História do disco
Ronnie Von era um rapaz bonito e de família rica, então, nos anos 1960, escolher ser cantor era algo inconcebível. Ele foi mesmo assim. Com esses predicados, era um nome ideal para fazer parte da Jovem Guarda, certo? O movimento, que também tem suas vezes como gênero musical, sacudiu o Brasil e conseguiu chamar muito a atenção. Aqui, nessa terra Brasil bonita por natureza, os Beatles nunca tiveram a menor chance de ser o que eram nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Mas o cantor não queria se associado ao grupo. A pegada dele era outra.
Dentre os cantores e cantoras de sucesso daquela época, também por conta da condição financeira, ele foi um dos que teve mais contato e que ficou mais impactado com a música psicodélica feita no final dos anos 1960. O "Príncipe", como era chamado, não conseguia ser Jovem Guarda. Até por isso, “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, transmitido pela Record, em 1966, era contracultura pura e ajudou a imprensa a formatar uma rivalidade com o outro grupo, principalmente Roberto Carlos. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e outros músicos e compositores foram apresentados lá antes mesmo de a Tropicália ser formatada.
Mais álbuns dos anos 1970:
Discos para história: Let It Be, dos Beatles (1970)
Discos para história: Força Bruta, de Jorge Ben (1970)
Discos para história: Déjà Vu, de Crosby, Stills, Nash & Young (1970)
Discos para história: In Through the Out Door, do Led Zeppelin (1979)
Discos para história: Angela Ro Ro, de Angela Ro Ro (1979)
Discos para história: Rust Never Sleeps, de Neil Young with Crazy Horse (1979)
O sucesso de "A Praça", tema do programa "A Praça é Nossa" até hoje, fez do cantor um sucesso ao virar uma espécie de parâmetro de elegância e educação para os homens, e de homem para casar pelas mulheres. Mas ele queria muito mais. Influenciado pelo disco "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" (1967), dos Beatles, ele entrou de cabeça na música psicodélica da época em 1968 com o disco "Ronnie Von", o primeiro da trilogia de trabalhos inspirados nos livros de Antoine de Saint-Exupéry, autor de "O Pequeno Príncipe". Depois veio "A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nunca Mais" no ano seguinte. Se ele tinha dado o primeiro passo, esse novo LP era entrar de cabeça no estilo.
Era tudo muito estranho para público e gravadora. Afinal, todo mundo queria músicas ao estilo de "A Praça". Era um tipo de música bobinha, ingenua, bem ao estilo dos Beatles no início da carreira. Ronnie Von sabia que a banda britânica estava em outra fase, pelo menos desde a dobradinha "Rubber Soul" (1965) e "Revolver "(1966). Ele queria isso, esse tipo de música. Para coroar a sequência de trabalhos, veio o definitivo: "A Máquina Voadora", em 1970.
Dentre todos, acabou sendo o mais emblemático dos três. Nada de arranjos melosos, nada de bobagens nas letras. A pegada era outra. E o produtor Arnaldo Saccomani -- sim, esse mesmo, jurado de vários programas no SBT nas últimas décadas --, entrou na onda. Lá ia o "Príncipe", enfim, entrar no mundo que tanto desejava para si.
Veja também:
Discos para história: Ella Sings Gershwin, de Ella Fitzgerald (1950)
Discos para história: Stories from the City, Stories from the Sea, de PJ Harvey (2000)
Discos para história: Elvis Is Back, de Elvis Presley (1960)
Discos para história: Closer, do Joy Division (1980)
Discos para história: Violator, do Depeche Mode (1990)
Discos para história: Close to You, dos Carpenters (1970)
Como era de se esperar, ninguém entendeu nada. Os discos foram um fracasso de venda e simbolizaram um capricho de um cantor que já tinha tudo. Por muitos anos, principalmente "A Máquina Voadora", foram considerados álbuns menores da carreira de Ronnie Von e, até certo ponto, obras que não mereciam nem citação. Mais de duas décadas depois, de forma surpreendente, uma garotada nova descobriu o trabalho. E eles adoraram.
