Discos para história: Stories from the City, Stories from the Sea, de PJ Harvey (2000)


História do disco

"Senti que me perdi em torno desse disco. Eu queria tentar escrever muitas músicas pop perfeitas. É ótimo definir projetos, mas eles também precisam parecer fiéis ao seu coração e alma. A música pop não é onde meu coração está", disse PJ Harvey à revista 'Mojo' alguns anos após o lançamento de "Stories from the City, Stories from the Sea", quinto álbum de estúdio de uma carreira solo iniciada em 1992.

Por ler declarações assim, é muito difícil definir a música feita por PJ Harvey ao longo dos anos. Ela transitou do punk dos primeiros álbuns, ao um tipo de blues agressivo de "To Bring You My Love" (1995) até chegar ao eletrônico de "Is This Desire?" (1998). Mesmo variando tanto a sonoridade entre um trabalho e outro, a carreira dela cresceu de forma absurda. Em 1998, ela ganhou o Grammy e atingiu o 25º lugar da parada com o single "A Perfect Day Elise", coroando o crescimento profissional ao longo de toda década.

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Mas como se fosse algo simples e fácil, ela simplesmente decidiu mudar de rumo mais uma vez ao apostar em melodias pop no novo trabalho. Por isso, até hoje, não é apenas muito difícil conectar um álbum ao outro, mas ainda é difícil saber as preferências musicais de Harvey no trabalho. E é exatamente por esses motivos que a tornam uma das artistas mais fascinantes dos últimos anos, quase uma versão moderna de David Bowie. Ambos têm uma coisa em comum: quando mundo está indo para um lado, pode ter certeza que eles farão escolhas completamente diferentes do esperado para surpreender fãs e críticos.

Na divulgação do álbum, ela explicou os motivos de explorar esse lado mais pop sem deixar de fazer algo com camadas e profundidade.


"Eu queria que tudo soasse o mais bonito possível. Tendo experimentado alguns sons soturnos em 'Is This Desire' e 'To Bring You My Love', momentos em que estava realmente procurando por esse tipo de som, 'Stories...' foi a reação. Pensei: quero uma beleza absoluta. Quero que este álbum voe e fique cheio de reverberação e camadas exuberantes de melodia. Quero que seja meu trabalho bonito, suntuoso e adorável", contou ela à 'Q Magazine'.

Muitos trabalhos são o ponto de virada na carreira e acabam servindo como definição de parâmetros a serem seguidos, seja do tipo de música feita ou de qualidade, pelo resto da carreira. Pois em "Stories from the City, Stories from the Sea" aconteceu exatamente o oposto, já que Harvey nunca mais fez um trabalho parecido com esse, com essa quase devoção à Nova York. E é aí que as aspas do início do texto fazem todo sentido, pelo menos para ela enquanto criadora de uma obra.

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Lançado em 23 de outubro de 2000, "Stories..." foi aclamado como um dos melhores álbuns daquele ano e considerado, até hoje por muita gente, como o melhor trabalho de PJ Harvey. O trabalho atingiu o 23º lugar da parada no Reino Unido e o 42º nos Estados Unidos. Àquela época era um resultado gigante para uma artista alternativa, mas pífio perto das grandes marcas atingidas pelos artistas e bandas mais populares.

Mas os números pouco importam, já que "Stories..." é uma obra única, feita por alguém em momento único. Harvey cravou o nome na história com o trabalho e ainda não fez um igual. E isso é ótimo ao mostrar como é possível ser uma artista incrível sem se repetir.



Resenha de "Stories from the City, Stories from the Sea"

O disco é uma espécie de diário feito pela cantora nos dias em que esteve em Nova York. O início lembra um pouco o estilo vocal de Kim Gordon, eterna baixista e vocalista do Sonic Youth, para falar sobre como PJ Harvey ficou impressionada com a adoração dos americanos por armas. Ela, britânica de nascimento, não está acostumada com esse tipo de coisa. O trabalho é mais aberto com relação aos anteriores, então há espaço para falar mais abertamente sobre o amor -- caso de "Good Fortune" e seu ótimo arranjo.

Se "A Place Called Home" é a faixa para mostrar que o trabalho não é apenas formado por canções lentas e baladas, "One Line" segue uma linha mais melancólica de arranjo um tanto mais soturno no início, até ganhar um lado mais solar com pouco mais de um minutos. Ela fica nesse balanço, como a discografia de PJ Harvey. Depois vem a primeira de duas colaborações de Tho Yorke, do Radiohead, no álbum. "Beautiful Feeling" surge soturna como só a noite de Nova York pode ser.



Entre a primeira e a segunda colaboração de Yorke, aparece "The Whores Hustle and the Hustlers Whore". De arranjo muito potente, a faixa é quase um relato verdadeiro da corrida pelo sucesso em que as pessoas se vendem para conseguir o que desejam e realizar as próprias ambições. O vocalista do Radiohead surge cantando "This Mess We're In", faixa em que não só poderia ser o tema de Nova York, mas de qualquer grande cidade -- toda grande cidade desse tamanho (São Paulo e Tóquio são outros exemplos) é melancólica. E quase como uma continuação, "You Said Something" é a típica canção de quem está ou esteve apaixonado/a ("A rooftop, in Manhattan/ One in the morning/ When you said something/ That I've never forgotten/ When you said something/ That was really important").

A agitada "Kamikaze" aparece para quebrar todo clima e quase destruir o amor, enquanto "This Is Love" é a tentativa de reafirmar o desejo e amor que sente pelo outro ("This is love, this is love that I'm feeling/ This is love, this is love that I'm feeling/ This is lo-lo-lo-love that I'm feeling"). O encerramento encaminha o ouvinte para uma das canções mais bonitas da carreira de PJ Harvey: "Horses in My Dreams". Sério, é de chorar de tão boa. E "We Float" parece ser o resumo de tudo, de como ter tido essa experiência e como é fundamental apreciar o que temos sem encher a cabeça com bobagem.

PJ Harvey soube como poucas compositoras a cantar as alegrias e algúrias de viver em uma cidade completamente diferente do local de nascimento e precisar lidar com as pessoas e sentimentos. "Stories from the City, Stories from the Sea" é um ótimo e intenso relato desse processo, uma prova viva de que todo mundo precisa passar por isso pelo menos uma vez na vida.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Big Exit"
2 - "Good Fortune"
3 - "A Place Called Home"
4 - "One Line"
5 - "Beautiful Feeling"
6 - "The Whores Hustle and the Hustlers Whore"
7 - "This Mess We're In"
8 - "You Said Something"
9 - "Kamikaze"
10 - "This Is Love"
11 - "Horses in My Dreams"
12 - "We Float"

Gravadora: Island
Produção: Rob Ellis, Mick Harvey e PJ Harvey
Duração: 47min25s

PJ Harvey: vocal principal, guitarra, baixo, teclado, piano, Djembê, maracas e arco eletrônico

Rob Ellis: bateria, piano, tambourine, sintetizador, teclado, sinos, cravo, piano, vibrafone e vocal de apoio

Mick Harvey: órgão, baixo, bateria, percussão, harmônio, teclado, acordeão e vocal de apoio

Convidado:

Thom Yorke: vocal de apoio nas faixas 4, 5 e 7; teclados na faixa 4

Produção:

Victor Van Vugt: engenheiro de som e mixagem (1–11)
Head: engenheiro de som e mixagem na faixa 12



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