Discos para história: Jogos de Armar - Faça Você Mesmo, de Tom Zé (2000)


História do disco

De todos os tropicalistas, Tom Zé foi relegado ao segundo plano sabe-se lá o motivo de disso ter acontecido. Ele não fica atrás dos contemporâneos Caetano Veloso e Gilberto Gil, isso para falar dos mais famosos e citados como expoentes do movimento. Tom Zé é um gênio, mas um gênio diferente. Ele é como se fosse o Monty Python da música ao pegar um assunto e falar de uma forma completamente diferente e ainda colocar umas colagens no meio.

Por escolhas musicais nada ortodoxas, ele ficou fora do mainstream mesmo lançando discos. Até ser "descoberto" por David Byrne, um dos fundadores do Talking Heads e dono de uma carreira solo tão inventiva quanto a do brasileiro. Foi o cantor que apresentou Tom Zé a colegas americanos e ajudou a relançar trabalhos antigos e na divulgação dos novos no final dos anos 1980.

Mais discos dos anos 2000:
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Ter a carreira impulsionada foi algo muito motivador para Tom Zé. Se ele continuava produzindo, ainda que não fosse vender centenas de milhares de discos, imagina a partir do momento em que contava com um dos músicos mais influentes dos últimos anos? Ele começou a fazer ainda mais músicas e os anos 1990 foram bem produtivos para ele em vários sentidos.

Desde dos anos 1970, ele vinha brincando com o uso de instrumentos diversos no arranjo das músicas. A "esquisitice" acabou o afastando ainda mais das paradas, mas a ideia não saiu da cabeça criativa de Tom Zé. Aos poucos, ele começou a dar vazão a tudo isso. Disso nasceu seu estilo característico até os dias de hoje, começando em "Jogos de Armar - Faça Você Mesmo", lançado em meados dos anos 2000, o primeiro álbum lançado por um selo brasileiro -- a Trama -- em 16 anos.

Em entrevista para a 'Folha de S. Paulo', em 22 de novembro de 2000, pouco antes de um show em São Paulo para divulgar o então novo trabalho, ele explicou bem ao seu estilo o motivo de fazer esse tipo de música.

"Existe uma fase da criatura humana, de 13 a 30 anos, antes de o camarada se tornar o cidadão amorfo, o sapo cômodo, em que ele precisa de uma proteína social chamada rebeldia. Sem essa rebeldia, sua vida está desgraçada pelo resto do tempo. A sociedade vive procurando isso. Por acaso, nos meus 60 anos, eu sou um produtor dessa rebeldia", contou.

Veja também:
Discos para história: Brasil Mestiço, de Clara Nunes (1980)
Discos para história: O Amor, O Sorriso e A Flor, de João Gilberto (1960)
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Discos para história: Força Bruta, de Jorge Ben (1970)
Discos para história: Charlie Parker with Strings, de Charlie Parker (1950)
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Para o mesmo jornal, uma semana antes, ele falou novamente sobre como estava feliz em conseguir gravar novamente no país natal que o injustiçou muito ao longo de mais de 20 anos.

"Sinto-me muito alegre. Antigamente pensava que podia não ter dinheiro no fim do mês para pagar o aluguel. Agora penso em música. Levaram-me para esse substantivo comum formidável, a Trama. Curiosamente vim a me tornar herdeiro de Elis Regina", falando sobre João Marcelo Bôscoli, um dos sócios da gravadora.

"Jogos de Armar - Faça Você Mesmo" é o retorno do Tom Zé ao mercado brasileiro aós quase duas décadas. E a força do trabalho está em o músico provar que, mesmo após tanto tempo, a criatividade dele não se perdeu ao longo do tempo. E isso foi uma ótima notícia para todos.



