História do disco
O manguebeat (ou manguebit) foi um dos movimentos, talvez o último de repercussão nacional, a conseguir chamar a atenção de toda imprensa cultural do Brasil. Sheik Tosado, Eddie, CSNZ, Mundo Livre S/A e Chico Science & Nação Zumbi fizeram da música não apenas algo para colocar para fora as próprias ideias, mas um manifesto sobre ser de Recife e como era viver fora de um chamado grande centro. Uma década depois, as coisas haviam mudado muito. Chico não estava mais entre nós, a música digital começava a reinar e a geração mais jovem estava pronta para uma troca de guarda. Um desses grupos era o Mombojó.
A história começa como outras tantas na música: amigos se juntaram para fazer um som em uma banda chamada Play Damião. Com o tempo, trocas de integrantes foram acontecendo porque a vida tem dessas coisas e a opção foi mudar de nome para Mombojó Ragajá!. Mais mudanças aconteceram e Monbojó virou o nome definitivo dessa banda, ainda formada por adolescentes ou adultos recém-saídos dessa fase da vida. Felipe S, Samuel, Vicente Machado, Marcelo Machado, O Rafa, Chiquinho e Marcelo Campello tinham experiências em outros grupos, apesar da pouca idade.
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Um momento importante aconteceu logo após o lançamento do primeiro EP: o contato de um jovem China, então vocalista do Sheik Tosado e hoje um dos apresentadores do Multishow nos grandes eventos musicais. A afinidade foi instantânea a ponto da letra de “Adelaide” ser musicada por Marcelo e Felipe em uma visita cheia de vergonha e timidez. A coisa cresceu e a parceria musical virou uma amizade fundamental na carreira de todo mundo, com um ajudando o outro a crescer musicalmente na busca por um lugar ao sol.
Com algumas letras em andamento mais a parceria com China, o Mombojó começou a correr atrás da gravação do primeiro disco. E em um desses empurrões que o destino dá a quem cedo madruga, eles conseguiram dinheiro via Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Recife para entrar no estúdio. Feito de maneira totalmente independente, apenas os músicos, parceiros e a equipe do estúdio sabiam o que estava acontecendo. Tudo para evitar palpites e qualquer resquício de insegurança, responsável por problemas na composição e concepção de nove entre dez bandas novatas no Brasil e em um país a sua escolha.
Mais discos dos anos 2000:
Discos para história: The Libertines, do Libertines (2004)
Discos para história: Zero e Um, do Dead Fish (2004)
Discos para história: Franz Ferdinand, do Franz Ferdinand (2004)
Discos para história: Infame, do Babasónicos (2003)
Discos para história: Elephant, do White Stripes (2003)
Discos para história: Admirável Chip Novo, de Pitty (2003)
Assim, todo mundo tinha liberdade para dar palpite e mexer nas músicas de “nadadenovo”, se necessário. São várias cabeças pensantes e influências diversas, então o trabalho no álbum foi uma junção de tudo isso. “Às vezes são quatro [músicas] em uma. É que a gente não gosta de coisas lineares e são muitas cabeças pensando ao mesmo tempo”, disse o vocalista Felipe S., entrevista ao “Estado de S. Paulo”, publicada em 2004.
Com uma tiragem inicial de 2 mil cópias, eles mesmos colocaram o “Nadadenovo” nas lojas de discos em Recife, além de vender algumas unidades nos shows. Tudo com boa repercussão na imprensa local. Não demoraria muito para Lobão, então com um projeto muito interessante de vender álbuns independentes nas bancas de jornais de São Paulo, conseguir disponibilizar o trabalho no Sudeste no formato físico.
Veja também:
Discos para história: Samba Esquema Noise, do Mundo Livre S/A (1994)
Discos para história: Crucificados pelo Sistema, do Ratos de Porão (1984)
Discos para história: O Romance do Pavão Mysteriozo, de Ednardo (1974)
Discos para história: Clifford Brown & Max Roach, de Clifford Brown & Max Roach (1954)
Discos para história: Ain't That Good News, de Sam Cooke (1964)
Discos para história: Morning Phase, de Beck (2014)
Mas o pulo para transformar para sempre a vida do Mombojó foi colocar o disco gratuitamente para download na internet. Na época, o MySpace, um site de música que se misturava com rede social e reduzia a distância entre fã e artista, e o site da Trama, gravadora responsável por revolucionar a nova música independente brasileira, foram passos importantes na popularização dos arquivos MP3 por aqui. Colocar o disco grátis na internet era uma maneira de chegar em mais gente para tentar vender mais shows. E, diferentemente de hoje, não existia uma centralização em redes sociais. Era tudo mais livre, como Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, sempre sonhou. Outros tempos.
