Discos para história: Noel Rosa na Voz Romântica de Nelson Gonçalves, de Nelson Gonçalves (1955)


História do disco

Reza uma lenda maravilhosa que ao ouvir a voz de Nelson Gonçalves no rádio, Orlando Silva perguntou: "sou eu?". Ninguém sabe se é verdade ou não, mas fato é que então imitador superou o ídolo e "Cantor das Multidões" em fama e vendas de discos. Até hoje, o "Rei do Rádio" é o segundo maior vendedor de discos da história do Brasil, atrás apenas de Roberto Carlos. Isso mostra como esse gaúcho de Santana do Livramento, no Rio de Grande do Sul, criado em São Paulo e forjado musicalmente no Rio de Janeiro foi um dos maiores cantores de todos os tempos nessas bandas.

O apelido veio ainda no início da carreira, aos 20 anos, quando ganhou um concurso de rádio. O outro, "Metralha", também foi dado ainda muito jovem por gaguejar muitas vezes e ele precisou superar tudo isso para atingir a fama -- que o levou a ser rico e também viciado em cocaína e álcool. Mas, antes disso, Antônio Gonçalves Sobral era um brasileiro de origem humilde e fez de tudo um pouco. Foi jornaleiro, mecânico, polidor, entregador de lenha, engraxate, garçom e lutador de boxe. Passou por dificuldades em São Paulo até conseguir o primeiro sucesso: "Renúncia", em 1942.

Mais discos dos anos 1950:
Discos para história: Carinhoso, de Orlando Silva (1959)
Discos para história: Moanin' in the Moonlight, de Howlin' Wolf (1959)
Discos para história: Aracy de Almeida Apresenta Sambas de Noel Rosa, de Aracy de Almeida (1954)
Discos para história: The Genius of Ray Charles, de Ray Charles (1959)
Discos para história: Amor de Gente Moça, de Sylvia Telles (1959)
Discos para história: The Atomic Mr. Basie, de Count Basie (1958)


Mas também o início na música não foi dos mais fáceis. Certa vez, no final dos anos 1930, o cantor se desbaratou de São Paulo até o Rio de Janeiro para participar de "A Hora do Gongo", famoso programa de rádio comandado por Ary Barroso. Assim que soltou seu vozeirão para interpretar "Aquarela do Brasil", soltaram o gongo em sinal de reprovação. Barroso mandou o cantor voltar imediatamente para São Paulo e seguir no boxe, pois ele estaria fadado ao fracasso se continuasse na música.

No que hoje seria chamado de zica reversa, Gonçalves não só continuou na música como conseguiu fazer história. Não sem antes, claro, passar por uma última dificuldade. Ao apresentar um acetato, um pequeno disco com uma gravação, ele conseguiu ser ouvido na RCA Victor e a aprovação veio, mas o cantor, de tão nervoso, não respondia nenhuma pergunta e acabou por ser dispensado. Com ajuda do compositor e flautista Benedito Lacerda, uma audição foi feita na presença do responsável pela gravadora e Nelson Gonçalves foi contratado definitivamente. O cantor ficaria 60 anos na mesma gravadora, um recorde mundial não batido até hoje -- ele e Elvis Presley ganharam o Prêmio Nipper, dado aos artistas com mais tempo de casa, e a dupla foi de extrema importância no crescimento da RCA Victor pelo mundo.

Depois do primeiro sucesso, o cantor conseguiu fazer um sucesso estrondoso que atravessou gerações ao longo dos anos. Como o público brasileiro era formado por gente mais velha, Gonçalves conseguia ir se enveredando por diversos gêneros ao longo da carreira sem abandonar a principal característica: o vozeirão. Isso o diferenciava de qualquer um, ainda mais sabendo que era um dos melhores intérpretes da música brasileira. Nelson Gonçalves tinha a música para si, não ao contrário.

