Discos para história: Superunknown, do Soundgarden (1994)

História do disco

“Eu nunca olho para trás — nunca. Foi só quando fizemos esta reedição que percebi, para mim, o quão bom é olhar para trás”, disse Chris Cornell, em 2014, em entrevista para “Rolling Stone”, para falar das comemorações de 20 anos de “Superunknown”, lançado em 8 de março de 1994. O quarto álbum de estúdio da banda formada por Cornell, Kim Thayil, Matt Cameron e Ben Shepherd estreou no topo da parada nos Estados Unidos ao vender 310 mil cópias na primeira semana, sendo considerado uma das pedras fundamentais do rock dos anos 1990.

Eles vinham embalados por “Badmotorfinger”, de 1991, colocado nas lojas poucas semanas depois da estreia do Pearl Jam (“Ten”) e do novo e arrebatador disco do Nirvana (“Nevermind”). Com o sucesso das bandas de Seattle e do grunge como movimento musical e cultural de uma nova geração de adolescentes, eles passaram os dois anos seguintes na estrada, sem pausas. Para completar a nova onda, o filme “Vida de Solteiro”, com músicas dessa geração, e o álbum “Temple of the Dog”, uma homenagem ao vocalista Andrew Wood (1966-1990), estavam atrelados a eles de alguma forma. Era o momento ideal para cair na estrada, ainda que não tivessem a mesma repercussão dos amigos.

“Éramos uma banda há sete anos. Fizemos turnê pelo país mais de uma vez em uma van. Então, acho que definitivamente olhamos para esses álbuns e pensamos, bem, definitivamente pagamos nossas dívidas, então seria legal se tivéssemos um pouco desse sucesso real em vez de apenas aclamação da crítica, sabe?”, explicou o guitarrista Kim Thayil para “Classic Rock”.

Estou no BlueSky e no Instagram. Compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog! Confira a agenda de lançamentos.

Ao final disso, esgotados de tocarem para 60 mil fãs do Guns N’ Roses que não davam a mínima para a banda de abertura, eles tiraram todo ano de 1993 para pensar no novo disco de inéditas. Cornell comemorou a folga e cortou a longa cabeleira que vinha desde o início da banda. Os trabalhos começaram cedo e havia uma clara missão: fazer algo diferente do anterior e buscar uma nova conexão com a música para não apenas ser mais um grupo de rock, mas transformar esse novo material em algo especial.

“Musicalmente, estávamos prontos para experimentar muitas coisas novas, de certa forma. Embora fôssemos conhecidos internacionalmente há apenas alguns anos, já éramos uma banda há bastante tempo naquela época [o primeiro álbum é “Ultramega Ok”, de 1988]. Então, precisávamos nos expressar de forma diferente... E para mim, pessoalmente, tive finalmente as ferramentas para pegar a música que ouvi na minha cabeça e expressá-la da maneira que eu realmente queria”, falou Cornell, também para “Classic Rock”.

Para essa missão, eles chamaram o produtor Michael Beinhorn para ajudá-los. Ele havia trabalhado com Red Hot Chili Peppers, Violent Femmes, Soul Asylum e Herbie Hancock nos anos 1980. Mas o que deveria ser um período de inspiração artística e transpiração no estúdio, virou um conflito muito claro entre produtor e o Soundgarden. Acostumados a um determinado ritmo de gravação, mais rápido e sujo, eles viram que Beinhorn ficava por horas gravando determinados trechos das músicas até conseguir exatamente o que queria — muitas vezes, ele foi chamado de carrasco. Pela primeira vez, os quatro estavam trabalhando uma música de cada vez no estúdio por longos períodos.

“Eu queria aproveitar todas as oportunidades possíveis para fazer o melhor, mais interessante e mais envolvente disco que pudéssemos fazer, então esse era meu objetivo. Acho que havia muita pressão extra, porque deixei bem claro para eles como me sentia sobre o projeto e o que eu sentia que esse disco significava para eles. Quer dizer, eu nem pensei nas ramificações de longo prazo de algo assim, embora esse tipo de coisa também seja muito, muito importante”, disse Beinhorn, para revista “Spin”.

