Discos para história: Déjà Vu, de Crosby, Stills, Nash & Young (1970)


História do disco

O primeiro disco de da união de David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash foi um estouro, uma mostra de como o country, folk e o rock eram realmente feitos um para o outro. O sucesso colocou o trio, com carreiras em bandas bem consolidadas e com oportunidades para projetos solos batendo na porta a todo momento, em outro patamar. Mas eles precisariam reforçar o trio, já que era impossível Stills dar conta de tudo nos shows como ele fazia em estúdio.

"Quando terminamos o primeiro disco, percebemos duas coisas: uma: tínhamos um grande sucesso em nossas mãos, porque todo mundo estava falando disso; e duas: teríamos que fazer uma turnê", disse Nash ao 'Music Radar' em aspas reproduzida pelo site 'Ultimate Classic Rock'. "Stephen [Stills] tocou todos os instrumentos desse disco, exceto a bateria e os violões que David e eu tocamos em nossas músicas. Ele tocava baixo, órgão, violão, tocava guitarra base, fazia solos de guitarra. Nós os chamávamos de Capitão Muitas Mãos", completou.

Pois bem, então eles precisavam de mais uma pessoas, mas quem? Os primeiros contactados foram Jimi Hendrix e Steve Winwood, guitarrista com passagens por Spencer Davis Group, Traffic e Blind Faith até o momento do convite. Ambos recusaram. Foi quando Ahmet Ertegun, presidente e fundador da gravadora Atlantic, sugeriu a entrada de Neil Young no grupo. Parecia não haver problema, já que Stills e Young trabalharam juntos no Buffalo Springfield com sucesso, principalmente no primeiro álbum.

A entrada de mais uma membro do trio, claro, o transformaria em quarteto e, mais do que isso, seria a entrada de outra pessoa em meio a uma harmonia musical entre os três. Eles se complementavam muito bem, musicalmente falando. E, de fato, Nash se opôs a transformar a dinâmica deles para colocar mais um integrante.

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"Não achei que precisássemos de mais ninguém, mas disse: 'Ok, se você é tão inflexível, tenho que conhecer esse cara'", lembrou Nash. "Eu o conhecia como compositor, mas não sabia se gostaria dele, se poderia ficar com ele e todas essas coisas. Então, tomei café da manhã com Neil na Bleecker Street, e depois disso teria feito dele o rei do mundo. Ele era engraçado e seco, era dedicado e era um homem especial. Eu percebi isso imediatamente. "

Neil Young entrou no grupo em uma apresentação no Auditorium Theatre, em Chicago, com Joni Mitchell fazendo o show de abertura. Dois dias depois, eles fizeram a história apresentação no festival Woodstock - por não ter ido ao show por compromissos com um programa de TV, Mitchell, que namorava Nash, viu de longe e acabou escrevendo a canção "Woodstock". As gravações do futuro novo disco do trio, agora quarteto começaram pouco tempo depois do icônico evento. Mas o clima não estava nada bom para fazer música naquele momento. Por um acaso do destino, a vida de três dos quatro integrantes desmoronou ao mesmo tempo. Stills e Nash haviam terminado com Judy Collins e Mitchell, respectivamente; e a namorada de Crosby, Christine Hinton, havia morrido em um acidente de carro.

“Eu não estava no meu melhor como pessoa funcional. Às vezes, eu entrava no estúdio e acabava chorando, sendo completamente incapaz de lidar com tudo isso", contou David Crosby, à 'Rolling Stone', em 1970, durante a divulgação do LP. "Durante 'Déjà Vu', eu me senti horrível. Para mim, [o disco] é [um trabalho de] comunicação. Há boa arte no 'Déjà Vu', mas você não sente que é uma tarde ensolarada como em 'Crosby Stills & Nash'". Os três acabaram buscando consolo nas drogas. Crosby começou a usar heroína de forma pesada. E os outros dois se afundaram na cocaína e na bebida, em abundância em Los Angeles e São Francisco, locais dos dois estúdios usados durante as gravações do álbum.

