Discos para história: Pornography, do The Cure (1982)


Quarto álbum da banda é tratado como a primeira obra-prima deles

História do disco

O punk foi um movimento que durou quase tão rápido quanto o primeiro disco do Sex Pistols. O auge e o fim caminham lado a lado, mas não sem deixar uma história de reverberação por aí. Uma delas é o pós-punk, subgênero musical que trouxe a velocidade da música feita no fim dos anos 1970 com toda tecnologia, drogas e novidades do início dos anos 1980.

Uma das grandes bandas, talvez a maior, do pós-punk foi o The Cure. Mas antes de estabelecer o som que viria a ser a marca registrada, os britânicos passaram por alguns altos e baixos. Eles nem eram rápidos para o punk, nem “bobinhos” o suficiente para ser romântico, nem ecléticos o suficiente para entrar na new wave. Afinal, o que era o The Cure então? Sem nenhuma piada envolvida, eram apenas The Cure.

Mesmo na TV, nas participações no famoso programa Top of the Pops, dificilmente alguém ali poderia prever que o grupo viraria uma das referências musicais da década e teria forte influência em diversas bandas – contemporâneas e futuras. Mas o início do The Cure foi muito inseguro sobre quais caminhos tomar na carreira e diversas mudanças na formação aconteceram nesse processo.

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E tudo isso começou com o punk, anos antes de qualquer sucesso. Para o site da ‘The Quietus’, o baterista Lol Tolhurst, que ficou no grupo de 1976 a 1989, falou sobre como o surgimento do gênero foi fundamental em sua vida. "Quando as pessoas pensam em psicodelia, elas pensam em flores. Isso [o trabalho no The Cure] era mais baudelairiano [referência ao poeta francês Charles Baudelaire] em sua abordagem. O jeito de entender o The Cure e o link para a psicodelia tem que passar pelo filtro do punk. O punk foi a coisa que mudou toda a nossa vida. Robert e eu tínhamos 17 anos quando o punk atingiu o auge", contou.

O The Cure vinha com dois discos de estúdios bem elogiados pela crítica: “Three Imaginary Boys” (1979) e “Seventeen Seconds” (1980). Mas foi em “Faith”, em 1981, que a coisa começou a acontecer mesmo para eles. O ano seguinte – como um trio formado por Robert Smith, Simon Gallup e Tolhurst – era uma evolução natural desses discos, principalmente por refletir o humor da banda naqueles dias. E foi um ano bem intenso.

Começando pela escolha do produtor do futuro novo disco. O primeiro nome pensado foi Conny Plank, que havia trabalhado recentemente com o Killing Joke no álbum Revelations, mas não deu certo. Quem acabou ocupando o cargo foi Phil Thornalley, 22, engenheiro de som no RAK Studios, e recomendado por Steve Lillywhite, que produzido o Talk Talk Talk com ajuda de Thornalley.

Mesmo não sendo a primeira escolha, acabaria sendo a mais acertada. Apesar de não ter experiência, ou até mesmo por isso, Thornalley aceitou e acreditou na visão dos integrantes para formatar o álbum com esse som mais pesado. Mas o disco que viria a colocar o The Cure como referência, seria o trabalho que acabaria com a formação que trabalhou duro nesse álbum. Começando pela gravação.

O produtor, em entrevistas anos depois, revelou que passou a maior parte do tempo bebendo em excesso. Já o trio estava viciado em LSD, além de passar 24 horas juntos – eles estavam morando no prédio da gravadora. Ou seja, tudo era muito intenso por parte deles o tempo inteiro. Claro, acabou criando um ambiente nada feliz para gravação do álbum.

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Foi nesse ambiente que eles criaram a primeira obra-prima de sua carreira, com destaque para o uso dos elementos eletrônicos. Como tudo era novidade, o uso de sintetizadores e da tecnologia de maneira geral carregavam crueza e brutalidade da pura falta de refinamento e experiência no uso. O sintetizador seria uma marca fundamental para compreender a música feita nos anos 1980 e o reflexo dela na juventude da época.

