Discos para história: Paranoid, do Black Sabbath (1970)


História do disco

“Gravamos o [álbum] inteiro em cerca de dois ou três dias, ao vivo no estúdio. A música ‘Paranoid’ foi escrita como uma reflexão tardia. Basicamente, precisávamos de um preenchimento de três minutos para o álbum, e Tony veio com o riff. Eu rapidamente fiz as letras, e Ozzy estava lendo enquanto cantava", contou Geezer Butler em entrevista à 'Guitar World' em 2004. Essa fala dá bem o tom de como era o ritmo de gravação de uma banda então iniciante. E também serve para mostrar o talento do quarteto inglês que faria história com o segundo álbum da carreira.

"Segundo álbum?". Sim, "Paranoid", lançado em 18 de setembro de 1970, não foi o disco de estreia do Black Sabbath. No início do ano, precisamente em 13 de fevereiro, o grupo disponibilizou "Black Sabbath". É senso comum que esse trabalho não está entre os melhores, mas ajudou muito na construção sonora do que viria a ser a virada definitiva na carreira desses quatro rapazes nascidos ma fria, melancólica e burocrática Birmingham, ainda em reconstrução mais de duas décadas após o final da Segunda Guerra Mundial.

"Estávamos sem dinheiro, propriedades e prestígio. Não tínhamos nada. Quando ouço nosso primeiro álbum agora, posso ouvir a pureza da unidade de deixar todas as coisas terrenas de lado para se unir e criar algo. É maravilhoso", contou o baterista Bill Ward à revista 'Rolling Stone'.

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Após o lançamento do primeiro álbum, a banda saiu em turnê por seis semanas pela Europa e, assim que retornou, foi direto para o estúdio gravar o segundo álbum da carreira. À época, "Black Sabbath" foi mal recebido pela imprensa especializada e tudo que havia para ler sobre o LP eram críticas negativas, mas estava acontecendo uma pequena revolução por baixo dos panos. Muitos adolescentes nos Estados Unidos e no Reino Unido não queriam saber dos hippies ou da cultura "paz e amor". Eles queriam algo pesado, ainda mais pesado do que Led Zeppelin, Cream e Jimi Hendrix eram capazes de oferecer. A faixa-título foi o protótipo do heavy metal, canção até hoje copiada -- ainda que não diretamente -- por vários músicos do gênero em um futuro não tão distante. Havia espaço para melhora do grupo e os seis dias de gravação, três vezes mais o tempo total da estreia, ajudaria muito.

A turnê ajudou a afinar o repertório que seria gravado em estúdio em menos de uma semana. Era colocar a mão na massa para fazer o melhor que podia. Mas tentar captar em estúdio a atmosfera de uma banda iniciante em crescimento não é tarefa fácil para qualquer produtor até hoje. Por isso mesmo, Butler agradece muito ao produtor Rodger Bain por conseguir esse feito.

"Nós literalmente entramos e tocamos como se fosse um show. Não sabíamos nada sobre estúdios, produção ou engenharia [de som]. Nós apenas entramos, montamos [o equipamento] e tocamos ao vivo no estúdio e nos gravaram. Parece fácil, mas, na verdade, é uma coisa muito difícil de fazer. Muitos produtores tentaram isso, mas falharam terrivelmente. Mas Rodger tinha força para isso. Ele veio com algumas sugestões aqui e ali e nós fizemos", contou ele para 'Loudwire'.

Voltando ao início do texto, "Paranoid" entrou de última hora e foi composta apenas para completar as oito canções do álbum. O álbum se chamaria "War Pigs" e a capa já estava praticamente definida, mas a Warner gostou tanto de "Paranoid" que acabaram não só a escolhendo como single, como também virou o nome do trabalho. E é bem melhor do que "Walpurgis", nome escolhido inicialmente pelos quatro. O problema é que, por algum motivo, esqueceram ou não quiseram mudar a capa. Resultado: tem um cara, uma árvore, um fundo preto e o título de "Paranoid".

"Tem um cara parado ali com um escudo e uma espada, o título do álbum chamado 'Paranoid'. Imagine as perguntas que nos fizeram depois disso? 'O que isso tem a ver com 'Paranoid?' Bem, nada, realmente. Mas foi assim que aconteceu", explicou Tony Iommi.

O sucesso de "Paranoid" catapultou o grupo até o 'Top of the Pops', programa na Inglaterra que ditou as tendências na música por muito tempo. E o álbum foi um sucesso. Foram três semanas em primeiro lugar na parada do Reino Unido e nos Estados Unidos, apesar de a 'Rolling' Stone publicar uma resenha detonando o disco, o trabalho lançado no início de 1971 conseguiu o 12º posto na parada.

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Na época, esse feito era algo fantástico. O verso "no future", do Sex Pistols, ficaria famoso quase uma década depois, mas o futuro era algo tenebroso e melancólico para qualquer jovem nascido Birmingham com seus 20 anos no final dos anos 1960.

