Discos para história: Joan Baez, de Joan Baez (1960)


História do disco

Joan Chandos Baez nasceu em Nova York em 1941 e é filha do físico Albert Baez, filho de mexicanos, e de Joan Baez, filha de um padre anglicano inglês. Essa mistura foi algo bastante problemática para quem passou os primeiros anos de vida no sul da Califórnia. Ela nem se encaixava com as crianças brancas, nem com as crianças de comunidade latina.

"As crianças brancas não estavam realmente interessadas em mim e as crianças mexicanas não gostavam de mim porque era bem diferente delas. Então, quando finalmente peguei o ukulele e comecei a cantar, foi bom para minha auto-imagem. As crianças brancas vieram me ouvir. Eu era como um bobo da corte. Gostei da atenção e gostei de ser aceita, mesmo que fosse apenas por isso", contou a cantora em entrevista ao jornal britânico 'Guardian' em 2014.

Como todos os pais daquela época, os de Baez não gostaram muito quando viram a filha empunhando um instrumento musical e cantando por aí. Por muitos anos, a imagem de músico perante a sociedade era de alguém depravado e usuário de drogas. E em uma sociedade conservadora, músico não era uma profissão de respeito. Mas havia algo de especial na pequena Joan, e muita gente percebeu isso logo -- precisamente quando ela começou a cantar. Havia talento. Tanto é que o ukulele foi presente de um amigo da família.

Mais discos dos anos 1960:
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Toda pessoa tem aquele grande momento da vida em que, de alguma maneira, descobre se é bom em alguma coisa ou não. Pode perceber, é como um estalo, uma fagulha que brota no coração e parece te avisar o caminho certo para chegar no objetivo. Baez teve isso quando viu, levado por uma tia e o namorado, em um show da lenda do folk americano Pete Seeger. O impacto foi muito grande na vida dela e logo as músicas do cantor seriam incluídas no repertório dela nas pequenas apresentações feitas perto de casa.

No final dos anos 1950, a vida da então adolescente mudou de vez com as coisas acontecendo muito rápido. Em 1957, ela ganhou o primeiro violão; em 1958, ela e a família se mudaram da Califórnia para Boston -- o pai da futura estrela do folk havia aceitado a proposta de ser professor no MIT (Massachusetts Institute of Technology); mas seria 1959 o marco zero da carreira de Baez, o pontapé inicial de uma carreira que só parou em 2019, mais de 60 anos depois.

Ela, ao lado de dois amigos (Bill Wood e Ted Alevizos) gravaram um LP no porão da casa de um amigo. Chamado "Folksingers 'Round Harvard Square", foi lançado em 1959 e mostrou a toda comunidade folk que havia um talento crescente -- ela tinha completado 18 anos poucos meses antes. O disco a levaria a conhecer Bob Gibson e Odetta, dois dos maiores cantores de folk e gospel da história dos Estados Unidos. E a conhecer o ídolo, Pete Seeger. O ano de 1959 seria muito importante para ela também por participar de um momento histórico: a primeira edição do Newport Folk Festival. Convidada por Gibson, ela fez um duelo com ele em "Virgin Mary Had One Son" e "We Are Crossing Jordan River".

A apresentação foi tão bem recebida não apenas pela comunidade do folk, mas também por entusiastas do gênero e donos e representantes de gravadoras. Columbia e Vanguard tentaram assinar um contrato com a cantora, que preferiu a segunda. Segundo a própria cantora, estar em uma gravadora menor tiraria qualquer pressão por repertório e ela poderia se concentrar mais em fazer seu trabalho da melhor maneira possível.

Veja também:
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No verão de 1960, com apenas 19 anos, Baez entraria em um estúdio para gravar o primeiro álbum. Ou quase isso, já que a cantora, em 1983, para revista 'Rolling Stone', contou que o local de gravação não se parecia em nada com um, mas havia certa simplicidade em fazer as coisas.

"Demorou quatro noites [para gravar todo disco]. Estávamos em um salão de baile grande e fedorento em um hotel na Broadway, perto do rio. Não podíamos gravar nas noites de quarta-feira porque eles jogavam bingo lá. Eu estava lá embaixo com um velho tapete sujo e dois microfones, um para a voz e outro para o violão", contou. "Aquele disco era, provavelmente, era tudo que eu sabia [tocar]. Apenas toque era a regra. Eu só precisei de uma chance para gravar 'Mary Hamilton', e foi isso. É assim que as criávamos nos velhos tempos. Contanto que um cachorro não corresse pela sala ou algo assim, você teria uma gravação", completou.