"A Máquina Voadora" simbolizou muita coisa para Ronnie Von, mas, principalmente, liberdade artística, mesmo correndo um enorme risco. Ele abandonou a música e virou apresentador, sendo ainda admirado por muita gente que o acompanha por suas polidez, educação e beleza. Tardiamente, ele conseguiu o reconhecimento artístico de seu trabalho musical além daquele início de carreira. E ele está vivo para ver isso, o que é ótimo, no final das contas.
Resenha de "A Máquina Voadora"
A faixa-título já abre o trabalho mostrando o que Ronnie Von gostaria de apresentar ao público. O arranjo caprichado conta com uma banda de primeiro nível para ajudá-lo a dar o tom necessário da história desse álbum conceitual sobre uma de suas paixões: a aviação. Na sequência vem "Baby De Tal", uma bela balada composta por Arnaldo Saccomani que tem no piano do arranjo o grande trunfo para encantar.
Se "Verão Nos Chama" tem um riff de guitarra distorcida em uma canção para lá de animada e símbolo da imagem de um Brasil que anda em falta, "Seu Olhar No Meu" é uma melancólica balada que, se tivesse sido gravada uns cinco anos antes, teria uma cara de samba-canção. Mas aqui o vocal é distorcido e os efeitos criam todo um clima que remete àquele passado que nunca vivi.
"Imagem" consegue manter um clima dos mais interessantes, algo muito próximo de "Revolver", dos Beatles", para surgir "Continentes e Civilizações" -- essa completamente diferente de todo material do álbum ao ser declamada como se fosse uma poesia por quase dois minutos. A parte cantada surge e para ter sido escolhida a dedo para encerrar o lado A.
A segunda parte do LP começa bem animada com "Viva O Chopp Escuro", outra faixa que exalta o dia a dia de beber uma "chopp escuro no calor". Uma surpresa é ouvir "Enseada", canção composta por Renato Teixeira, um dos melhores compositores brasileiros dos últimos 50 anos. E é incrível como Ronnie Von toma posse e a torna sua, como se ele realmente tivesse vivido tudo isso. É uma das mais bonitas da discografia do cantor.
Mesmo ao homenagear a filha recém-nascida na delicada e bonita "Tema De Alessandra", o tom não baixa nenhum pouco. O final do álbum reserva espaço para a balada "Águas De Sempre", uma canção mais melancólica chamada "Cidade" e o final ainda reserva espaço para "Você De Azul (II Tema De Alessandra)", a continuação de "Tema De Alessandra".
"A Máquina Voadora" é, antes de qualquer coisa, um álbum muito corajoso. Ronnie Von poderia ter ficado cantando a mesma coisa a vida inteira, mas foi lá e fez os trabalhos que desejava. Não venderam bem, não foram reconhecidos, muita gente não gostou à época. Como diria minha mãe -- aliás, fã de Ronnie Von e "A Praça" --, o tempo é o senhor da razão. E, no fim das contas, ele estava certo.
Ficha técnica
Tracklist:
Lado A
1 - "Máquina Voadora" (San Martin e Ronnie Von) (2:47)
2 - "Baby De Tal" (Arnaldo Saccomani) (2:39)
3 - "Verão Nos Chama" (Martin e Ronnie Von) (2:19)
4 - "Seu Olhar No Meu" (Martin e Ronnie Von) (3:10)
5 - "Imagem" (Martin e Ronnie Von) (2:57)
6 - "Continentes e Civilizações" (Jean Pierre e Tom Gomes) (3:28)
Lado B
1 - "Viva O Chopp Escuro" (Martin e Ronnie Von) (3:15)
2 - "Enseada" (Renato Teixeira) (3:04)
3 - "Tema De Alessandra" (Martin e Ronnie Von) (2:19)
4 - "Águas De Sempre" (Martin e Ronnie Von) (2:42)
5 - "Cidade" (Eustáquio Sena e Paulinho Tapajós) (2:31)
6 - "Você De Azul (II Tema De Alessandra)" (Martin e Ronnie Von) (4:02)
Gravadora: Polydor
Produção: Arnaldo Saccomani
Duração: 35 minutos
Ronnie Von: vocal
Cacho Valdez e Tony Osanah: guitarra
Anuak Nahas: teclado
Sérgio Maruco: baixo
Marcelo Frias e Ademir Urbina: bateria
Djalma Melin e Francisco Moraes: arranjos
João Kibelkstis, Marcus Vinicius e Stelio Carlini: engenheiro de som
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