Discos para história: A Rainha Canta, de Angela Maria (1955)


História do disco

Angela Maria (1929-2018) foi uma das cantoras mais importantes da história da música brasileira no século 20. A "Rainha do Rádio" lançou discos históricos, seja interpretando canções dos grandes compositores da época ou em parcerias com Cauby Peixoto ou Agnaldo Timóteo. Mas, como era de se esperar, o início de carreira não foi dos mais fáceis.

Filha de um pastor protestante, a jovem Abelim Maria da Cunha cantava no coral da igreja, um começo de carreira nada incomum. O problema estava nos conflitos com o pai, que se estenderam por toda família, que a proibia de cantar fora do culto. No final dos anos 1940, ela começou a fugir de casa para cantar na rádio. Para ninguém descobrir a peripécia, surgiu a ideia de mudar de nome. Foi aí que nasceu a cantora Angela Maria. Em entrevista ao "The Noite com Danilo Gentili", a cantora confirmou a história e deu mais detalhes.

Mais discos dos anos 1950:
Discos para história: Noel Rosa na Voz Romântica de Nelson Gonçalves, de Nelson Gonçalves (1955)
Discos para história: Charlie Parker with Strings, de Charlie Parker (1950)
Discos para história: Carinhoso, de Orlando Silva (1959)
Discos para história: Moanin' in the Moonlight, de Howlin' Wolf (1959)
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Discos para história: The Genius of Ray Charles, de Ray Charles (1959)


"Comecei a cantar com 12, 13 anos na Igreja Batista. Eu fugia do culto e ia para a rádio participar do programa de calouros. Ganhei todos os concursos de rádio sem a família saber. Escondia [os prêmios] dentro de uma caixa de sapato embaixo da cama", falou, em 2017, ao apresentador.

Viver uma vida dupla acarretava em muitas coisas, sendo uma delas trabalhar em uma fábrica de tecidos. A vida dela mudaria de vez quando a dupla de compositores formada por Erasmo Silva e Jaime Moreira Filho a apresentou ao diretor da Rádio Mayrink Veiga Gilberto Martins, que a convidou para um teste. Ela passou e mudou de vida.

A cantora só se firmaria na carreira a partir do início dos anos 1950, quando conseguiu um contrato com a gravadora RCA Victor. Os sambas "Sou Feliz" e "Quando Alguém Vai Embora" foram as primeiras gravações da carreira profissional como cantora, e ela decolaria de vez em 1952 com o sucesso estrondoso de "Não Tenho Você". Mas seria na gravadora Copacabana -- onde idas e vindas ficou 23 anos -- que ela gravaria os primeiros LPs e consagraria a carreira como a grande cantora que foi.

Por ser muito jovem, Angela Maria ganhou o apelido de "Princesa do Rádio" e o programa "A Princesa Canta" veio desse apelido. Em 1954, em um concurso popular, acabou recebendo o apelido que carregaria pelo resto da vida: "Rainha do Rádio". E isso abriu portas não apenas na música, mas também no cinema -- foram 22 filmes até 1975.

Veja também:
Discos para história: Broto Certinho, de Celly Campello (1960)
Discos para história: São Paulo Confessions, de Suba (2000)
Discos para história: A Seu Favor, de Jorge Aragão (1990)
Discos para história: Elis, de Elis Regina (1980)
Discos para história: A Máquina Voadora, de Ronnie Von (1970)
Discos para história: Ella Sings Gershwin, de Ella Fitzgerald (1950)

Já com quase uma década de carreira, em 1955, ela apresentou ao Brasil "A Rainha Canta". Considerado um dos melhores trabalhos da carreira de Angela Maria, o álbum é um dos grandes momentos musicais dela ao conseguir dar uma cara própria a canções de diversos compositores com as mais diversas referências e arranjos. Isso provava como ela era capaz de cantar qualquer coisa em um ritmo alucinante de dois discos e quatro 78rpm por ano.

Como ela mesmo disse pouco tempo antes de morrer, Angela Maria foi mesmo a última rainha do rádio. E o Brasil jamais terá outra cantora como ela.



Resenha de "A Rainha Canta"

O chiado do início do álbum mostra que a versão do Spotify foi retirada diretamente de uma gravação das mais antigas. Quando começa "Escuta", de Ivon Curi -- conhecido nacionalmente como o Gaudêncio, personagem da Escolinha do Professor Raimundo --, mostra uma Angela Maria em um de seus melhores momentos da carreira. A voz limpa na interpretação de uma faixa das mais triste só ajuda a entender a capacidade vocal em uma das muitas canções eternizadas por ela.

Carlos Maria de Araújo fez uma letra para uma composição de Tchaikovsky e acabou virando "Sempre Tu", outro samba-canção de bonita interpretação por parte da cantora, assim como a tristonha "Talvez Seja Você (Sempre Só)". Para encerrar o lado A, "Foi Um Sonho" é a maior em duração e, diferente das outras, tem uma história -- a mulher abandonada vê o amado com outra mulher em um salão de dança e a narrativa vai ficando cada vez mais pesada do ponto de vista sentimental.



O lado B também abre com uma história em "Coisas Do Passado", enquanto "Rua Sem Sol" -- com co-composição do ator e dramaturgo Mário Lago (1911-2020) -- usa de um elemento do cotidiano para falar sobre a tristeza de um dia sem brincadeiras das crianças ou sem o batuque do carnaval, mas sempre há esperança de uma luz aparecer para alegrar o dia das pessoas.

Em "Caminhos Diversos", a cantora agora é a vítima de um traição terrível, não pretende perdoar o ex-amado, "pretende nunca mais lembrar de suas frases de amor" e é taxativa ao afirmar que "caminhos diversos para nós é a solução". Mas "Acordes Que Choram" termina o disco um pouco mais animado, pelo menos nos arranjos.

Angela Maria aproveitou o sucesso para gravar um disco com o apelido recém-dado pelo público. "A Rainha Canta" mostra com ela foi um dos nomes mais importantes da historia da música brasileira por, pelo menos, duas décadas. Esse álbum lançado em 1955 é uma peça histórica que merece uma nova avaliação por parte de pesquisadores e jornalistas.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Escuta" (Ivon Curi) (2:46)
2 - "Sempre Tu" (Carlos Maria de Araújo / Tchaikovsky) (2:52)
3 - "Talvez Seja Você (Sempre Só)" (Paulo César / Gilberto Panicali) (2:46)
4 - "Foi Um Sonho" (Di Véras / Radamés Gnattali) (3:07)

Lado B

1 - "Coisas Do Passado" (Renato César / Nazareno Brito) (3:06)
2 - "Rua Sem Sol" (Mario Lago / Henrique Gandelman) (2:52)
3 - "Caminhos Diversos" (Haroldo Barbosa / Bidú Reis) (2:58)
4 - "Acordes Que Choram" (Othon Russo / Brito) (2:48)

Gravadora: Copacabana
Produção: Nazareno de Britto
Duração: 23 minutos

Angela Maria: vocal
Orquestra da Copacabana: instrumentos diversos



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