História do disco
Nascido em 1930, Clifford Brown começou a carreira muito cedo em um grupo vocal com irmãos em uma igreja em Wilmington, em Delaware. O interesse por música era tamanho que, aos 13 anos, já tocava trompete na banda da escola. À medida que crescia, no tamanho e no talento, começou a fazer apresentações em outras cidades e a fama cresceu ao ponto de conseguir tocar na Filadélfia quando era menor de idade. Foram nessas andanças que conheceu Dizzy Gillespie e Charlie Parker, dois dos grandes incentivadores da carreira, com quem dividiu o palco inúmeras vezes.
Ao conseguir entrar na faculdade com uma bolsa de estudos em música, aprendeu a ler partituras e a escrever arranjos. A experiência o levou a ir cada vez mais longe, sendo apresentado a duas figuras fundamentais na carreira: o baterista Max Roach e o trompetista Fats Navarro, duas pessoas importantíssimas também fora dos palcos.
Estou no Twitter e no Instagram. Compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog! Confira a agenda de lançamentos
Já Roach nasceu na Carolina do Norte, mas, aos quatro anos, mudou-se com a família para o Brooklyn, em Nova York. Quando criança, tocava corneta, mas o amor pela bateria bateu forte ao começar no instrumento aos sete anos. Aos dez, já tocava em bandas gospel e se profissionalizou antes mesmo de completar 18 anos. Jovem e disposto, ele tinha a vantagem de estar cercado por clubes de jazz e aproveitava ao máximo qualquer chance, como substituir Sonny Greer na banda de Duke Ellington na residência dele no Paramount Theater.
O envolvimento com a cena novaiorquina o fez tocar, gravar com todos os grandes da época e ser uma peça fundamental no que ficaria conhecido mundialmente com o bebop. Além de Ellington, ele tocou com Benny Cartes, Charlie Parker e esteve nas sessões de “Birth of the Cool”, de Miles Davis, em 1949. Quando a década virou, resolveu fazer faculdade de música e aceitou o emprego fixo com Parker mais uma vez até 1953, quando finalizou o curso. E esteve no famoso show, realizado em Toronto, que contou com Charles Mingus, Bud Powell, Dizzy Gillespie e Parker no mesmo palco.
Mais álbuns dos anos 1950:
Discos para história: Canções Praieiras, de Dorival Caymmi (1954)
Discos para história: Chet Baker Sings, de Chet Baker (1954)
Discos para história: An Evening with Billie Holiday, de Billie Holiday (1953)
Discos para história: Nora Ney, de Nora Ney (1958)
Discos para história: Black Coffee, de Peggy Lee (1953)
Discos para história: Os Sambas que Gostamos de Cantar, do Trio Irakitan (1957)
Em 1954, foi o ano que tudo mudou. Max, convidado pelo produtor Gene Norman, foi trabalhar na Costa Oeste e teve a primeira oportunidade em formar a própria banda para levá-la em turnê. O baterista queria algo a mais, sabia que Brown, então morando na Costa Leste, conseguia entregar e perguntou se o trompetista não queria entrar no quinteto não apenas para fazer parte, mas para coliderá-lo. Com a resposta positiva, era esperar o final da leva de shows para colocar esse novo grupo na estrada. Para se preparar, a dupla alugou uma casa e ficou dias ensaiando até definir a direção musical.
O quinteto, além dos dois, contou com o saxofonista tenor Harold Land, o pianista Richie Powell (irmão do pianista Bud Powell) e com o baixista George Morrow. Todos de enorme qualidade e currículos invejáveis por tocarem com todos os grandes do período. Com todo repertório definido e aprendido por todo mundo, eles entraram no Capitol Studios, em Los Angeles, em 2 de agosto de 1954, para primeira de três sessões de gravação do álbum futuramente conhecido como “Clifford Brown & Max Roach”.
Eles não sabiam que o álbum, lançado em dezembro de 1954, daria uma espécie de pontapé no chamado hard bop, subgênero do jazz com influências do blues, gospel e R&B, uma extensão do bepop e uma “revolta” contra o excesso de técnicas do chamado cool jazz. O LP seria considerado um dos melhores de todos os tempos e fonte de inspiração para muitos músicos da geração seguinte.