Além de tudo isso, havia a guerra de egos entre os quatro integrantes. Todos eram compositores, vocalistas, arranjadores e guitarristas nas respectivas bandas em que fizeram parte, gerando brigas homéricas por horas -- ou até mesmo dias. Foram mais de 800 horas de gravações, muitas delas sem a presença de Young em estúdio. E quando alguém brigava, geralmente era Nash o responsável por pacificar o estúdio, funcionando como uma espécie de Ringo Starr do Crosby, Stills, Nash & Young.

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"As sessões com a banda completa nesse disco foram as gravações de 'Helpless', 'Woodstock' e 'Almost Cut My Hair'", Young disse à Rolling Stone, em 1975. "Isso foi Crosby, Stills, Nash & Young. Todos resto era combinações de gravações feitas por um ou mais membro da banda usando o outros como apoio". "'Woodstock' foi uma ótima gravação, bem lá no começo. Todo mundo tocou e cantou ao mesmo tempo. Stephen estava incrível. Era mágico. Então, mais tarde, eles ficaram no estúdio por um longo tempo e começaram a mudar. Stephen apagou o vocal e colocou outro que não era tão incrível. Eles fizeram muitas coisas novamente, mas isso é tudo de gosto pessoal", revelou.

Nash corrobora com a versão do companheiro de trabalho ao citá-lo como exemplo. "A única faixa que eu lembro que tocamos juntos foi 'Helpless', e era três da manhã, quando ficávamos sem cocaína e podíamos tocar devagar o suficiente para Neil acompanhar", lembrou. "Neil gravava em Los Angeles, então ele levava a gravação para o estúdio e nós colocávamos as vozes, e então ele a levava embora e a mixava".

Todas as dificuldades não impediram o lançamento dessa obra-prima dos anos 1970, um resumo de como os garotos que haviam começado na música uma década antes estavam crescidos e já tinham opiniões próprias sobre os mais diversos assuntos. Lançado em 11 de março de 1970, "Déjà Vu" chegou ao quinto lugar na parada britânica e ao 1º posto nos Estados Unidos. A união com Young traria benefícios e problemas aos quatro, que romperiam relações por um tempo após as gravações e lançariam as respectivas carreiras solo e projetos em dupla. Eles voltariam como quarteto apenas em 1974 para uma turnê histórica por estádios dos Estados Unidos.



Resenha de "Déjà Vu"

Brigados ou não, com problemas ou não, é fato que o Crosby, Stills, Nash & Young funciona absurdamente bem quando entram em acordo -- seja lá qual for esse acordo. Composta a cantada por Stephen Stills, a faixa de abertura do álbum é extremamente poderosa por alinhar com maestria os vocais do grupo com uma leveza melódica que só quatro gênios poderiam ter. E não fica menos genial em "Teach Your Children". De Graham Nash, a segunda canção do álbum é quase um tratado sobre reciprocidade amorosa entre pais e filhos, e conta com o violão de aço de Jerry Garcia para criar o clima de ideal de uma celebração.

Seguindo a divisão de cada um ter uma faixa na primeira parte do LP, David Crosby aparece quase gritando em "Almost Cut My Hair", canção sobre a divisão dos Estados Unidos durante as manifestações contra e a favor da Guerra do Vietnã. O impacto emocional dessa música é muito visível -- desde o vocal gritado até os duelos de guitarra entre Stills e Neil Young em uma das poucas faixas gravadas com os quatro em estúdio. Talvez não seja a melhor canção da carreira de Crosby, mas é uma das mais honestas que ele já escreveu.



E Young não tinha ideia à época que "Helpless" seria uma de suas melhores e mais aclamadas canções da carreira, mesmo destoando do resto do trabalho. Falando de si mesmo e de suas origens, ele usa a potencia de sua poesia em um relato bonito e tocante sobre um lugar inesquecível. O lado A fecha com a única faixa não escrita por um membro da banda. "Woodstock", de Joni Mitchell, foi acelerada em estúdio para ganhar o vocal de Stills e chegar ao 11º lugar da parada americana, a melhor posição de uma faixa do trabalho.

