Discos para história: Brasil, do Ratos de Porão (1989)


História do disco

"O retrocesso é tão grande que eu jamais imaginaria que essas músicas de 30 anos atrás teriam tanta relevância hoje em dia", disse João Gordo ao site do jornal mineiro 'O Tempo', no início deste ano, em meio às comemorações do aniversário de três décadas do álbum "Brasil", quarto álbum de estúdio do Ratos de Porão (clique aqui e leia a entrevista na íntegra).

O Rato de Porão já era uma banda bastante conhecida no meio punk, gênero com o qual o grupo mais se identificava no início. Mas em "Descanse em Paz" (1986) e "Cada Dia Mais Sujo e Agressivo" (1987), segundo e terceiro álbum do grupo, respectivamente, eles foram se enveredando por outros caminhos ao abraçar o thrash metal. Esse álbum faria certo estrago na relação do grupo com os punks, que passaram a acusá-los de traição. E ainda por cima havia um defunto na capa do álbum lançado em 1986, então nem a 89 FM, a casa do rock nas ondas do rádio de São Paulo, se atrevia a tocar a banda.

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João Gordo e a banda não estavam bem. O vocalista passava por momentos difíceis e, mesmo sendo bem recebido pelo pessoal do metal, a vida não estava nada fácil. Mas a vida mudaria em 1988, quando ele conheceu Alceu Toledo Júnior, o Juninho. Após um momento de amizade, Juninho acabou virando empresário do Ratos de Porão e deu um jeito de fazer a banda assinar com a gravadora Eldorado, ligada aos donos do jornal 'O Estado de S. Paulo'. E a empresa conseguiu um acordo com a gravadora Roadrunner: ela licenciaria o novo disco do Ratos na Europa em troca de lançar a versão nacional de "Beneath the Remains", do Sepultura.

Essa negociação acabou sendo muito boa para o Ratos, que teve a chance de gravar o álbum em Berlim, no lado da Alemanha Oriental, com produção de Harris Johns. Na época, Johns já havia trabalhado com Helloween, Coroner, Sodom, Voivod, Kreator, entre outros grupos de metal em quase uma década de carreira. Era algo incrível para um grupo que começou na periferia de São Paulo e, pouco a pouco, começava a entrar no mercado europeu. Era a grande chance de estourar de vez.

"Esse disco é marcante na carreira da banda. A gente gravou longe de casa, experimentou sons novos, investiu em outro idioma [álbum foi gravado em português e em inglês]. Foi um desafio muito grande", disse Jão ao 'Diário de Pernambuco', também durante a celebração do aniversário de "Brasil" (clique aqui e leia a entrevista completa).

Eles passaram alguns meses compondo as canções que fariam parte do repertório do álbum. Quando eles estavam prontos, decidiram viajar. Claro que, antes de chegar em Berlim, passaram por Amsterdam, na Holanda e Florença, na Itália, para, como diria a chamada de 85% dos filmes da Sessão da Tarde, "aprontar altas confusões".

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Na autobiografia "Viva La Vida Tosca" (clique aqui e veja a resenha), João Gordo diz que existe um Ratos antes e depois da viagem. Lá, segundo ele, a banda viu como a cena musical era diferente e como a postura de palco deles era, no mínimo, tosca. A partir desse momento, ele e a banda passariam a ter um outro comportamento com relação a diversos assuntos.

"Brasil" abriu as portas para o Ratos do exterior. Mesmo com um inglês péssimo, a banda conseguiu mostrar que o metal hardcore brasileiro não devia em nada feito na Europa ou nos Estados Unidos. Ainda hoje é considerado o melhor trabalho do grupo. E não sem razão, já que ainda continua muito atual 30 anos depois do lançamento.


Resenha de "Brasil"

"Amazônia Nunca Mais" abre o álbum e vem bem a calhar no atual momento do Brasil perante ao mundo. As guitarras estão em um volume altíssimo e muito thrash metal, claramente tem uma inspiração no Slayer aqui. E se "Retrocesso" é algo que o País está passando nesse momento, à época ainda havia os resquícios da ditadura militar que assombrou e mudou os rumos da nação.

Depois vem o ataque a música feita no Brasil à época ("Aids, Pop, Repressão") com uma mistura de metal e rap, como a tal "Lei Do Silêncio" reina quando acontece alguma coisa na quarta faixa, e "S.O.S. Pais Falido" ficou datada para o momento atual, mas serve para entender o Brasil logo após a abertura feita pelo regime militar. E "Gil Goma" é uma clara "homenagem" ao repórter Gil Gomes (1940-2018), conhecido por narrar casos de assassinatos e mortes na TV e no rádio.


Após ler a autobiografia de João Gordo, "Beber Até Morrer" e "Heroina Suicída" soam como um momento muito pessoal do vocalista ("Sua noite terminou de cara numa privada/ Os problemas voltarão junto com uma puta ressaca/ Por que você não bebe apenas pra se divertir?/ Lute com a cara limpa, você não vai desistir") e "Plano Furado 2" também aborda a situação calamitosa em que a população brasileira vivia antes de piorar com a eleição de Fernando Collor de Mello em 1989.

A porrada que é "Crianças Sem Futuro", faixa que abre o lado B, apontava para uma comparação com a Etiópia -- algo sempre muito ruim, já que o país africanos é um dos mais pobres do mundo até hoje. Uma faixa que se encaixa com maestria em 2019 é "Farsa Nacionalista". Não preciso dizer o motivo, certo? Principalmente quando vem na sequência "Traidor" e "Porcos Sanguinários", autoexplicativas por si só.



Em "Vida Animal" a banda retrata alguém que perdeu completamente o controle de si mesmo. A instrumental "O Fim" abre caminho para a parte final do álbum, que conta com "Maquina Militar" e o discurso contra a ditadura, um grito por melhora em "Terra Do Carnaval" e encerra com a tenebrosa "Herança", um retrato de um cruel assassinato da época.

"Brasil" era fruto de sua época em que havia revolta e pouca esperança de melhora em um contexto muito complicado após a ditadura militar. Três décadas depois, parte do discurso ainda soa extremamente atual, e isso é sempre um problema. Se um disco de 1989 ainda se encaixa nas condições atuais, é uma péssima notícia.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "Amazônia Nunca Mais" (1:54)
2 - "Retrocesso" (1:33)
3 - "Aids, Pop, Repressão" (1:15)
4 - "Lei Do Silêncio" (2:13)
5 - "S.O.S. Pais Falido" (1:25)
6 - "Gil Goma" (0:42)
7 - "Beber Até Morrer" (2:20)
8 - "Plano Furado 2" (1:36)
9 - "Heroína Suicida" (2:10)

Lado B

1 - "Crianças Sem Futuro" (1:39)
2 - "Farsa Nacionalista" (2:28)
3 - "Traidor" (0:49)
4 - "Porcos Sanguinários" (1:50)
5 - "Vida Animal" (1:29)
6 - "O Fim" (0:59)
7 - "Maquina Militar" (1:59)
8 - "Terra Do Carnaval" (2:14)
9 - "Herança" (1:54)

O crédito de letra e música é dividido pelo Ratos de Porão.

Gravadora: Eldorado/Roadrunner
Produção: Harris Johns
Duração: 30 minutos

Jabá: baixo
Spaghetti: bateria
Jão: guitarra
João Gordo: vocal



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