Veja também:
Discos para história: Ain't That Good News, de Sam Cooke (1964)
Discos para história: Morning Phase, de Beck (2014)
Discos para história: The Libertines, do Libertines (2004)
Discos para história: Diary, do Sunny Day Real Estate (1994)
Discos para história: Ocean Rain, do Echo & the Bunnymen (1984)
Discos para história: Kimono My House, dos Sparks (1974)
Seria o primeiro de cinco álbuns da parceria, todos considerados clássicos até hoje. Uma pena que a carreira de Brown foi abreviada, em 27 de junho de 1956, quando morreu em um acidente de carro no caminho para uma apresentação em Chicago. O pianista Richie Powell e a esposa dele, Nancy, também morreram na hora.
Apesar do pouco tempo em atividade, com pouquíssimas gravações, a dupla formada por Clifford Brown e Max Roach conseguiu inovar e dar um passo além quando ninguém esperava nada. Quase 60 anos após o lançamento, o trabalho continua relevante para entender como jazz é um dos gêneros mais interessantes de acompanhar a história e evolução. Graças a músicos como eles, registros importantes foram feitos e, felizmente, estão eternizadas.
Crítica de “Clifford Brown & Max Roach”*
Um dos grandes compositores e maestros da primeira metade do século XX, Victor Young deixou uma série de composições, incluindo “Delilah”, faixa de abertura do primeiro álbum da parceria entre Clifford Brown e Max Roach. Com pouco mais de oito minutos de duração, a faixa funciona como um pequeno ensaio do que está por vir no restante do álbum. É praticamente impossível não ficar encantado com a força do quinteto montado por eles.
Irmão de Bud Powell, Ritchie Powell trabalhou com Roach no início dos anos 1950. Por isso, ao entrar em estúdio para gravar “Parisian Thoroughfare”, dois quintos da banda sabiam cada nota do início ao fim de uma faixa animada e de início reconhecível pelos anos seguintes, presentes em filmes e seriados. Para fechar o lado A, “The Blues Walk” surge como um vulcão, pronto para arrastar tudo e a todos com a força e energia da primeira de três composições de Brown no trabalho.
A segunda parte do trabalho abre com mais uma composição do trompetista: “Daahoud”. Os pouco mais de quatro minutos mostram, com solos bem colocados e um acompanhamento preciso da bateria, que a dupla tinha tudo para fazer muito mais na música com o passar dos anos. E a última de Brown, “Joy Spring”, é uma das assinaturas da carreira e uma homenagem ao cachorro da mulher, com quem havia se casado recentemente.
Composta por Duke Jordan, a clássica “Jordu”, de 1953, passou a ficar conhecida no mundo do jazz a partir da versão tocada nesse álbum. Com idas e vindas, carregada no drama e cheia de energia, a faixa se destaca com relação às outras por ser especial. E o encerramento fica por conta da animada “What Am I Here For?”, composição do gênio Duke Ellington.
Ao ouvir esse disco na íntegra, dá para entender o motivo do culto e admiração dos fãs e críticos de jazz nos últimos anos. Elogiado na época, essa coleção de músicas mostra como a união de Clifford Brown e Max Roach foi uma dessas coisas destinadas a acontecer, porque eles precisavam mostrar ao mundo essas preciosidades. Ainda bem que conseguiram.
*optei por escrever sobre a versão posterior ao lançamento original, com a inclusão das faixas “The Blues Walk” e “What Am I Here For”, gravadas em fevereiro de 1955
Ficha técnica
Tracklist:
Lado A
1 - “Delilah” (Victor Young) (8:03)2 - “Parisian Thoroughfare” (Bud Powell) (7:16)
3 - “The Blues Walk” (Clifford Brown) (6:53)
Lado B
1 - “Daahoud” (Clifford Brown) (4:01)2 - “Joy Spring” (Clifford Brown) (6:48)
3 - “Jordu” (Duke Jordan) (4:00)
4 - “What Am I Here For?” (Duke Ellington) (3:04)
Gravadora: EmArcy
Produção: Bob Shad
Duração: 43min44
Clifford Brown: trompete
Harold Land: saxofone tenor
Richie Powell: piano
George Morrow: baixo
Max Roach: bateria
Comentários
Postar um comentário
Usem os comentários com parcimônia. Qualquer manifestação preconceituosa, ofensas e xingamentos são excluídos sem aviso prévio. Obrigado!