Discos para história: It's a Shame About Ray, do Lemonheads (1992)


Grande sucesso da banda só aconteceu no quinto álbum de estúdio

História do disco

Imagina só: sua banda está fazendo relativo sucesso nas rádios universitárias e na cena independente de uma parte considerável dos Estados Unidos. Com quatro discos lançados, incluindo um por uma grande gravadora, o sucesso era algo tão certo quanto o sol no verão brasileiro, correto? Não quando as bandas do que ficou conhecido como grunge surgiram e colocaram centenas de grupos promissores para o fim da fila.

Essa poderia ser a triste história do Lemonheads, banda formada por Evan Dando, Ben Deily e Jesse Peretz no meio dos anos 1980. Por isso mesmo, Dando, até hoje o único membro firme de um grupo sem atividades no momento, era um cara ressentido e arredio em comparação a muitos de seus colegas de mesma idade. Ele sabia que era bom, tinha potencial e boas canções, mas não conseguia emplacar. E sabe-se lá o motivo.

O mundo da música meio cruel nesse aspecto. Rod Stewart, na autobiografia que escreveu, diz que qualquer um que entre nessa indústria precisa de duas coisas: trabalhar duro e muita sorte. Porque existem ótimos cantores, cantoras e compositores que são realmente ótimos, mas nunca tiveram a sorte de alguém apostar neles.

Mais discos dos anos 1990:
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Dando, já com Hate Your Friends (1987), Creator (1988), Lick (1989) e Lovey (1990) lançados, enfrentava problemas com drogas e, aliado com o fato de estar sempre irritado com qualquer um, tornou-se uma pessoa perigosa – para os outros e ele mesmo. E ainda sofria de uma severa depressão, causada pela separação dos pais quando ele tinha 11 anos. Isso o afetou por um longo tempo por sentir-se abandonado, enquanto mãe e a irmã tinham longas conversas sobre como seria diferente sem o pai presente. Essa revolta o transformou em um adolescente com excesso de energia, vamos colocar assim, o motivando a ter uma banda punk – The Whelps, grupo pré-Lemonheads – para colocar para fora todas essas frustrações da infância.

A personalidade irritadiça de Dando colaborou muito para uma rotação além do normal no número de integrantes, algo que deixaria Mark E. Smith, fundador e único membro fixo do The Fall, orgulhoso por ter feito escola. Foi um período de férias da Austrália que mudou a cabeça do cantor. Lá, ele conheceu Tom Morgan, o futuro parceiro de composição e pessoa fundamental no que seria a grande obra-prima da banda. A Austrália serviu como descanso para o corpo e mente e uma ótima oportunidade para entrar em uma nova cena musical – uma com seus próprios vícios e idiossincrasias, mas diferente do que havia nos Estados Unidos. Foi um golpe de frescor e de novas ideias para músicas.

Um ponto fundamental do disso é que, ao retornar para casa, Evan Dando entrou em depressão mais uma vez e teimou que queria fazer um disco raivoso com as composições que tinha logo que entrou em estúdio para gravar o novo disco do Lemonheads. Foi aí que o trabalho dos Robb Brothers, formado por Bruce, Dee e Joe Robb, foi fundamental para convencê-lo a suavizar as melodias e colocar uns violões ali, uma batida mais leve acolá. Eles viram uma enorme potencial para baladas, não para canções raivosas.

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Em 1992, depois da explosão das então novas bandas (Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e outras), existia uma busca por novos grupos que trouxessem esse frescor para a música. Foi aí que It's a Shame About Ray conseguiu fazer sucesso. Nada parecido com essas novidades, mas comercial o suficiente para chegar a um número razoável de pessoas, o disco, lançado em junho de 1992, chegou ao posto 62 das paradas – uma posição nada ruim.

