Discos para história: Tyrannosaurus Hives, do Hives (2004)

História do disco

Uma banda é feita de muitas coisas: boas músicas, conexão com os fãs e carisma. Alguns têm mais uma coisa do que outras ao longo da carreira e é perfeitamente normal. Agora o Hives, banda sueca formada em 1993, completa a cartela de itens com maestria. Para eles, a coisa demorou um pouco para acontecer, mas veio de uma vez nos últimos momentos do século XX, quando chamaram a atenção da Epitaph durante a turnê de divulgação de “Barely Legal”, primeiro álbum de estúdio.

A gravadora passou a distribuir o material da banda nos Estados Unidos, composto por um disco cheio, dois EPs e o vindouro segundo trabalho de inéditas, “Veni Vidi Vicious”, de 2000. Foi quando a banda explodiu mundialmente com o hit “Hate to Say I Told You So”, futuramente presente na trilha sonora do primeiro filme da trilogia “Homem-Aranha” — outras músicas do álbum foram usadas em jogos ao longo dos anos seguintes. Eles viraram verdadeiros fenômenos, com apresentações cada vez mais explosivas e cheias de energia. Mas algo colocaria os pés no chão rapidamente.

Estou no BlueSky e no Instagram. Compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog! Confira a agenda de lançamentos.

Com o contrato com a Epitaph acabando, eles negociaram com a Universal Music um contrato na casa de 10 milhões de dólares por dois álbuns, mas o selo havia negociado os direitos das músicas com a Warner Music. Enfim, uma confusão danada, resolvida posteriormente em um acordo entre todas as partes envolvidas. Porém, o estresse disso tudo afetaria a percepção do grupo sobre a indústria pelos próximos anos.

“Havia muitos números lançados, e havia muitas comparações com o Nirvana, blá blá blá. Não era realista. Eles não tinham caso. Não ganhamos, mas foi resolvido por uma quantia de merda”, disse o vocalista Pelle Almqvist, em entrevista para “Magnet Magazine”.

Mais álbuns dos anos 2000:
Discos para história: Nadadenovo, do Mombojó (2004)
Discos para história: The Libertines, do Libertines (2004)
Discos para história: Zero e Um, do Dead Fish (2004)
Discos para história: Franz Ferdinand, do Franz Ferdinand (2004)
Discos para história: Infame, do Babasónicos (2003)
Discos para história: Elephant, do White Stripes (2003)

A cansativa batalha judicial mexeu um pouco com os ânimos do Hives. Afinal, eles caminhavam para ser uma das bandas mais famosas do mundo e viam os esforços virarem um Titanic batendo no iceberg quando a linha de chegada estava próxima. Eles precisavam renovar a esperança na música e, principalmente, em si próprios. O novo álbum de estúdio seria um reflexo desse pensamento, fechado neles mesmos e menos afeitos a pessoas de fora. Para alguns artistas, ter uma enorme gama de opções é fundamental na construção de um álbum. Para “Tyrannosaurus Hives”, eles simplesmente escreveram os rascunhos, entraram em estúdio, discutiam opções e tocavam. E tocavam. E tocavam, inspirados no Krafewerk e no DEVO.

“Em ‘Veni Vidi Vicious’, queríamos soar como uma banda tocando em uma sala. Dessa vez, acabamos buscando um som seco, quase sem graça. E então teríamos que tocar com o coração para fazer soar interessante”, disse Almqvist, agora para revista “Spin”, em entrevista publicada em 2004.

De tanto tocar, a ideia do afastamento e da dureza da vida foi vencida pelo ânimo habitual e a vontade em fazer boas músicas. O trabalho deu uma virada de chave e ganhou um tom mais solar e cheio de guitarras, como um renascimento antes da chama queimar, aliado a uma simplicidade fora de moda na música da época — cheia de discos com 15 músicas que variavam entre os três minutos e meio e quatro minutos de duração.

Veja também:
Discos para história: Mars Audiac Quintet, do Stereolab (1994)
Discos para história: Soda Stereo, do Soda Stereo (1984)
Discos para história: Autobahn, do Kraftwerk (1974)
Discos para história: O Terno, d'O Terno (2014)
Discos para história: Clifford Brown & Max Roach, de Clifford Brown & Max Roach (1954)
Discos para história: Ain't That Good News, de Sam Cooke (1964)

“Percebemos que era apenas para ser o Hives elevado à décima potência, levar basicamente o mais longe que pudesse ir no ‘Tyrannosaurus Hives’ — músicas mais curtas, mais rápidas e mais compactas e todo esse tipo de coisa... Era meio que um beco sem saída [naquela época]”, falou o vocalista, ainda para “Magnet Magazine”.