Não começou um braço de ferro ou disputa de poder, mas o cansaço e as reclamações eram constantes. Também pela primeira vez, eles não ficavam trabalhando as músicas no estúdio. Ao invés disso, as demos chegaram praticamente prontas, faltando apenas os ajustes no estúdio. Só que esses ajustes levaram três meses para serem gravados. E gravados. E regravados. Ainda havia o fato do Soundgarden não ter uma pessoa no comando, mas quatro pessoas dando palpites sobre o que poderia dar certo ou não em todos os trechos das faixas.

“Indo direto ao ponto, não tenho certeza se a intenção deles era a mesma que a minha. Quer dizer, eu não pensaria por um segundo que eles não queriam fazer um ótimo disco, mas não acho que eles queriam dedicar o mesmo tipo de tempo e esforço que eu. A primeira música que gravamos foi ‘Kickstand’. Isso foi após passar cerca de uma semana obtendo o tipo de som de bateria que eu estava procurando. Matt [Cameron] o executou entre 15 e 20 vezes, o que é muito para uma música”, explicou Beinhorn, ainda para a “Spin”. 

Mais álbuns dos anos 1990:
Discos para história: Samba Esquema Noise, do Mundo Livre S/A (1994)
Discos para história: Diary, do Sunny Day Real Estate (1994)
Discos para história: Calango, do Skank (1994)
Discos para história: Dummy, do Portishead (1994)
Discos para história: La Era de la Boludez, do Divididos (1993)
Discos para história: Last Splash, das Breeders (1993)

Cameron, em entrevista para “Classic Rock”, relembra a atmosfera de tensão da época da gravação, mas salienta que todos os envolvidos estavam nos melhores momentos criativos da carreira.

“Acho que criativamente estávamos realmente no auge naquele ponto. Estávamos escrevendo músicas muito legais e tocando muito bem juntos. Acho que o arco da banda estava totalmente no auge naquele ponto. Nós realmente queríamos estar preparados e ensaiamos muito. Trabalhamos nos arranjos das músicas e tudo mais. Lembro que essas sessões foram bem intensas... Levou quatro ou cinco meses para gravar aquele disco. Houve muita coisa acontecendo, como se passássemos três dias em uma parte de guitarra. Sabíamos termos um bom disco ali, mas acho que estávamos todos cansados ​​disso, simplesmente não nos importamos mais”, contou.

Esse clima de pressão, camaradagem e colaboração irrestrita entre os integrantes — Cameron criou vários riffs e Shepherd escreveu e gravou o vocal de “Half” —, colocou o Soundgarden para gravar todo material que tinha em mãos. No total, eles chegaram e gravaram 20 músicas ao todo, até que Beinhorn fez as contas e achou que 15 bastavam para o CD. No fim das contas, a banda acabou confiando no instinto do produtor nesse sentido, porque eles mesmos não queriam cortar nenhuma canção do álbum — depois de todo trabalho, é possível entender perfeitamente esse desejo. Mesmo com a tensão de trabalhar com alguém novo, que os fez se esforça como nunca, a sensação de todos no estúdio era de algo especial ali.

“Todos tiveram momentos de frustração, incluindo Beinhorn. Todos nós. Ficamos trancados no mesmo lugar por seis meses. Mas também direi que tivemos muitos momentos e risadas excelentes. Foi uma experiência emocionante estar lá com seis, sete, oito caras o dia todo, tocando nos fones de ouvido bem alto e tentando ultrapassar todos os limites”, contou o engenheiro de som Adam Kasper, em depoimento pata “Spin”.

Ao final da gravação, aconteceu outro drama: quando Beinhorn levou o álbum para mixagem, a pessoa contratada levou dois dias e meio e não conseguiu deixar o álbum como o produtor queria. Sem tempo e sem muitas opções, ele deixou a masterização na mão da banda, que prontamente recorreu Brendan O'Brien, recomendado por Jeff Ament (baixista do Pearl Jam) para corrigir pequenas coisas na produção e mixar. Ele levou um dia, impressionando todos os envolvidos. Se Cornell só foi entender o álbum após a mixagem, o produtor não gostou nada do que ouviu. Mas estava em cima da hora e acabou sendo voto vencido.

