Discos para história: Carlos, Erasmo, de Erasmo Carlos (1971)


História do disco

O fim dos anos 1960 mostrou ao Brasil que até mesmo a Jovem Guarda precisaria acabar para crescer. Seus três principais expoentes, Roberto, Erasmo e Wanderléa, seguiram caminhos musicais dos mais interessantes quando o movimento/gênero musical foi arrefecendo até que a loucura da Tropicália chegou com tudo para se impor, musicalmente falando, como o novo dono do pedaço.

Óbvio que, entre os três, Roberto Carlos teve o maior sucesso. A partir do meio dos anos 1970, ele se enveredou pelo caminho romântico e virou o grande fenômeno de vendas daquela década. Mas, antes disso, Roberto e Erasmo partiram para outras coisas ainda durante a transição musical deles. A dupla estava evoluindo musicalmente, buscando outras coisas, se desafiando ao compor letras fora do conforto das rimas e arranjos fáceis.

Mais discos dos anos 1970:
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Ambos estavam sendo muito influenciados por outros artistas. O mais claro disso foi quando, em ambos os discos, começaram a gravar músicas mais na linha do soul. Uma surpresa, claro.Estava ali não uma ruptura com o passado, mas o acréscimo de uma novidade sonora e um frescor fundamental para dar prosseguimento às respectivas carreiras. Erasmo Carlos foi ainda mais além quando deixou a RGE e firmou contrato com a Phonogram, dona do selo Philips. Então conhecida como casa da MPB, bossa nova e samba, ele vislumbrava um novo horizonte musical para si.

Erasmo foi mais além do que Roberto em muitas coisas. Quando ficou sem gravadora, caiu no mundo e experimentou drogas, teve relações com diversas mulheres e bebeu em quantidades industriais. Ele também conheceu músicos incríveis e conseguiu algo raro nos dias de hoje: liberdade para gravar exatamente o que queria. Isso foi unir o útil (ter gente de altíssimo nível no estúdio) ao agradável (um repertório amplo que ia do samba ao soul).

Veja também:
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Se as pessoas estavam se dividindo em um Brasil ditatorial e sem perspectiva de futuro -- te lembra alguma coisa? --, Erasmo Carlos provou que somar esforços era muito melhor do que dividir. Caetano Veloso fez uma música sob encomenda direto do exílio em Londres, o gênio da guitarra Lanny Gordin esteve presente, assim como os Mutantes Sergio Dias na guitarra e Liminha na bateria, e Rogério Duprat contribuiu nos arranjos em duas músicas.

"Carlos, Erasmo" é o sétimo disco de estúdio de Erasmo Carlos e foi lançado em 1971. Para quem havia gravado "Festa de Arromba" e "Minha Fama de Mau", e era conhecido como o parceiro de Roberto Carlos, o cantor foi ousado. Ele já tinha entregado em "Erasmo Carlos & Os Tremendões" (1969) um trabalho muito popular. Mas em "Carlos, Erasmo" ele foi além ao unir tudo que gostava com um pessoal da pesada dando apoio. O resultado é o trabalho mais aclamado da carreira e até hoje reverenciado por fãs e críticos como o melhor trabalho do Tremendão.


Resenha de "Carlos, Erasmo"

Escrita por Caetano Veloso em Londres, "De Noite na Cama" é um soul bem brasileiro e que casa bem com alguns dos nomes do estilo de sucesso à época, como Tim Maia, Cassiano e Hyldon. É uma faixa com muito gingado e cheia de rimo, sendo dessas bem grudentas. É uma ótima e surpreendente abertura. A segunda faixa, "Masculino, Feminino", tem a participação de Marisa Fossa como contra-ponto de uma balada romântica de arranjo muito delicado.

