Festival: In-Edit Brasil 2022

Ontem (15), começou oficialmente a 14ª edição do In-Edit Brasil, tradicional festival de documentários musicais. Até o dia 26, presencial e online, o público tem a chance de assistir muita coisa que não entra tão cedo no circuito dos cinemas ou no streaming.

Clique aqui para mais informações sobre o festival e aqui para ver como foi a cobertura do blog nos anos anteriores. 

Documentários assistidos: 

Resenha: Anonymous Club, de Danny Cohen
Resenha: Delia Derbyshire - The Myths and the Legendary Tapes, de Caroline Catz
Resenha: Studio 17 - The Lost Reggae Tapes, de Mark James
Resenha: No Ordinary Man, de Aisling Chin-Yee e Chase Joy
Resenha: Manguebit, de Jura Capela
Resenha: Other, Like Me - The Oral History of COUM Transmissions and Throbbing Gristle, de Marcus Werner Hed e Dan Fox
Resenha: Getting It Back - The Story Of Cymande, por Tim Mackenzie-Smith
Resenha: A Música Natureza de Léa Freire, de Lucas Weglinsk
Resenha: a-ha - The Movie, de Thomas Robsahm e Aslaug Holm
Resenha: Rock Camp - The Movie, de Douglas Blush e Renee Barron

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"Me Chama Que Eu Vou" (2021)

Direção: Joana Mariani. Duração: 73 min. Elenco: Sidney Magal, Magali West, Rodrigo West. País: Brasil.

Sidney Magal está fazendo música há mais de 50 anos. Com hits como "Se Te Agarro com Outro Te Mato", "Sandra Rosa Madalena", "Meu Sangue Ferve por Você" e "Me Chama que Eu Vou", ele faz parte da cultura popular do Brasil por várias gerações e mantém uma fiel relação com os fãs após todos esses anos.

Um personagem assim carrega muita história. E Magal carrega muito mais. Primo do compositor e poeta Vinicius de Moraes, ele ficou dois anos na Europa trabalhando em um espetaculo intinerante como cantor, voltou ao Brasil e foi "descoberto" pelo empresário e produtor argentino Roberto Livi que, baseado no cantor Sandro, de imenso sucesso na América Latina, o transformou no amante latino que o brasileiro aprendeu a amar.

Uma pena que o documentário "Me Chama Que Eu Vou", de Joana Mariani, passa muito por cima em todos esses assuntos e pouco se aprofunda na vida e obra de Magal. Por exemplo, ele e Livi desmancharam a parceria no começo dos anos 1980 e não fica claro o motivo. Mas, coincidentemente, o cantor cai no ostracismo ao longo de quase toda década e só retorna com o estouro da lambada no Brasil, quando ele pôde retornar ao visual de antes para cantar a música de abertura da novela "Rainha da Sucata", da TV Globo — é o único momento do longa que podemos ver Magal desarmado e emocionado pelo retorno triunfal.

De resto, o material fala um pouco de cada assunto sem se aprofundar muito — da relação com a mãe, passando pelo casamento, a "disputa" entre o homem e o artista, até o guarda-roupa e a recente redescoberta por uma nova geração. É uma pena porque se tinha alguém com muita história para contar, uma pessoa que realmente conheceu o sucesso "beatlemaníaco" das fãs no Brasil, esse alguém é Sidney Magal. Ele merecia mais.

Avaliação: regular

"Rewind and Play" (2022)

Direção: Alain Gomis. Duração: 73 min. Elenco: Thelonious Monk e Henri Renaud. País: Alemanha e França.

Thelonious Monk foi um dos melhores pianistas de todos os tempos em uma longa carreira que só viu o sucesso na segunda metade da década dos anos 1950, quase 20 anos após o início. A partir disso, ele virou um músico requisitado e com turnês pelo mundo todo.