Lançado em 4 de maio de 1982, “Pornography” virou um dos grandes trabalhos da década e colocou o The Cure em outro patamar. O disco chegou ao nono lugar da parada britânica e por lá ficou ao longo de nove semanas seguidas, mas as opiniões dos críticos foram mornas. O trio saiu em turnê após o lançamento e não voltaria com a mesma formação para o próximo álbum. Gallup e Smith brigaram, e o primeiro deixou o grupo. E Smith passou um tempo como guitarrista do Siouxsie and the Banshees.


Resenha de “Pornography”

O disco começa com "One Hundred Years", que, logo de cara, soa muito urgente aos ouvidos. Seja pela bateria ou pela guitarra cheia de efeitos, a faixa chega com tudo. É o tipo de música impossível de qualquer pessoa ficar imune ao que acontece, porque ela é muito pessimista. E existem dois caminhos para o pessimismo: abraçá-lo ou refutá-lo. A letra ainda traz a urgência o punk ao abordar a luta cotidiana por sobrevivência.

A faixa mais curta do disco, "A Short Term Effect", traz o baixo e a bateria mandando na faixa, enquanto o vocal de Robert Smith é cheio de efeitos em uma letra muito poética e nada simples de entender. "The Hanging Garden" surge para mostrar o lado mais pop da banda e fundamental para atrair qualquer um mais relutante em ouvir as outras faixas de cara – até por isso, acabou sendo escolhida como primeiro e único single do álbum.

O lado A encerra com "Siamese Twins", única faixa do trabalho a falar abertamente sobre sexo. Mas não há nada de pornográfico aqui, ao contrário. Smith, com ajuda de um arranjo bem lento, fala sobre a solidão de fazer sexo com uma prostituta. É algo que não envolve amor ou qualquer tipo de sentimento de nenhum lado, mas de puro e simples medo de ficar sozinho.



O início do lado B não alivia ao começar com "The Figurehead", uma faixa bem melancólica e uma das melhores do estilo gravadas pelo The Cure. Tudo isso para falar de culpa, do tipo mais pesado – aquele que fica com muita gente pelo resto da vida. E o arranjo dessa faixa? O baixo está simplesmente espetacular do início ao fim, ajudando a dar o tom sombrio ideal para faixa. E o tom místico aparece em "A Strange Day", em algo soa como o fim do mundo – e deve ser isso mesmo –, com destaque para a guitarra bem melódica.

Se "Cold" coloca para fora o lado mais experimental do grupo ao misturar elementos então novos, como sintetizadores, com um quê de ópera – uma lição de preocupação com a estética –, a faixa-título é uma montagem ainda mais cheia de experimentalismo ao usar samplers e linhas de sintetizadores para transformar tudo em um caos organizado para banda brilhar.

É possível dizer, depois de ouvir “Pornography”, que o The Cure inventou o pós-punk? Não sei, mas, sem dúvida, criou as bases para o que viria a ser “a” música da década de 1980. E tudo isso começou nesse disco, com algumas das melhores faixas já feitas na década.



Ficha técnica

Tracklist:

Lado A

1 - "One Hundred Years" (6:40)
2 - "A Short Term Effect" (4:22)
3 - "The Hanging Garden" (4:33)
4 - "Siamese Twins" (5:29)

Lado B

1 - "The Figurehead" (6:15)
2 - "A Strange Day" (5:04)
3 - "Cold" (4:26)
4 - "Pornography" (6:27)

Gravadora: Fiction
Produção: Phil Thornalley e The Cure
Duração: 43min29s

Robert Smith: vocais, guitarra; teclados em "One Hundred Years", "The Hanging Garden", "Cold" e "Pornography"; violoncelo em "Cold"
Simon Gallup: baixo, guitarra; teclado em "Strange Day", "Cold" e "Pornography"
Lol Tolhurst: bateria; teclado em "One Hundred Years"



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