Veja também:
Discos para história: Jogos de Armar - Faça Você Mesmo, de Tom Zé (2000)
Discos para história: Brasil Mestiço, de Clara Nunes (1980)
Discos para história: O Amor, O Sorriso e A Flor, de João Gilberto (1960)
Discos para história: Na Calada da Noite, do Barão Vermelho (1990)
Discos para história: Força Bruta, de Jorge Ben (1970)
Discos para história: Charlie Parker with Strings, de Charlie Parker (1950)


Já projetado nacionalmente e emendando um sucesso atrás do outro em quase todos os meses do ano, Nelson Gonçalves foi convidado a gravar um disco apenas com composições de Noel Rosa. O compositor morto muito jovem em 1937 foi sendo redescoberto pela então nova geração de intérpretes em acensão no Brasil. E isso gerou uma grande quantidade de regravações do início até o meio dos anos 1950, dando a toda uma nova geração de fãs a oportunidade de conhecer um dos maiores letristas do samba brasileiro em vozes já consagradas.

Longe de ser conhecido do grande público, esse trabalho de Gonçalves é mais uma de suas obras brilhantes, curtas e de muito talento de todos os envolvidos em homenagear o "Poeta da Vila".


Resenha de "Noel Rosa na Voz Romântica de Nelson Gonçalves"

O samba-canção foi um dos gêneros de maior sucesso na música brasileira entre os anos 1930 até meados dos anos 1950. Noel Rosa foi um de seus expoentes e, apesar de ter morrido muito jovem, virou um dos compositores mais aclamados e gravados do Brasil. O disco de Nelson Gonçalves começa com a triste "Último Desejo", que ganha ainda mais peso com o arranjo da orquestra para falar sobre o fim de um grande amor.

Depois vem uma das grandes composições de Noel: "Feitiço Da Vila". A canção acabou virando um hino para falar do samba no Rio de Janeiro de maneira geral e, principalmente, para exaltar a Vila Isabel ("Lá, em Vila Isabel/ Quem é bacharel/ Não tem medo de bamba"). E logo em seguida de um sucesso vem outro, como diria aquela rádio.

A marchinha "Com Que Roupa" conquistou o coração dos brasileiros à época e segue fazendo isso até hoje em diferentes versões e interpretações no carnaval. A primeira parte do LP acaba com "Coração", uma homenagem aos tempos em que ficou dividido entre o samba e a faculdade de medicina. Melhor para nós que ele tenha escolhido o primeiro.



O lado B começa com uma tragédia em forma de música. "Quando O Samba Acabou" fala sobre como uma disputa pelo amor da Rosinha acabou em tragédia quando ela preferiu um malandro ao invés do outro, enquanto "Palpite Infeliz" é uma das muitas partes de uma disputa musical entre Noel Rosa e Wilson Batista, que acabou com nível muito baixo na resposta seguinte de Batista. Rosa nunca foi muito do estilo malandro e sempre preferiu certa elegância nas letras e em exaltar o samba ("Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira/ Oswaldo Cruz e Matriz/ Que sempre souberam muito bem/ Que a Vila Não quer abafar ninguém").

Outra faixa das mais melancólicas do LP é "Silêncio De Um Minuto", um luto sem cor "durante um funeral de amor". É nessa hora, lá pelas 3h da manhã, que o pessoal começa a abraçar todo mundo e dizer eu te amo para o garçom. E, por fim, mais uma decepção amorosa de "pessoa mais fingida" em "Só Pode Ser Você".

A interpretação de Nelson Gonçalves para os sucessos de Noel Rosa mostram o tom boêmio que faria sucesso e definiria a carreira dele em "Vida de Boêmio" dois anos depois do lançamento desse trabalho. Além da homenagem ao compositor, o cantor também mostra imenso talento para cantar qualquer coisa. E isso seria fundamental ao longo de mais de seis décadas de carreira.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A


1 - "Último Desejo"
2 - "Feitiço Da Vila" (Noel Rosa e Vadico)
3 - "Com Que Roupa"
4 - "Coração"

Lado B

1 - "Quando O Samba Acabou"
2 - "Palpite Infeliz"
3 - "Silêncio De Um Minuto"
4 - "Só Pode Ser Você" (Noel Rosa e Vadico)

Todas as músicas foram escritas por Noel Rosa, exceto as marcadas.

Gravadora: RCA Victor
Produção: -
Duração: 24min44s



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