Mas a Atlantic ainda teria uma boa surpresa com eles. A banda gravou uma versão própria de "Mrs. Robinson", sucesso da dupla Simon & Garfunkel, para comemorar os 25 anos do filme A Primeira Noite de um Homem (1967), durante a passagem da turnê pela Alemanha – em quatro horas, eles aprenderam a música e gravaram. E a versão fez um grande sucesso. Então, para conseguir ainda mais dinheiro, a gravadora reeditou o disco com o cover como faixa-bônus. Paul Simon odeia a versão que colocou o Lemonheads no topo das paradas.


Resenha de It's a Shame About Ray

O espírito punk ainda reinava no Lemonheads, mas transformar a curta "Rockin Stroll" em uma faixa rápida e acústica teve ter sido um desafio e tanto para produção. Ao abrir o álbum, ela serve como termômetro de como será o trabalho, e "Confetti" serviu para Dando contar um pouco como foi a separação dos pais e do trauma que carregou por quase uma vida.

A segunda faixa do disco tem um tom feliz, mas conta como um casal pode seguir junto apenas para manter as aparências – claro, ambos infelizes por essa escolha, mesmo passando a imagem de uma perfeição inexistente. O riff que faz a ponte entre a primeira e a segunda parte mostra exatamente esse tom animador de uma das melhores canções do registro.



Outra que entra na lista das melhores é a faixa-título, uma balada escrita na Austrália em que a notícia sobre uma travessura de um garoto ter ido parar no jornal local com o título da música. É tão suave e bonita, que funciona muito bem em qualquer ocasião. Emendando com a anterior, "Rudderless" é outra boa mostra de como Evan Dando é um dos melhores compositores de sua geração por conseguir comprimir sentimentos complexos em pouco mais de três minutos.

"My Drug Buddy" mostra alguém com sentimentos dúbios. Ao mesmo tempo que me deseja mudar, há a vontade de seguir na mesma com "my drug buddy". O arranjo simples destaca a voz e os vocais de apoio, além do uso do teclado para encorpar a melodia, enquanto "The Turnpike Down" é um country animado – estilo que o Wilco faria bastante sucesso no futuro – e "Bit Part" e "Alison's Starting to Happen" funcionam bem para completar o meio do disco.



A pouca falada balada "Hannah & Gabi" é outra ótima composição do disco, dessas faixas que nove entre dez compositores dariam os dedos para tê-la em seu repertório. A união da simplicidade melódica com uma letra identificável por boa parte das pessoas é perfeita para encantar quem ouve o disco. A parte final reserva a animada "Kitchen", a sombria "Ceiling Fan in My Spoon" e a estranha "Frank Mills".

(O cover de "Mrs. Robinson" ficou muito bom. Rápido e rasteiro, teria feito sucesso se gravado pelos Ramones, por exemplo.)

Novo astro do rock, Evan Dando teve uma exposição na mídia muito alta com o sucesso do disco. Isso, mas o envolvimento com Johnny Depp e Courtney Love, acabou fazendo com que ele perdesse o brilho dos tempos de Austrália. Ainda bem que os discos são eternos.



Ficha técnica

Tracklist:

1 - "Rockin Stroll"
2 - "Confetti"
3 - "It's a Shame About Ray" (letra: Evan Dando, Tom Morgan; música: Dando)
4 - "Rudderless"
5 - "My Drug Buddy"
6 - "The Turnpike Down"
7 - "Bit Part" (letra: Dando, Morgan; música: Dando)
8 - "Alison's Starting to Happen"
9 - "Hannah & Gabi"
10 - "Kitchen" (Nic Dalton)
11 - "Ceiling Fan in My Spoon"
12 - "Frank Mills" (James Rado, Gerome Ragni, Galt MacDermot)

Todas as músicas foram escritas por Evan Dando, exceto as marcadas

Bônus track
13 - "Mrs. Robinson" (Simon & Garfunkel cover) (Paul Simon)

Gravadora: Atlantic
Produção: The Robb Brothers
Duração: 29min46s

Evan Dando: guitarra e vocal
Juliana Hatfield: baixo e vocal de apoio
David Ryan: bateria

Convidados:

Jeff "Skunk" Baxter: guitarra slide em "Hannah & Gabi"
Nic Dalton: baixo em "Mrs Robinson"



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