Apesar de tudo, o Hives ainda voava e fazia do terceiro álbum de estúdio uma declaração da própria independência musical, sem se importar com as pressões de fora. Coisas grandes estavam planejadas, mas a indústria passaria pela maior crise da história, com o Napster eleito o grande vilão daquele momento e nada mais seria o mesmo até o início dos anos 2020. Pelo menos, eles tiveram o gostinho de ser uma das últimas bandas de rock de sucesso de uma época que deixou saudades para quem viveu.


Crítica de “Tyrannosaurus Hives”

Quem já teve a honra de assistir a um show do Hives sabe que eles começam a 220 km/h e não param um segundo sequer, como se o fim do mundo estivesse próximo e aquela apresentação fosse a última coisa a fazer antes de tudo virar poeira. O pouco mais de um minuto e meio de “Abra Cadaver” é uma pequena mostra disso, aliada a uma banda mais crua e com mais vontade de colocar qualquer casa de show abaixo.

A contagiante “Two-Timing Touch and Broken Bones” chega para mostrar mais disso, com eles mais inspirados do que nunca para fazer refrões grudentos e ganchos instrumentais de tirar o fôlego. Mas é no hit “Walk Idiot Walk”, com Pelle Almqvist soando como se tivesse tomado uns cinco litros de energético, que o Hives encontra a consagração e a maneira deles em fazer música. Existem momentos na vida em que não adianta negar quem você é e abraçar isso é uma forma de encontrar a própria paz. A terceira faixa de “Tyrannosaurus Hives” é a carta deles ao mundo, dizendo com todas as letras: somos isso e ninguém vai nos mudar.

As altas guitarras de “No Pun Intended”, os elementos eletrônicos de “A Little More for Little You” e o andamento contagiante de “B Is for Brutus” têm em comum o sentimento de alegria e o fato de conseguir conservar a energia juvenil do início da carreira, marca dos suecos até hoje — um feito e tanto para quem quase 35 anos da estrada. E a simplicidade da dançante “See Through Head” é um ponto positivo a mais.

Terceira em duração, “Diabolic Scheme” merecia mais atenção dos fãs e da crítica ao longo dos anos. Menos apressada e mais trabalhada no arranjo, ela soa mais caprichada para mostrar outro lado deles, mais preocupados em contar uma história com outros elementos que não apenas o básico, mas logo a coisa volta ao prumo de antes em “Missing Link” e em “Love in Plaster”, um hit futuro dos shows (“Said I'm losing my mind/ I got bit all the time/ And I'm better off dead/ 'Cause it was all in my head/ Now it's all lost/ And it's gone/ Don't I know it”).

A engraçadinha “Dead Quote Olympics” chega nos momentos finais, acompanhada de “Antidote” (“Bitter taste/ In your mouth/ It's too late/ To get it out/ Everytime/ I'm around/ You try to leave but /I'll be standing in your way”), para encerrar os quase 30 minutos de duração de mais um potente álbum.

Os suecos do Hives conseguem canalizar toda energia deles nas músicas e nos shows, um talento que poucos têm ao longo dos anos. “Tyrannosaurus Hives” está longe de ser um álbum com cara de clássico, aquele que olhamos e vemos um período ou analisamos um gênero específico. Mas acaba sendo um dos últimos trabalhos interessantes do rock em uma época dominada pelo pop e o hip-hop. Eles estarem aí até hoje é a comprovação de uma certa importância do disco, um dos últimos suspiros de uma indústria que morreu e virou outra coisa.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Abra Cadaver” (1:33)
2 - “Two-Timing Touch and Broken Bones” (2:00)
3 - “Walk Idiot Walk” (3:31)
4 - “No Pun Intended” (2:20)
5 - “A Little More for Little You” (2:58)
6 - “B Is for Brutus” (2:36)
7 - “See Through Head” (2:21)
8 - “Diabolic Scheme” (3:00)
9 - “Missing Link” (1:56)
10 - “Love in Plaster” (3:11)
11 - “Dead Quote Olympics” (1:59)
12 - “Antidote” (2:30)

Todas as músicas foram compostas por Randy Fitzsimmons

Gravadora: Polydor/ Interscope
Produção: Pelle Gunnerfeldt & The Hives
Duração: 29min58

Howlin' Pelle Almqvist: vocal
Nicholaus Arson: guitarra e vocal de apoio
Vigilante Carlstroem: guitarra e vocal de apoio
Dr. Matt Destruction: baixo
Chris Dangerous: bateria

Björn Yttling: arranjo de cordas
Andreas Forsman, Johan Moren, Rebecca Karlsson, Christoffer Öhman, Henrik Söderqvist: conjunto de cordas

Pelle Gunnerfeldt: engenheiro de som e mixagem
The Hives e Michael Ilbert: mixagem
Johan Gustavsson: engenheiro de som
George Marino: masterização

Comentários