era a principal meta da Warner no primeiro trimestre de 1962. E assim foi feito.

Lançado em março, o LP do trio começou da melhor maneira possível ao estrear na primeira posição da parada. E não "só" isso, também foi um fenômeno de vendas ao ficar no top-10 por dez meses, permanecer entre os 20 mais vendidos por dois anos e não deixar a lista dos 100 ao longo de quase quatro anos.

Peter, Paul and Mary iniciaram a carreira no topo, algo muito difícil em qualquer época, mas eles não imaginariam que explodiriam de vez com "If I Had a Hammer", o hino da luta dos Direitos Civis. O trio virou um verdadeiro fenômeno e, no final de 1963, tinha três discos entre os mais vendidos nos Estados Unidos.


Resenha de "Peter, Paul and Mary"

O primeiro álbum de Peter, Paul and Mary não tem muito segredo: é uma coleção de nove canções que eles apresentavam nos shows, essas de artistas clássicos do folk ou canções tradicionais sem "dono". O LP abre com animada "Early in the Morning", a primeira de três composições inéditas.

Um dos grandes sucessos da história deles é a interpretação de Mary Travers para "500 Miles", música que, ainda como reflexo do final da Segunda Guerra Mundial, fala sobre como é ficar tanto tempo longe de casa e sem dinheiro para voltar — algo muito comum na vida dos cantores folk das décadas de 1930 e 1940.

Outra comum no folk são as baladas melancólicas falando em viajar carregado de tristeza ao deixar para trás o lugar de origem ou onde resolveu fincar raízes. "Sorrow" apresenta ao público essa canção enquanto a balada agitada "This Train" fala da vida cotidiana em viajar de trem pelos Estados Unidos.

O lado A encerra com a grudenta "Bamboo" ("You take a stick of bamboo/ You take a stick of bamboo/ You take a stick of bamboo/ You throw it in the water/ Oh, oh, Hanaah") e "It's Raining" (It's raining, it's pouring, the old man is snoring/ Bumped his head and he went to bed/ And he couldn't get up in the mornin'/ Rain rain, go away, come again some other day), uma canção infantil sobre uma vida um tanto macabra por parte de uma criança — a primeira gravação oficial da faixa aconteceu em 1939.

A segunda parte do álbum começa com "If I Had My Way", com letra baseada no conto bíblico de Sansão e a traição cometida por Dalila para entregá-lo aos filisteus e matá-lo, o que não dá certo. A interpretação da canção tem um quê "ao vivo em estúdio" que mostra muito bem a força vocal do trio.

Em uma das muitas canções falando do impacto da Guerra do Vietnã, "Cruel War" traz a história de Johnny, convocado pelo exército, para lutar. Em uma medida desesperada, a namorada quer se disfarçar de homem para ir com ele. De início, ele a impede e faz o possível para dissuadi-la, mas acaba cedendo — é a segunda canção inédita do trio.

Entre duas canções pesadas está a balada romântica e simples "Lemon Tree". Com menos de três minutos, é bonitinha e bem fácil de aprender. Já "If I Had a Hammer" foi escrita para homenagear os líderes do Partido Comunista dos Estados Unidos em 1949 e aborda segregação, racismo, sexismo e direitos trabalhistas. Em pleno auge da luta pelos Direitos Civis nos Estados Unidos, a população abraçou a faixa e a transformou em um sucesso ao colocá-la na décima posição da parada nos Estados Unidos.

A terceira e última inédita é "Autumn to May", um conto muito delicado e poético que aborda a beleza das pequenas coisas do cotidiano das pessoas mais simples. E o LP encerra com "Where Have All the Flowers Gone?" ("Where have all the soldiers gone, long time passing?/ Where have all the soldiers gone, long time ago?/ Where have all the soldiers gone?/ Gone to graveyards, every one/ Oh, when will they ever learn?/ Oh, when will they ever learn?"), outra canção de protesto escrita por Pete Seeger e regravada pelo trio.

Peter, Paul e Mary não sabiam, mas estavam escrevendo um importante capítulo da música dos Estados Unidos. Com o imenso sucesso feito em 1962, o folk voltaria com tudo e seria base de muitas canções e outros artistas de sucesso em um futuro não muito distante.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Early in the Morning" (Noel Paul Stookey) (1:37)
2 - "500 Miles" (Hedy West) (2:48)
3 - "Sorrow" (2:53)
4 - "This Train" (2:11)
5 - "Bamboo" (Dave Van Ronk) (2:33)
6 - "It's Raining" (4:23)

Lado B

7 - "If I Had My Way" (Rev. Gary Davis) (2:25)
8 - "Cruel War" (Noel Paul Stookey/Peter Yarrow) (2:19)
9 - "Lemon Tree" (Will Holt) (2:57)
10 - "If I Had a Hammer" (Lee Hays/Pete Seeger) (2:10)
11 - "Autumn to May" (Noel Paul Stookey/Peter Yarrow) (2:46)
12 - "Where Have All the Flowers Gone?" (Pete Seeger) (3:55)

Gravadora: Warner Bros.
Produção: Albert Grossman
Duração: 33min14

Peter, Paul and Mary: vocal e instrumentos diversos

Milton Okun: diretor musical
Bill Schwartau: engenheiro de som

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