Discos para história: Brasil Mestiço, de Clara Nunes (1980)


História do disco

Clara Nunes já era "A" Clara Nunes quando lançou "Brasil Mestiço" em 1980. Uma história de sucesso iniciada ainda nos anos 1960 com a consolidação na década seguinte, sendo uma das primeiras cantoras a falar e a divulgar as religiões afro-brasileiras, então relegadas a um papel secundário em qualquer discussão da sociedade no Brasil.

Mineira de nascimento, a cantora mudou-se para o Rio de Janeiro em meados dos anos 1960 e passou a ser presença garantida em vários programas da época, como Chacrinha e Almoço com as Estrelas. Ela chamou a atenção da Odeon e, no ano seguinte, acabou sendo contratada em definitivo pela gravadora. Seria a casa dela de 1966 até 1983, ano de sua morte.

Mais discos dos anos 1980:
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O fim da década e o início dos anos 1970 mostrou o caminho musical em dois momentos marcantes. O primeiro deles foi gravação do samba "Você Passa e Eu Acho Graça". Até então cantora de boleros, seria a entrada dela em definitivo no gênero. O segundo foi uma viagem a Luanda, capital de Angola, em 1970, quando se apaixonou definitivamente pela umbanda e passou a ser uma divulgadora da religião afro-brasileira pelos anos seguintes. A prova disso é a capa do álbum de 1971 em que aparece com o cabelo pintado de vermelho e vestida toda de branco.

Esse lançamento marcou o impulso na carreira de Nunes como uma das maiores intérpretes da história do samba no Brasil. À medida em que o tempo avançava, o sucesso só aumentava refletindo em subidas constantes no número de discos vendidos, e isso acontecia mesmo com um disco lançado por ano. "Alvorecer" (1974), "Claridade" (1975) e "Canto das Três Raças" (1976) ultrapassaram a barreira de um milhão de cópias vendidas. Clara Nunes era um sucesso absoluto.

Veja também:
Discos para história: O Amor, O Sorriso e A Flor, de João Gilberto (1960)
Discos para história: Na Calada da Noite, do Barão Vermelho (1990)
Discos para história: Força Bruta, de Jorge Ben (1970)
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Discos para história: All That You Can't Leave Behind, do U2 (2000)
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O auge chegou em 1980 com "Brasil Mestiço". Era uma década dedicada ao samba e a umbanda, e a união das coisas que mais amava gerou um dos melhores discos da música brasileira. O 14º trabalho de estúdio da carreira da cantora é, até hoje, um dos melhores do gênero e inspiração para diversas cantoras novatas. A inspiração do disco foi uma nova viagem para Angola para representar o Brasil ao lado de Elba Ramalho, Djavan, Dorival Caymmi, Chico Buarque e outros no Projecto Kalunga. E foi dessa viagem que saiu a composição "Morena de Angola", um dos grandes sucessos de Clara Nunes, composta por Chico Buarque. O LP foi um sucesso tão grande que, além de ultrapassar os dois milhões unidades vendidas, gerou o show "Clara Mestiça", dirigido por Bibi Ferreira.

Não foi o último disco lançado pela cantora, morte em 1983 em decorrência de complicações de uma cirurgia de varizes, mas "Brasil Mestiço" é o álbum que sintetiza melhor quem foi a cantora, seus amores e, acima disso, sua música, inesquecível e ainda tocante quase quatro décadas depois do lançamento.


Resenha de "Brasil Mestiço"

Todas as influências absorvidas ao longo dos anos culminaram na faixa "Morena de Angola", composta por Chico Buarque especialmente para o álbum. Claramente o compositor viu alguma situação ou situações ao longo da viagem para Angola e construiu uma personagem que tem a história contada brilhantemente por Clara Nunes na melhor canção do álbum que conta com a mistura Brasil e África como poucas pessoas fizeram com competência. Um belo cartão de visitas.

O álbum também abre espaço para o samba-canção, subgênero de grande sucesso entre o fim dos anos 1940 até meados dos anos 1960. Nesse grupo entrem as melancólicas "Sem Companhia", "Ninho Desfeito", "Coração em Chama" e "Estrela Guia" mostram como Nunes conseguia cantar qualquer coisa. E ainda com um timaço na produção e nos arranjos (abaixo os créditos), esse álbum não tinha como dar errado. Ela também apresenta canções para demonstrar a fé no que acreditava, casos de "Brasil Mestiço, Santuário da Fé"



Mas a alegria e o dia do trabalhador comum permeiam boa parte do trabalho, nisso inclui o forró bem animado "Viola de Penedo", o samba bem para cima que dá fome "Peixe com Coco" e a dura rotina de um trabalhador em "Dia a Dia" mostram como ela também conseguia falar de coisas comuns, mas fundamentais para as pessoas terem um pouco de paz ao longo da dureza da vida.

Mas as três últimas faixas vão pegar os corações mais fraquejados. "Regresso" conta com um belo arranjo no violão em um típico samba-canção, enquanto "Meu Castigo" fala abertamente "estou procurando te esquecer/ mas não consigo". Por fim, "Última Morada" é o tipo de canção que impressiona por ser algo quase premonitório, já que Clara Nunes teve tudo que cantou na última canção desse álbum quando morreu, em 1983, aos 40 anos.

"Brasil Mestiço" é o país que todo brasileiro deveria conhecer. Nós somos isso, essa mistura de ritmos, pessoas e elementos. Não adianta negar o óbvio. Ao cantar isso com tanta propriedade, Clara Nunes iluminou o coração de muitas pessoas e fez pensar sobre o Brasil que desejamos. E é esse, o Brasil do respeito às crenças, da igualdade das oportunidades e mais justo para todos. Estamos longe disso? Sim, mas ainda existe fé e luta.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Morena de Angola" (Chico Buarque) (3:27)
2 - "Sem Companhia" (Ivor Lancellotti, Paulo César Pinheiro) (3:16)
3 - "Viola de Penedo" (Luís Bandeira) (3:42)
4 - "Ninho Desfeito" (Nelson Cavaquinho, Wilson Canegal) (2:35)
5 - "Coração em Chama" (Elton Medeiros, Mauro Duarte) (2:50)
6 - "Peixe com Côco" (Alberto Lonato, Josias, Maceió do Cavaco) (2:46)
7 - "Brasil Mestiço, Santuário da Fé" (Mauro Duarte, Paulo César Pinheiro) (3:31)
8 - "Dia a Dia" (Candeia, Jaime) (3:05)
9 - "Estrela Guia" (Sivuca, Paulo César Pinheiro) (3:17)
10 - "Regresso" (Candeia) (2:52)
11 - "Meu Castigo" (Paulo César Pinheiro) (3:25)
12 - "Última Morada" (Noca da Portela, Natal) (2:57)

Gravadora: EMI-Odeon
Produção: Paulo César Pinheiro
Duração: 37 minutos

Hélio Delmiro: violão
Geraldinho Vespar, Gaya e Sivuca: arranjos de instrumentos diversos
Gaya: maestro
Wilson das Neves: bateria
Renato Corrêa: direção de produção
Outros músicos: instrumentos diversos



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