Lançado em outubro de 1960, o álbum com o nome da cantora vendeu moderadamente bem e serviu para abrir caminho para a carreira de uma das maiores cantoras folk de todos os tempos -- ela foi muito elogiada por Robert Shelton, crítico de música do 'The New York Times' e principal biógrafo de Bob Dylan, no primeiro show com ingressos esgotados. Relançado em 1963, embalado pelo sucesso de "Joan Baez in Concert Part 1" (1962) e "Joan Baez in Concert Part 2" (1963), o trabalho atingiria a 15ª posição na parada americana e o oitavo posto no outro lado do Atlântico.



Resenha de "Joan Baez"

O necessário para entender esse primeiro álbum de Joan Baez é que ele gravou apenas canções tradicionais. E o que é isso? Basicamente são velhas canções que existem quase desde sempre nos Estados Unidos e foram passadas de pais para filhos ao longo dos anos. São histórias de pessoas ou momentos que foram transformados primeiro em poesia e, ao longo da passagem do tempo, acabaram virando música.

Essas canções formaram a base do folk por muitos anos até a nova geração, mais ou menos ali nos anos 1930 e 1940, chegaram e apresentar um repertório contando suas próprias histórias. Muitas das músicas interpretadas por Baez falam sobre jovens donzelas, já que o folk era algo predominantemente masculino desde sua existência. As letras também falam sobre percorrer longas distâncias para encontrar o amor da vida ou falam sobre a morte ser o ponto final de uma vida atribulada e cheia de aventuras, decepções e recompensas.



Baez consegue imprimir um ritmo maravilhoso nas canções, muitas gravadas em apenas uma ou duas chances. A voz dela, com apenas 19 anos, tem um alcance fantástico e consegue preencher bem o ambiente enquanto é executada. Para uma gravação com quase seis décadas, tudo ainda funciona perfeitamente bem mesmo após décadas e mais décadas de transformações na maneira de cantar e na forma de gravar.

Mas o grande teste do tempo está nas letras das músicas. Afinal, são canções tão antigas que não é incomum a passagem dos dias agir de forma cruel com alguns dos clássicos que amamos. Não é o caso aqui. O folk, independente do lugar, sempre conseguiu apresentar -- quando bem feito -- temas universais para o público. Por isso Pete Seeger, Joan Baez, Bob Dylan e outros cantores do gênero conseguiram sobreviver por tanto tempo. A questão está longe de ser uma bonita produção ou ter uma voz bonita, mas em como eles conseguem transmitir mensagem que tocam no fundo da alma ao longo das respectivas carreiras. É um tipo de poesia que é difícil não se sentir tocado.

Para um primeiro LP cheio, Baez se saiu muito bem. Mesmo tão jovem, ela soa uma veterana com anos de carreira ao gravar alguns dos clássicos mais importantes da história do folk americano. Fundamental aqui é saber que ela conseguiu dar uma voz própria para canções gravadas por dezenas de pessoas ao longo dos anos. A vida dela não seria mais a mesma depois desse álbum.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Silver Dagger" (Traditional, arr. Joan Baez) (2:32)
2 - "East Virginia" (Traditional, arr. Joan Baez) (3:44)
3 - "Fare Thee Well (10,000 Miles)" (Traditional, arr. David Gude) (3:22)
4 - "House of the Rising Sun" (Traditional, arr. Joan Baez) (2:56)
5 - "All My Trials" (Traditional, arr. Joan Baez) (4:41)
6 - "Wildwood Flower" (Traditional, arr. Joan Baez) (2:37)
7 - "Donna Donna" (Sholom Secunda, Aaron Zeitlin, Arthur Kevess, Teddi Schwartz) (3:15)
8 -"John Riley" (Traditional, arr. Joan Baez) (3:54)
9 - "Rake and Rambling Boy" (Traditional, arr. Joan Baez) (1:59)
10 - "Little Moses" (Traditional, arr. Joan Baez) (3:31)
11 - "Mary Hamilton" (Traditional, arr. Joan Baez) (5:58)
12 - "Henry Martin" (Traditional, arr. Joan Baez) (4:15)
13 - "El Preso Número Nueve" (Roberto Cantoral) (2:48)

Gravadora: Vanguard
Produção: Maynard Solomon
Duração: 46min02s

Joan Baez: violão e vocal

Convidados:

Ted Alevizos e Bill Wood: vocal
Fred Hellerman: violão



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