Discos para história: Zero e Um, do Dead Fish (2004)

História do disco

“Eu tenho minha visão do seguinte: a gente chegou na situação limite no meio independente”, diz Rodrigo Lima, logo nos primeiros segundos do making of do álbum “Zero e Um”, lançado em 2004 pelo Dead Fish, talvez o maior momento de fama da história da banda, fundada no Espírito Santo 13 anos antes. Segundo os próprios integrantes, em entrevista para ‘Folha de S. Paulo’ na época do lançamento, eles venderam 55 mil cópias de todos os CDs até ali, um bom número para uma banda independente. Mas eles estavam quase desistindo.

“Éramos grandes, mas não tínhamos mais por onde crescer. Tocávamos muito, mas não conseguíamos administrar as agendas e o dinheiro. Pensamos em desistir, mas o Rafael nos ligou e vimos uma luz”, disse Rodrigo ao jornal.

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Quem demonstrou interesse em levá-los para Deckdisc foi o produtor Rafael Ramos, um ano antes, fundamental para gravação de “Admirável Chip Novo”, responsável por lançar Pitty ao Brasil e mudar para sempre a história da cantora. Porém, a tarefa não seria fácil, e as conversas levaram um ano até a assinatura do contrato para um trabalho que influenciaria uma geração inteira.

Antes de estourar com o primeiro disco por uma gravadora com mais recursos, não necessariamente grande, a banda só foi lançar a estreia em 1998, “Sirva-se”, pelo selo Lona Records — vendeu 10 mil cópias. Embalados, gravaram “Sonho médio”, um dos melhores e mais importantes álbuns da cena independente hardcore brasileira dos anos 1990, e, em 2001, com “Afasia”, colocando o Dead Fish de vez no cenário e com muita gente de olho para contratá-los. 

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A música independente brasileira é feita de gente trabalhadora, já que o “faça você mesmo” é a lei. Para eles, criar a Terceiro Mundo Produções Fonográficas soava natural nesse processo de tomar conta da própria vida. Para Gastão Moreira, Rodrigo contou que o selo estava quebrando por problemas administrativos durante um período muito ruim da vida dele, quando passou a beber excessivamente e a ter comportamento violento dentro e fora dos palcos. Havia um esgotamento entre os integrantes, com o fim do Dead Fish sendo considerado. Eles estavam no limite físico, psicológico e profissional. Até o acerto com a Deck.

“Quando finalizamos o ‘Zero e Um’ e fomos obrigados a se mudar para São Paulo, tive uma sensação tão grande de felicidade que pensei: ‘Deu certo! É isso aí o que quero fazer da minha vida’”, explicou Rodrigo Lima para ‘Rolling Stone’.

Se falam por aí que toda crise é uma oportunidade para conseguir coisas novas, o Dead Fish fez de “Zero e Um” uma espécie de novo marco zero, um momento de refundação importante para quem estava na beira do precipício — em depoimento para João Gordo, no programa ‘Panelaço’, Rodrigo admitiu que ficou muito perto de voltar ao Direito, tamanha frustração naquele momento da vida. No embalo de bandas mais novas, como CPM22 e NX Zero, eles conseguiram se consolidar na programação da MTV Brasil e nas rádios de São Paulo. 

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“A melhor coisa é estar na estrada, conhecer gente louca, interessante e diferente do que você estava acostumado na sua cidade, no seu colégio e da sua família, e ainda receber pra isso. A carga de conhecimento e jogo de cintura que tenho vivido no punk/hardcore nenhuma universidade do mundo ensina”, contou o vocalista, em entrevista ao site ‘Tenho Mais Discos que Amigos!’.

Lançado em 2004, “Zero e Um”, mixado nos Estados Unidos por Ryan Green, vendeu 30 mil cópias e transformou a banda em uma espécie de fenômeno tardio no cenário nacional. Naquele ano, eles ganharam o VMB (Video Music Brasil) de Banda Revelação e gravaram o primeiro DVD, “MTV Apresenta: Dead Fish”, se consolidando de vez como uma dos melhores do período em um justo reconhecimento pelos quase 15 anos de estrada. A partir disso, a vida deles e de quem ouviu o álbum nunca mais foi a mesma.