Mas, no final dos anos 1960, a memória de Monk começou a falhar e ele, uma pessoa que poderia conversar por horas sobre música, simplesmente ficou monossilábico, algo sentido pelos músicos que o acompanhavam. O declínio de um dos gênios do jazz é mostrado em "Rewind and Play", documentário de Alain Gomis.

Gomis descobriu imagens da última passagem de Monk por Paris, em 1969, quando participou de um programa apresentado por Henri Renaud. Mas o resultado foi tão ruim que as imagens nunca foram ao ar. Mais de cinco décadas depois, os motivos foram, enfim, revelados.

Realmente, Monk não estava bem. É visível. O olhar perdido, a distração, a demora em construir um raciocínio simples. Tudo isso atrapalhou a entrevista, mas o entrevistado também não ajudou. Renaud quer fazer perguntas difíceis e deseja encaixar, a qualquer custo, uma história de admiração e intimidade com o pianista. E pelo fato de Monk suar muito nos minutos finais, é claro que eles ficaram horas ali em tentativas frustradas de ambos.

Mas o que vale mesmo é ver Monk no piano. Ainda em um começo de uma doença nunca descoberta — sabe-se que, no final dos anos 1970, não reconhecia mais o próprio filho —, ele não perde nenhuma nota e consegue tocar todos os sucessos até o final. Isso só mostra como uma faísca é suficiente para despertar toda genialidade desse monstro do jazz. E é isso que vale nesse documentário.

Avaliação: bom

"Quem KISS Teve" (1983)

Direção: Tadeu Jungle. Duração: 30 min. Elenco: Eric Carr, Gene Simmons, Paul Stanley, Pepe Escobar e Tadeu Jungle. País: Brasil.

Em 1983, o Kiss veio ao Brasil pela primeira vez para apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. No show realizado no Estádio do Morumbi, Tadeu Jungle montou uma equipe com outras duas pessoas e foi até a porta do local para falar com o público sobre a perspectiva para a apresentação.

Esse material, mais uma montagem com um discurso bem engraçado, uma entrevista com a banda e cenas de um clipe da banda, formam o curta "Quem KISS teve", uma sátira bem divertida daqueles dias.

Obviamente não era a intenção do diretor, mas o material acaba sendo um recorte bem interessante sobre aquele período do Brasil, ainda no período de transição da ditadura para a democracia. E é possível ver que a imensa maioria o público era formada por gente da periferia, no máximo classe média. Quarenta anos depois, o perfil do público de rock no Brasil, e no mundo, mudou drasticamente.

Em pouco menos de meia hora, "Quem KISS teve" mostra como o brasileiro é fanático pelos seus ídolos, tenta aproveitar qualquer oportunidade para sobreviver e canta "Trem das Onze" com muita facilidade.

Avaliação: bom

 
"Lydia Lunch: The War Is Never Over" (2019)

Direção: Beth B. Duração: 75 min. Elenco: Lydia Lunch, Ron Athey, Bob Bert, Tim Dahl, Nicolas Jaar, Thurston Moore, Kembra Pfahler, Henry Rollins, Donita Sparks. País: Estados Unidos

Lydia Lunch é uma das artistas independentes mais importantes dos últimos 50 anos. Forjada em meio a traumas, abusos e problemas de relacionamento com os pais, fugiu de casa aos 13 anos para fazer do mundo uma mistura de parque de diversões e experimentos — musicais e sexuais — em uma carreira que fez o que quis.

"Lydia Lunch: The War Is Never Over" conta essa história através de depoimentos de gente como o músico e DJ Nicolas Jaar, Thurston Moore, ex-Sonic Youth, e Donita Sparks, das L7, todos influenciados por ela de alguma forma. E Lunch é bem aberta para falar de todos os aspectos da própria vida. Sem amarras, ela fala sobre todos os assuntos sem o menor pudor — da carreira aos abusos sofridos na infância até a carreira no cinema.

