Discos para história: Diary, do Sunny Day Real Estate (1994)

História do disco

Muita gente conhece o Sunny Day Real Estate ao saber que o baixista Nate Mendel entrou no Foo Fighters quando Dave Grohl soube que a banda, após o lançamento de dois álbuns de estúdio, encerrou as atividades pela primeira vez. Do colapso, também saiu o baterista William Goldsmith, que ficou pouco tempo e abriu uma das muitas feridas da história do ex-baterista do Nirvana enquanto líder. Todos eram de Seattle, então fazia sentido entrar nesse projeto legal “para saber no que ia dar”. Deu no que deu.

Ninguém sabia, mas, 30 anos depois, “Diary”, lançado em 10 de maio de 1994, no mesmo dia da estreia do Weezer, seria um dos discos mais valorizados pela geração de músicos surgidos no final dos anos 1990 até o final da segunda década dos anos 2000. Formado inicialmente pelo guitarrista Dan Hoerner, Goldsmith e Mendel, o trio teve três nomes antes de escolher o incomum Sunny Day Real Estate. E diferentemente de outros colegas, influenciados pelo grunge, pelo metal ou pelo pós-punk, eles apostaram em uma espécie de rock melódico — posteriormente conhecido como emo, eterno alvo de chacota até hoje.

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“Éramos caras que tocavam hardcore, experimentando como escrever músicas. Hardcore é muito rápido e fora de controle. Ainda havia composição e arranjos, mas isso era uma coisa totalmente nova, aprender a sair da zona de conforto. Tínhamos essas melodias que eram meio triunfantes, que combinavam com o que estávamos sentindo”, falou Goldsmith para o site da gravadora Sub Pop.

Quando Mendel fez uma turnê na Europa com o Christ on a Crutch, os outros dois ficaram de bobeira e acabaram chamando Jeremy Enigk para fazer um som, passar o tempo, fumar um baseado, essas coisas. E em uma dessas obras do destino, a química entre eles, musicalmente falando, foi uma dessas coisas de ver estrelas em plena luz do dia. O vocal dele, com apenas 18 anos, encaixou incrivelmente com o vocal de apoio e as melodias da guitarra de Hoerner. Tê-lo como novo integrante fazia todo sentido. O baixista retornou, foi recebido com essa novidade e ficou claro logo na primeira sessão com os quatro juntos que essa era a formação ideal do Sunny Day Real Estate.

“Tenho uma memória realmente visceral da primeira vez que Jeremy, William e eu tocamos juntos. Tive um frisson de eletricidade que passou pelo meu corpo. Todos os pelos dos meus braços e da minha nuca estavam arrepiados, e eu me sentia como se estivesse ouvindo a melhor música que já tinha ouvido. Eu simplesmente sabia que havia algo absolutamente estranho e elétrico acontecendo”, revelou Hoerner, em entrevista ao site da revista ‘Spin’.

Quando algo assim acontece, é natural um processo de maturação ou algo próximo disso. A não ser quando algo excepcional faz tudo acontecer em uma velocidade inesperada. Em um dia de maio de 1993, o quarteto estava fazendo a segunda apresentação da carreira no Crocodille Café, em Seattle, para uma plateia de amigos e alguns desconhecidos. Entre essas pessoas, estava o cofundador da Sub Pop, Jonathan Poneman. Impressionado, colocou na cabeça que iria contratá-los de qualquer maneira.

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“Na época, a Sub Pop era o auge. Eles já haviam mais do que feito seu nome na cena ao, entre outras coisas, lançar os primeiros discos do Mudhoney, relançar o clássico cult dos Wipers, ‘Is This Real?’, ser a primeira casa do Nirvana e a gravadora que lançou ‘Bleach’. Todo mundo queria soar como o Nirvana, e por boas razões. Na minha opinião, não existia nenhuma gravadora que tivesse mais a oferecer desse ponto de vista, o mais importante”, relembrou Hoerner, agora para ‘Paste Magazine’.

Em poucas semanas, os quatro novatos eram a mais nova aquisição do selo mais legal do mundo naqueles dias. Com apenas dois anos de existência, eles viraram uma das apostas da gravadora para aquele ano. Para a missão de registrar o primeiro álbum de estúdio, Poneman chamou o experiente produtor Brad Wood. Poucos meses antes, ele trabalhou em “Mosquito”, EP do Tortoise, em “Exile in Guyville”, álbum de estreia de Liz Phair, além de acumular uma série de artistas novatos desde o início da carreira, iniciada no final dos anos 1980. As gravações acontecem logo após o final da primeira turnê, feita ao melhor estilo “enfia quatro caras numa van com o equipamento para tocar em cada parada e ver no que dá”.

Um dos grandes trunfos da composição do repertório são os temas atemporais admirados pelos fãs até hoje, uma certeza da eternidade do álbum comprovada pelo sucesso dos relançamentos recentes feitos para comemorar o 20º e 30º aniversários, respectivamente. Mesmo assim, na época do lançamento original, a repercussão foi muito pouca. Os sucessos de “Seven” e “In Circles” nas rádios universitárias não foram suficientes para colocá-los em qualquer parada da ‘Billboard’. Mas não ajudou o fato de eles darem apenas uma (1) entrevista para divulgar “Diary” e divulgar uma (1) única foto.