Em um tempo de efervescência na música independente brasileira, o Mombojó surgiu na hora certa e no momento certo com um trabalho cheio de referências e com um frescor então em falta. Fruto de uma época em que o mundo viveu o último momento de liberdade na internet antes da explosão das redes sociais, “Nadadenovo” chegou cheio de elogios na crítica e acabou entrando uma várias listas de melhores discos de 2004. Um feito e tanto para uma banda novata.
Crítica de “Nadadenovo”
Com 15 músicas, “Nadadenovo” é uma mistura de tudo que os integrantes gostam e tinham vontade de fazer na carreira. “Cabidela” abre o álbum com samples e soando uma música perdida do Mundo Livre S/A, já “Deixe-Se Acreditar” tem a influência do rock dos anos 1960 como ponto de partida de uma longa introdução para virar algo maior e cheio de detalhes que fazem toda diferença (“Esse é o reino da alegria [x2]/ Tudo pode ser/ Nada vai acontecer, não tema”).
“Nem Parece” é um samba bem competente, cheio de ritmo e de letra melancólica, mas o álbum ganha uma virada e tanto na sombria “Discurso Burocrático”, primeira de cinco letras compostas apenas por Felipe S, que emendada com “A Missa” mostra uma maturidade e tanto de uma banda formada então por pessoas muito jovens. E o ar mais pop surge na suave “Absorva”, com uma clara influência do post-rock do Stereolab.
O samba retorna em “O Céu, O Sol E O Mar”, consolidando de vez a parceria de Felipe S. com China, que retorna sozinho na letra de “Adelaide”, uma bonita homenagem para Jovem Guarda e a quem deu o pontapé inicial na música jovem brasileira. A simples letra de “Duas Cores” ganha muito no arranjo mais elaborado e cheio de nuances contrasta com a melancolia de “Estático” (“Se eu choro é por causa de você/ Se eu deixo os dias passarem assim/ É porque perdi a vontade de viver/ Alegre ou triste o que é que vai mudar em mim”).
“Merda” evoca a bossa nova e experimenta mais samples do que as anteriores — João Gilberto teria uma síncope ao ouvi-la. E se “Splash Shine” mistura samba com eletrônico e traz um refrão bem agitado, “Faaca” tem uma maçaroca sonora inicial para apresentar uma letra muito potente. A coisa suaviza mais uma vez na balada “Baú” e encerra com “Container”, outro samba que começa soturno e segue por um caminho mais lúdico até o final.
Ouvir o álbum duas décadas depois do lançamento é entender as qualidades de uma banda jovem e os defeitos da ansiedade em querer fazer dois discos em um só. No geral, “Nadadenovo” é bem competente em explorar influências e, fruto de uma época, é importante para entender a que ponto estava a música brasileira naquela época e para onde foi após esse vendaval de novidades, musicais e tecnológicas.
Ficha técnica
Tracklist:
1 - “Cabidela” (China/ Felipe S.) (3:54)2 - “Deixe-Se Acreditar” (China/ Felipe S.) (3:52)
3 - “Nem Parece” (Felipe S./ Vicente Machado) (2:22)
4 - “Discurso Burocrático” (Felipe S.) (0:48)
5 - “A Missa” (Felipe S./ Marcelo Machado) (3:54)
6 - “Absorva” (Felipe S./ Samuel) (4:33)
7 - “O Céu, O Sol E O Mar” (China/ Felipe S.) (4:04)
8 - “Adelaide” (China) (2:05)
9 - “Duas Cores” (Felipe S.) (2:57)
10 - “Estático” (China) (4:51)
11 - “Merda” (Felipe S./ Marcelo Campello) (3:05)
12 - “Splash Shine” (Felipe S.) (2:17)
13 - “Faaca” (Felipe S./ Mauricio Silva) (2:59)
14 - “Baú” (Felipe S.) (3:34)
15 - “Container” (Felipe S.) (3:54)
Gravadora: L&C Editora
Produção: Igor Medeiros, Léo D. e William P.
Duração: 49min16
Marcelo Campello: violão, cavaquinho e escaleta
Samuel: baixo
Vicente Machado: bateria
Marcelo Machado: guitarra
O Rafa: flauta
Chiquinho: teclados e sampler
Felipe S: vocais
Carlos Freitas: masterização
Gabriel Furtado, Léo D, William P. e Igor Medeiros: mixagem
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