"Naquela época, a mentalidade do trabalhador era assim: você teve o mínimo de educação que pôde, aprendeu um ofício, eles lhe deram um trabalho de merda e então você se orgulhava dele, embora fosse um trabalho de merda. E então você fazia esse mesmo trabalho de merda para o resto da sua vida. Seu trabalho de merda era tudo", contou Ozzy Osbourne em seu livro de memórias chamado "Eu Sou Ozzy", lançado em 2010.

"Paranoid" não apenas mudou a vida de quatro jovens, como também influenciou várias e várias gerações de garotos e garotas que tiveram ou têm banda até hoje. Quando não havia perspectiva, o Black Sabbath abriu caminho fazendo algo único e duradouro.



Resenha de "Paranoid"

Pouca ou nenhuma pessoa percebe quando a história está sendo escrita diante dos olhos, então era impossível saber o impacto musical e cultural de "War Pigs" ao abrir "Paranoid". As primeiras notas da faixa com quase oito minutos são impactantes. Se impacta hoje, imagina há 50 anos? Imaginem só a reação do jovem cercado por hippies de todos os lados quando ouviu isso? A sensação de mergulhar em algo desconhecido e desse tamanho com essa potência ainda é especial como se fosse a primeira vez. O tom político contra a Guerra do Vietnã era fundamental e muito importante, já que eram garotos da classe trabalhadora britânica se posicionando. Dá um bom debate, mas, talvez, seja a melhor canção do Black Sabbath.

Na volta para um ensaio, o guitarrista Tony Iommi estava tocando um riff inédito, foi quando o compositor Geezer Butler aproveitou a chance para escrever a canção que faltava para completar o álbum. Essa canção era "Paranoid", outro clássico absoluto do LP. De tom bastante pessoal, o baixista faz um desabafo sobre pensar que estava enlouquecendo. O nome veio porque a banda, por esse comportamento dele, o achavam paranoico. Havia espaço para canções mais leves e um pouco mais de acordo com a época, como caso da etérea "Planet Caravan".

Para fechar o lado A, vem a arrebatadora "Iron Man". E o sucesso dela é dessas coisas inexplicáveis, já que a canção foi escolhida como single e foi muito mal, se comparada com "Paranoid". Com o passar dos anos, no entanto, a faixa foi ganhando simpatizantes pelo início cheio de efeitos na voz de Ozzy Osbourne e a guitarra cheia de peso de Iommi. Sem relação com o personagem da Marvel de mesmo nome, anos depois a canção faria parte da trilha sonora do filme "Homem de Ferro" (2008) e seria muito difícil desassociá-los.

O lado A do álbum é tão impactante que a segunda parte perde um pouco, mas só um pouco, do brilho. "Electric Funeral" abre os trabalhos falando sobre um eminente holocausto nuclear próximo por conta da Guerra Fria, um discurso completamente oposto ao dos hippies. A curiosidade sobre a canção é que Butler entrou errado várias vezes, então resolveram deixar no álbum e executar a versão "errada" para sempre.

Um assunto pouco abordado à época, e que só viria a ser tratado de fato quase 20 anos depois, era o constante uso de drogas das tropas que estavam voltando ou já haviam voltado do Vietnã. Inspirado pelo relato de um soldado, Butler escreveu "Hand of Doom" para um Ozzy melhor do que nunca cantar esse sofrimento. O destaque vai para a mudança que acontece a partir do minuto 2:15. Do nada, a canção acelera e Iommi e o baterista Bill Ward aparecem para brilhar.

O momento feito para Ward brilhar mesmo é na instrumental "Rat Salad", quando também é possível ouvir o baixo e a guitarra em um grande momento. O álbum termina com Ozzy cantando sobre os skinheads, quando eles eram "apenas" pessoas revoltadas com tudo e descontavam suas frustrações brigando antes ou depois dos jogos de futebol, em "Fairies Wear Boots".

Um álbum ainda muito impactante 50 anos depois do lançamento, "Paranoid" abriu caminho para o que viria a ser o heavy metal não só como fenômeno musical, mas também cultural. E o Black Sabbath, sem dúvida alguma, é uma das bandas mais influentes da história. E tudo começou em 1970.

Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "War Pigs" (7:57)
2 - "Paranoid" (2:48)
3 - "Planet Caravan" (4:32)
4 - "Iron Man" (5:56)

Lado B

5 - "Electric Funeral" (4:53)
6 - "Hand of Doom" (7:08)
7 - "Rat Salad" (instrumental) (2:30)
8 - "Fairies Wear Boots" (6:15)

Todas as músicas foram escritas pelo Black Sabbath

Gravadora: Vertigo
Produção: Rodger Bain
Duração: 41min51s

Ozzy Osbourne: vocais
Tony Iommi: guitarra; flauta em "Planet Caravan"
Geezer Butler: baixo
Bill Ward: bateria; congas em "Planet Caravan"

Tom Allom: engenheiro de som; piano em "Planet Caravan"
Brian Humphries: engenheiro de som

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