Ainda assim, eles conseguiram vender pouco mais de 23 mil cópias do álbum de estreia, um número e tanto — na época, a Sub Pop comemorou o fato de ser o sétimo melhor lançamento da gravadora de todos os tempos. A banda ainda conseguiu atenção nacional ao aparecer no ‘The Jon Stewart Show’, conseguindo aumentar a procura por ingressos para a turnê marcada para começar em outubro de 1994. O que ninguém sabia era o crescimento das tensões entre os quatro, começando com o fato de eles não ensaiarem mais juntos.

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Em meados do ano seguinte, eles entregaram mais um disco de inéditas antes do primeiro e traumático fim, que duraria três anos até uma nova reunião. E um novo término. Mas, apesar das idas e vindas, o Sunny Day Real Estate nunca foi esquecido por quem ouviu ainda na adolescência, um marco e tanto para qualquer banda que pode não ter feito sucesso, mas conseguiu entrar no panteão da eternidade.

“Sempre fico constantemente surpreso quando descubro que somos uma inspiração para outras bandas. Estamos honrados, mas também é uma surpresa. Por muito tempo, depois que a banda se separou pela primeira vez, as pessoas me diziam: ‘Você sabe que há muitas pessoas que ouvem sua antiga banda?’ E eu dizia: ‘Huh, é mesmo? Isso é estranho'”, disse Golsmith, em depoimento para ‘Paste Magazine’.

Crítica de “Diary”

Considerado um dos grupos precursores do emo, o Sunny Day Real Estate também tem um dos hinos do gênero: “Seven”. Primeira faixa de “Diary” traz a introdução inconfundível de uma dessas canções impossíveis de não cantar junto (“Sew it on/ Face the fool/ December's tragic drive/ When time is poetry/ And stolen the world outside/ The waiting could crush my heart”).

A infelicidade é uma das temáticas importantes do álbum, mostrada inicialmente na pesada “In Circles”, quando o narrador não consegue fazer ninguém feliz — nem a ele mesmo. Outro assunto importante é a melancolia, apresentada ao público em “Song About an Angel”. Musicalmente falando, o famoso estilo melódico é mostrado como mais intensidade na quarta faixa do trabalho, chamada “Round”, quando a guitarra surge com força e lembra várias bandas do mesmo estilo surgidas nos anos seguintes.

Com um dos refrões mais bonitos da discografia (“Hair of gold swims through caught in my mind/ Painted picture prized jewels on a crown/ Poisoned wine I fall to the floor/ Caught a glimpse of truth”), “47” tem em todos os itens citados anteriormente como motivos para fazê-la uma das melhores canções da banda. E “The Blankets Were the Stairs” tem no vocal arranhado e gritado de Jeremy Enigk faz dela outra ótima canção. O teclado, Enigk ajuda no desabafo triste e suave “Pheurton Skeurto” ao levantar mais perguntas do que respostas sobre os outros. E outro grande sucesso posterior ao lançamento, “Shadows” é encontra eco em diversos outros artistas da década seguinte. Pudera, o refrão é ótimo e grudento (“No one can take away/ Leaf falls short/ Dream's over/ A lie's the same if I may weep”).

“48” e “Grendel” encaminham o ouvinte para o final apelando ao melódico e nas variações das emoções como ponto alto, e encerra em grande estilo com o desabafo pulsante de “Sometimes” (“Sometimes/ You drag me on/ No words to explain/ Although you threw away my name/ From your mind/ I have to try/ Although my heart is bruised by your words”).

“Diary” soa como um desses encontros do destino em que todos os elementos se juntam por um breve instante para dar ao mundo alguma coisa. Três décadas após o lançamento, talvez o primeiro álbum do Sunny Day Real Estate não tivesse toda essa atenção se os integrantes não ficassem entre idas e vindas, entre as próprias picuinhas juvenis e descansos de uma década. Mas, apesar de tudo isso, eles conseguiram o que poucas bandas conseguem: influenciar outras. Fica a lição: vale mais ser honesto consigo mesmo ao invés de apostar em sucessos passageiros.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Seven”
2 - “In Circles”
3 - “Song About an Angel”
4 - “Round”
5 - “47”
6 - “The Blankets Were the Stairs”
7 - “Pheurton Skeurto”
8 - “Shadows”
9 - “48”
10 - “Grendel”
11 - “Sometimes”

Todas as músicas foram escritas por Jeremy Enigk e Dan Hoerner

Gravadora: Sub Pop
Produção: Brad Wood
Duração: 52min47

Jeremy Enigk: vocal, guitarra e teclado
Dan Hoerner: guitarra e vocal de apoio
Nate Mendel: baixo
William Goldsmith: bateria e percussão

Brad Wood: engenheiro de som e mixagem

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