O fim dos trabalhos não acabou sendo dos melhores para o Soundgarden e Beinhorn, com cada um indo para o próprio lado sem despedidas emocionantes ou apertos de mãos efusivos. Até hoje, a produção divide opiniões dos especialistas, mas é senso comum que, para tantas músicas e mais de uma hora de duração, o álbum ainda é impressionante três décadas depois. Apesar do ótimo material e da boa recepção, Cornell relembra de toda crise moral envolvendo o sucesso de “Superunknown” logo nos primeiros dias.

Veja também:
Discos para história: Circo Beat, de Fito Páez (1994)
Discos para história: Tyrannosaurus Hives, do Hives (2004)
Discos para história: Mars Audiac Quintet, do Stereolab (1994)
Discos para história: Soda Stereo, do Soda Stereo (1984)
Discos para história: Autobahn, do Kraftwerk (1974)
Discos para história: O Terno, d'O Terno (2014)

“Sentimos como se tivéssemos que nos explicar. Viemos de um mundo onde fazer sucesso era mal visto e onde parecia haver algum tipo de engano quando pessoas compravam sua música. Esse era o mundo que odiávamos. Mas não apenas isso, nós assumimos uma plataforma sobre que odiávamos, como em: ‘Olha, nós odiamos isso; nós odiamos música comercial’. E então nos tornamos essa coisa. O que falamos agora? Que éramos mentirosos? Foi um momento de crise, embora eu ache que foi menos para nós porque não éramos uma banda que teve sucesso muito rapidamente. Mas fizemos turnê com o Guns N' Roses e vimos qual seria o resultado desse tipo de coisa”, revelou para o “Classic Rock”.

A tristeza de Chris Cornell nas letras é evidente e ficou ainda maior quando ele morreu, em 2017. “Superunknown” soava como uma última tentativa de transformar o Soundgarden em uma banda de sucesso e conhecida por pessoas fora do grunge. Com muita luta, chegaram lá, mas não duraria muito e, três anos após o lançamento, encerrariam as atividades por diversos problemas de convivência. Mas eles, que tanto foram inspirados por David Bowie, Black Sabbath e outros artistas eternos, acabaram conquistando a própria eternidade em um clássico dos anos 1990.

Crítica de “Superunknown”

Muita gente não lembra, mas “Superunknown” começa muito sombrio com “Let Me Drown”. A faixa trata do lado ruim do ser humano e como, ao ser consumido por isso, o desejo pela morte cresce dentro de si até se tornar algo inevitável. É uma música muito forte sob qualquer ponto de vista, ainda mais ao saber que o álbum saiu um mês antes da morte de Kurt Cobain, líder do Nirvana. Nem só de letras assim o trabalho, metodicamente produzido por Michael Beinhorn, foi feito. Houve espaço para o improviso na soundgardiana “My Wave”, composta em cima da hora de maneira improvisada quando a banda estava deixando o estúdio.

Ainda que não seja associada diretamente com fortes sintomas de depressão, “Fell on Black Days” traz um Cornell abertamente falando dos dias em que simplesmente não estava feliz com a própria vida, mesmo não acontecendo nada de importante ou relevante para fazê-lo pensar assim. Essa melancolia é refletida no andamento do duro andamento da bateria e de uma linha de baixo muito firme e muito própria, o grande trunfo nessa faixa (“Whatsoever I feared has come to life/And whatsoever I've fought off became my life/Just when every day seemed to greet me with a smile/Sunspots have faded, now I'm doin' time, now I'm doin' time”).

O tom sombrio continua em “Mailman” (momento em que o Soundgarden reverencia os grandes do metal com muito peso em todos os instrumentos), na faixa-título (com vocal inspiradíssimo de Cornell falando do desconhecido) e em “Head Down” (quando as máscaras das normas sociais afetam e mudam completamente quem somos verdadeiramente). É uma sequência de músicas profundas e de temáticas que, de uma forma ou outra, se entrelaçam em um só. É a preparação para “Black Hole Sun” que, segundo Cornell há alguns anos, é um fluxo de consciência sem um significado preciso. Acabou que essa leva de pensamentos soltos traduzidos em palavras mudou o patamar dele como compositor em uma das músicas mais tristes e bonitas daquela geração, um desabafo misturado com sonhos e pesadelos de uma mente agitada e triste (“In my eyes, indisposed/ In disguises no one knows/ Hides the face, lies the snake/ In the sun in my disgrace/ Boiling heat, summer stench/ 'Neath the black, the sky looks dead/ Call my name through the cream/ And I'll hear you scream again”).