Crítica de “Zero e Um”

Com todos os problemas envolvendo a banda, “Zero e Um” é um álbum gravado com raiva. E, querendo ou não, fez toda diferença na maneira de passar as mensagens. Começar com a pancada “Urgência” é uma boa maneira de mostrar que eles não estavam — e ainda não estão — para brincadeira quando o assunto é usar a música para abordar algum assunto importante — do momento ou da história.

Um dos méritos desse disco está na força juvenil ao conseguir fazer o mais próximo possível de um show, sempre ótimos desde muito antes da gravação. Então, quando “Tão Iguais”, “Zero E Um” e “Queda Livre” (“Você é covarde demais!/ Pra entender/ O quanto é intenso!/ Agora todos os extremos/ Insistir que o erro é dos / Outros!”) vêm praticamente em um fôlego só, é uma disposição que pouca gente tem em fazer. E méritos para o produtor Rafael Ramos que, mais uma vez, conseguiu explorar ao máximo a principal característica de um artista sem prejudicá-lo na gravação, dando força aos instrumentos do início ao fim.

A chegada de “Bem-Vindo Ao Clube”, com as guitarras e a bateria bem pesadas, mantém o ouvinte presente o tempo inteiro. Na época do lançamento, nesse momento, qualquer adolescente já estava plenamente conquistado. O interlúdio “Senhor, Seu Troco”, extremamente político, prepara a pessoa para a próxima parte: o hit “Você”. Autobiográfica, a faixa ainda é um dos grandes sucessos do Dead Fish até hoje (“De joelhos hesitar/ Por não te desejar/ Passos largos em direção/ Desejos por trás de desejos/ Sem te ter amor”).

A veloz “Sonhos Colonizados” e a furiosa “Por Não Ter O Que Dizer” mostram a inspiração do punk e a força do hardcore, fundamentais na música do grupo, independentemente da formação do momento. Depois chega “Engarrafamento”, essa com o baixo marcante e dando o tom de uma faixa um pouco mais lenta do que as anteriores, mas o ritmo logo aumenta em “Desencontros”, outro interlúdio.

A parte final começa ma suposta balada “Re-aprender A Andar”. Suposta porque é a letra contrasta com a lentidão do andamento em uma canção muito poderosa e subestimada do álbum. “Siga”, com pouco menos de dois minutos, emenda com “Tudo”, encerramento do álbum com mais uma importante mensagem (“Sempre incompleto/ Usado como qualquer um/ Pois tudo, é ganância! [sem ver]/ Pois tudo, [sem ter] é ganância”).

Com 16 ou 36 anos, é difícil não sentir como “Zero e Um” é importante em vários aspectos. Se em 2004, a inspiração era usar o mesmo visual e procurar a catarse em apresentações sempre inspiradoras, hoje as letras são a parte mais importante do álbum ao conseguir colocar para fora toda agonia de um momento ruim em que uma vida de trabalho ficou por um fio. Duas décadas depois, olhar para trás e ver como as coisas eram diferentes e como a influência do Dead Fish conseguiu mudar parte de uma juventude, ainda mais fã do que antes.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Urgência” (Bil/ Dead Fish) (3:01)
2 - “Tão Iguais” (2:25)
3 - “Zero E Um” (2:09)
4 - “Queda Livre” (3:39)
5 - “Bem-Vindo Ao Clube” (3:07)
6 - “Senhor, Seu Troco” (0:27)
7 - “Você” (3:21)
8 - “Sonhos Colonizados” (1:59)
9 - “Por Não Ter O Que Dizer” (3:30)
10 - “Engarrafamento” (3:10)
11 - “Desencontros” (0:50)
12 - “Re-aprender A Andar” (2:43)
13 - “Siga” (1:46)
14 - “Tudo” (4:29)

Letra e música foram compostas pelo Dead Fish, exceto a marcada

Gravadora: Deckdisc
Produção: Rafael Ramos
Duração: 36min26

Rodrigo Lima: vocal
Alyand Barbosa: baixo e vocal de apoio
Leandro Pretti (Nô): bateria
Hóspede: guitarra
Philippe Fargnoli: guitarra
Alex, Capilé, Cezinha, DF's, Dyna, Marcelinho, Índio, Rafa, e Rodrigo Vidal: coro em “Senhor, Seu Troco” e “Siga”

Eddy Schreyer: masterização
Ryan Green: mixagem
Adam Krammer: assistente de mixagem
Rodrigo Vidal: técnico de gravação
Fábio Roberto e Jorge Guerreiro: assistente técnico de gravação

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