Resenha de "Jogos de Armar - Faça Você Mesmo"

As invenções musicais de Tom Zé vão do primeiro ao último último minuto do álbum, transformando "Jogos de Armar - Faça Você Mesmo" em uma espécie de puro-sangue tomzeístico. Quer conhecer um pouco da carreira dele e não sabe por onde começar? Pode ser por esse aqui sem problema algum, depois dá ouvir o material mais antigo até chegar nas coisas mais recentes.

Então quando começa os primeiros segundo de "Passagem de Som", é possível saber que é um disco de Tom Zé feito com ajuda de músicos maravilhosos que embarcam nessa aventura maluca, nesse mundo Mágico de Oz de Irará, na Bahia, em que tudo pode acontecer, como diria aquele personagem diretamente do 'Mundo da Lua'.



Mas Tom Zé não vive apenas dos próprios instrumentos criados ou desse lado mais experimental. Ele abre espaço para forró, samba e uma série de gêneros e subgêneros que fizeram da música brasileira uma das mais ricas do mundo e uma das que melhor consegue misturar diversos elementos para fazer uma coisa única e nova, seja lá o que ela for, como na versão nada comum do clássico "Asa Branca".

Por ser um artista livre de amarras e sem qualquer tipo de pressão, Tom Zé consegue fazer o que quiser com relação as letras. Isso inclui palavrões, trocadilhos, brincadeiras rítmicas apenas para seguir a melodia e outras espertezas bem criativas que poucas pessoas seriam autorizadas a fazer. O refrão de "Desafio" é um bom exemplo disso ("Africará mingüê e favelará/ mérica de verme que deusará/ Iocuné Tatuapé Irará").

O álbum pode soar uma espécie de redenção de Tom Zé para o público brasileiro. Não é, definitivamente. Só precisa de algum tipo de redenção aquele que chegou a cometer um erro e precisa de perdão. Quem precisa de perdão é quem duvidou da capacidade de Tom Zé em fazer música. Ainda bem que existe um David Byrne para mostrar ao mercado brasileiro que um gênio estava por aí, quase sem ter como pagar aluguel. "Jogos de Armar - Faça Você Mesmo" é o segundo auge de um músico incansável e pronto para ser ele mesmo. E ainda bem.



Ficha técnica:

Tracklist:

1 - "Passagem de Som" (Tom Zé/Gilberto Assis)
2 - "Peixe Viva (Iê-quitíngue)" (Tom Zé/Zé Miguel Wisnik)
3 - "Jimmy, Renda-se" (Tom Zé/Valdez) / "Moeda Falsa" (Tom Zé)
4 - "Chamegá" (Tom Zé/Vicente Barreto)
5 - "Desafio" (Tom Zé/Gilberto Assis)
6 - "Pisa Na Fulô" (João do Vale/Ernesto Pires/Silveira Júnior)
7 - "Asa Branca" (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
8 - "Conto de Fraldas" (Tom Zé)
9 - "Medo de Mulher" (Tom Zé)
10 - "O Pib Da Pib (Prostituir)" (Tom Zé/Sergio Molina/Alê Siqueira)
11 - "Cafuas, Guetos e Santuários" (Tom Zé)
12 - "A Chegada de Raul Seixas e Lampião no FMI" (Tom Zé)
13 - "Perisséia" (Tom Zé/Capinan)
14 - "Sonhar (Sonho da Criança-Futuro-Bandido da Favela, na Noite de Natal)" (Tom Zé/Sergio Molina)

Gravadora: Trama
Produção: Alê Siqueira
Duração: 45 minutos

Tom Zé: vocal, violão, viola, instrumentos diversos e arranjos

Convidados:

Toninho Ferragutti: acordeão
Gilberto Assis: arranjos, viola, baixo e vocal de apoio
Guilehrme Kastrup e Lauro Lellis: bateria
Carlos Malta: flauta
Cristina Carneiro: teclado
Marcos Suzano: percussão
Carlos Malta: piano e saxofone
Bocato: trombone
Renato Anesi: viola
Jarbas Mariz e Naoko Akamine: vocal de apoio



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