Primeira parceria de Erasmo com Roberto no LP, "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo" é uma balada sobre a vida difícil para os brasileiros naquela época e conta com um belo arranjo de cordas, que ajuda a criar o tom dramático da letra. Outra cheia de suingue é "Dois Animais na Selva Suja da Rua". A letra traz esse lado mais sedutor do cantor, apoiado por um arranjo de cordas sensacional, já "Gente Aberta" tem o clima hippie do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970. É relaxante e bem gostosa de ouvir.



De Jorge Ben, "Agora Ninguém Chora Mais" é outra canção feita para dançar. Ao começar com o vocal de apoio dando tom, ela mostra todo seu poderio em ter acertar em cheio. Mas a surpreendente mesmo é "Sodoma e Gomorra", uma tragédia em forma de música cheia de referências a vários momentos históricos da cultura mundial -- olhando hoje, quem diria que Roberto Carlos seria coautor de uma canção assim? E é muito peculiar que essa mesma dupla tenha escrito a animada, mas também um tanto trágica, "Mundo Deserto".

"Não Te Quero Santa" traz novamente o espírito sedutor do cantor (Não te quero submissa as promessas e as missas/ E da feira até o leito, eu te quero e te aceito como és), enquanto "Ciça, Cecília" foi feita sob encomenda da Globo para a novela "A Próxima Atração". Essa canção contou com Arthur Verocai nos arranjos e regência e produção de Nelson Motta, e também recoloca o álbum no caminho do soul.


O tom gospel de "Em Busca das Canções Perdidas nº 2" ajuda a dar uma suavidade muito bonita nessa canção muito simples e cheia de profundidade. A parte final apresenta a animada "26 Anos de Vida Normal", de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, provavelmente a mais grudenta de todas. Também simples, transmite a mensagem de maneira muito direta. E a última é a dançante "Maria Joana", com sua clara referência à maconha -- outra escrita com Roberto --, que conta com a participação da Caribe Steel Band nos instrumentos.

"Carlos, Erasmo" é um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos ao conseguir aliar toda musicalidade de um cantor pronto para ir além dos sucessos e do programa na TV. Erasmo Carlos não estaria livre de ser para sempre uma das caras de Jovem Guarda, mas, pelo menos, sabia de seu potencial. E esse trabalho mostrou isso muito bem.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "De Noite na Cama" (Caetano Veloso) (3:17)
2 - "Masculino, Feminino" (Homero Moutinho Filho) (4:36)
3 - "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo" (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) (3:47)
4 - "Dois Animais na Selva Suja da Rua" (Taiguara) (3:08)
5 - "Gente Aberta" (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) (2:20)
6 - "Agora Ninguém Chora Mais" (Jorge Ben) (2:37)
7 - "Sodoma e Gomorra" (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) (2:18)
8 - "Mundo Deserto" (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) (2:32)
9 - "Não Te Quero Santa" (Saulo Nunes, Sergio Fayne, Vitor Martins) (2:49)
10 - "Ciça, Cecília" (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) (3:36)
11 - "Em Busca das Canções Perdidas nº 2" (Fábio, Paulo Imperial) (2:44)
12 - "26 Anos de Vida Normal" (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle) (2:18)
13 - "Maria Joana" (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) (3:44)

Gravadora: Philips
Produção: Manoel Barenbein, Erasmo Carlos e Nelson Motta
Duração: 39min05s

Erasmo Carlos: voz

Convidados:

Sergio Fayne: violão
Marisa Fossa: vocal em "Masculino, Feminino"
Antônio P. Filho: agogô
Arthur Verocai ("Ciça Cecília"), Chiquinho de Moraes e Rogério Duprat ("Maria Joana" e "26 Anos de Vida Normal"): arranjos e regência
Dirceu Medeiros: berimbau
Oswaldo Barro: cuíca
Flávio de Barros e Ronaldo P. Leme: bateria
Antônio Guize e Sergio Sznelwar: baixo
Aristeu, Lanny Gordin e Sergio Dias: guitarra
Arnolpho Lima Filho: guitarra e baixo
Regis Moreira: piano
Caribe Steel Band: instrumentos diversos



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