A segunda parte começa com "Déjà Vu", essa a faixa mais Crosby, Stills e Nash de todo trabalho por conta do arranjo vocal que soa como se anjos estivessem cantando nos ouvidos, foi composta por Crosby para falar sobre a roda da vida que três dos quatro membros passaram nos dias antes e durante a gravação. Mas eles estavam ali e isso era o que importava, no fim das contas. E a beleza não está apenas nos vocais, mas no bonito arranjo que preenche os momentos instrumentais com uma beleza ímpar.



Uma das canções mais duras de gravar foi "Our House". Nash a escreveu quando passava momentos felizes na casa em que morou com Joni Mitchell e a sequência do trabalho não ajuda muito a esquecer os problemas quando surge "4 + 20", canção de Stills sobre o amor perdido. Depois surge "Country Girl (Whiskey Boot Hill, Down Down Down, Country Girl (I Think You're Pretty))", de Young, quase um tratado sobre a vida das celebridades em Hollywood com o pot-pourri sobre a história de uma moça que trabalha em um bar servindo essas celebridades com os arranjos mais ambiciosos de todo LP. A única parceria foi escrita quando a data de fechar o trabalho estava se aproximando, então Stills e Young escreveram rapidamente a curta e simples "Everybody I Love You" para fechar o trabalho.

"Déjà Vu" é um disco incrível, mesmo sem ter sido gravado nas melhores condições emocionais de 3/4 da banda. A união dos quatro é pouco sentida, porém é possível ouvir que cada um deu o melhor que pôde para o projeto ganhar vida. E deu certo, pois o segundo álbum de estúdio do trio, e o primeiro do quarteto, é um documento histórico de uma época.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Carry On" (Stephen Stills) (4:26)
2 - "Teach Your Children" (Graham Nash) (2:53)
3 - "Almost Cut My Hair" (David Crosby) (4:31)
4 - "Helpless" (Neil Young) (3:33)
5 - "Woodstock" (Joni Mitchell) (3:54)

Lado B

1 - "Déjà Vu" (David Crosby) (4:12)
2 - "Our House" (Graham Nash) (2:59)
3 - "4 + 20" (Stephen Stills) (2:04)
4 - "Country Girl (Whiskey Boot Hill, Down Down Down, Country Girl (I Think You're Pretty))" (Neil Young) (5:11)
5 - "Everybody I Love You" (Stills/Young) (2:21)

Gravadora: Atlantic
Produção: Crosby, Stills, Nash & Young
Duração: 36min24s

David Crosby: vocal em todas as faixas, exceto "4+20"; guitarra em "Almost Cut My Hair", "Woodstock", "Déjà vu", "Country Girl" e "Everybody I Love You"

Stephen Stills: vocal em todas as faixas, exceto Almost Cut My Hair"; guitarra em todas as faixas, exceto "Our House"; teclado em "Carry On" "Helpless" "Woodstock" e "Déjà Vu"; baixo em "Carry On" e "Teach Your Children"; percussão em "Carry On"

Graham Nash: vocal em todas as faixas, exceto "Almost Cut My Hair" e "4+20"; teclado em "Almost Cut My Hair", "Woodstock", "Our House" e "Everybody I Love You"; guitarra em "Teach Your Children" e "Country Girl"; percussão em "Carry On" e "Teach Your Children"

Neil Young: vocal em "Helpless" e "Country Girl"; violão e guitarra em "Almost Cut My Hair", "Helpless", "Woodstock", "Country Girl" e "Everybody I Love You"; teclado e gaita em "Country Girl"

Convidados:

Dallas Taylor: bateria em todas as faixas, exceto "4+20"; tamborine em "Teach Your Children"
Greg Reeves: baixo em "Almost Cut My Hair", "Helpless", "Woodstock", "Déjà vu", "Our House", "Country Girl" e "Everybody I Love You"
Jerry Garcia: violão pedal steel em "Teach Your Children"
John Sebastian: gaita em "Déjà vu"



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