Inspirada pelo artista de rua Artis the Spoonman, que toca com colheres em troca de contribuições do público, “Spoonman” traz o próprio em uma colaboração para mostrar como o apoio a uma cena ou a um artista é fundamental para o crescimento da comunidade, que puxa qualquer um para baixo e mostra que ninguém é melhor do que ninguém na sombria “Limo Wreck” (“And the wreck of you is the death of you all/ And the wreck of you is the break and the fall”). E enquanto a busca pelo otimismo e por viver uma vida normal segue em “The Day I Tried to Live”, a agitada “Kickstand” traz uma refreência à força e velocidade do The Who, banda amada por todo mundo da geração do grunge.

Uma parceria entre Cornell e o baterista Matt Cameron, “Fresh Tendrils” aposta em um instrumental muito potente, com ajuda de Natasha Shneider tocando clavinet para dar aquela encorpada na sonoridade, diferentemente da sequência formada pela etérea “4th of July”, literalmente inspirada em uma viagem de ácido com os instrumentos bem altos (“'Cause I heard it in the wind/ And I saw it in the sky/ I thought it was the end/ I thought it was the Fourth of July”) e da psicodélica “Half”, única cantada pelo baixista Ben Shepherd em todo álbum. Para encerrar, a inspiração de “Like Suicide” veio quando um pássaro bateu na janela da casa de Cornell e, para aliviar o sofrimento do animal a beira da morte, ele colocou deu ao bicho um fim. É uma reflexão sobre vida, sentimentos e tudo que envolve estar perto da morte.

Todo grande artista, em qualquer área, tem o grande momento do salto na carreira, aquele momento definitivo que marca o antes e depois. Para o Soundgarden foi “Superunknown”. Queridinhos da crítica, eles ainda penavam para conquistar o mesmo espaço de Nirvana e Pearl Jam, dois verdadeiros foguetes de sucesso. Demorou um pouco, mas eles conseguiram lançar um álbum que ultrapassou os limites e os transformaram em sucesso, mesmo com o desprezo com relação a tudo que veio junto em um álbum diferente dos anteriores. E com um Chris Cornell desabafando sobre os próprios sentimentos.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Let Me Drown” (3:51)
2 - “My Wave” (5:12)
3 - “Fell on Black Days” (4:42)
4 - “Mailman” (4:25)
5 - “Superunknown” (5:06)
6 - “Head Down” (6:08)
7 - “Black Hole Sun” (5:18)
8 - “Spoonman” (4:06)
9 - “Limo Wreck” (5:47)
10 - “The Day I Tried to Live” (5:19)
11 - “Kickstand” (1:34)
12 - “Fresh Tendrils” (Chris Cornell/Matt Cameron) (4:16)
13 - “4th of July” (5:08)
14 - “Half” (Ben Shepherd) (2:14)
15 - “Like Suicide” (7:01)

Todas as letras foram escritas por Chris Cornell, exceto as marcadas

Gravadora: A&M
Produção: Michael Beinhorn & Soundgarden
Duração: 70min13

Chris Cornell: vocal, vocal de apoio e guitarra
Kim Thayil: guitarra
Ben Shepherd: baixo, vocal de apoio; bateria e percussão na faixa 6; vocal complementar na faixa 8; vocal e guitarra na faixa 14
Matt Cameron: bateria e percussão; mellotron na faixa 4

Convidados:

April Acevez: viola na faixa 14
Artis the Spoonman: colher na faixa 8
Michael Beinhorn: piano na faixa 1
Fred Chalenor: harmonia na faixa 9
Justine Foy: violoncelo na faixa 14
Gregg Keplinger: bateria e percussão na faixa 6
Natasha Shneider: clavinet na faixa 12

David Collins: masterização
Jason Corsaro: engenheiro de som
Adam Kasper: assistente do engenheiro de som
Gregg Keplinger e Tony Messina: colaboradores de estúdio
Brendan O'Brien: coprodução e mixagem

Comentários