A edição um tanto caótica pode confundir um pouco e é uma pena que a carreira musical dela é abordada por tão pouco tempo. Mais da metade do longa é focada no cinema e nos traumas de Lunch, quando é possível entender melhor como ela virou essa pessoa que não liga para nada e faz o que bem entende em todos os aspectos, inclusive traumatizar um músico em um relacionamento-relâmpago.

O documentário é um bom material sobre uma personagem fascinante da música independente que, entre outras coisas, "inventou" o subgênero No Wave, trabalhou com Rowland S. Howard, segunda metade do Birthday Party (a outra é Nick Cave) e colaborou com o Sonic Youth ainda no início da carreira da banda. É possível compreender melhor as escolhas, pessoais e artísticas, de uma pessoa que jamais cederá por alguém ou algo.

Avaliação: bom


"Já Estou Farto" (2021)

Direção: Paulo Antunes. Duração: 68 min. Elenco: João Pedro Almendra, Alex Cortez, Daniel Makosch, David Nolasco, Diogo Ribas, Eduardo Vaz Marques, Emanuel Ramalho, Iolanda Batista. País: Portugal

João Pedro Almendra é desses músicos que se confunde com a história do rock underground de Portugal. Ao longo de quase 40 anos de carreira, ele fez parte Ku de Judas e Peste & Sida, duas das principais e mais importantes bandas punks portuguesas. Essa história é contada em "Já Estou Farto" por Paulo Antunes.

De maneira simples, didática, com depoimentos de pessoas que viveram a cena desde o início e imagens de arquivo, o documentário mergulha na história do punk português e mostra uma juventude pronta para se libertar após enfrentar os anos da ditadura Salazarista (1933-1974).

Considerado por muitos o melhor vocalista e um dos melhores compositores do rock português, Almendra não escapou do abuso de drogas e passou por poucas e boas até conseguir deixar o vício. Ele sobreviveu para contar a história e "Já Estou Farto" ajuda a contar um pouco dessa história que nós brasileiros deveríamos conhecer mais.

Avaliação: bom

"The Forbidden Strings" (2019)

Direção: Hasan Noori. Duração: 72 min. Elenco: Akbar, Hakim, Mohammed e Soorit. País: Afganistão, Irã, Catar.

Ter uma banda de rock iniciante não é nada fácil. Exige tempo e dedicação para aprender a tocar um instrumento e paciência para conseguir uma oportunidade da primeira apresentação ao vivo, passo fundamental para conseguir gravar um disco. Isso é multiplicado por mil quando falamos de filhos de imigrantes afegãos morando no Irã.

"The Forbidden Strings" conta a história de Akbar, Hakim, Mohammed e Soorit que, desafiando toda lógica, fundaram uma banda de rock. Mas nada é fácil. Dos quatro, apenas a única mulher do grupo é incentivada pela família a tocar e cantar, enquanto os homens são desencorajados por diversos motivos, sendo o principal é sobre ter família.

A coisa não muda quando eles são convidados para tocar em um festival no Afeganistão. As famílias são contra e alertam dos perigos, e não ajuda em nada quando o evento é cancelado por conta de um atentado a bomba que matou quase 90 pessoas e feriu quase 300.

O trabalho de Hasan Noori é dar espaço aos entrevistados para mostrar a vida simples que levam. Um é marceneiro, outro costureiro. Juntos, alimentam o sonho de ter uma banda de rock, mas, como são estrangeiros, não conseguem estudar e não tem autorização para tocar. O cenário é desanimador. Até que o convite para o festival ressurge e eles aceitam na hora.

O maior desafio deles não está em tocar, mas passar pelas estradas dominadas pelo Talibã. Moradores de outro país, uma tragédia aconteceria se fossem pegos. A passagem no controle da estrada é o momento mais tenso de todo longa. Chegando lá, tudo é mágico. O público adora a apresentação e o grupo é aclamado, uma sensação gostosa e nunca sentida antes.

Ao retornarem ao Irã, porém, a realidade bate à porta. Viver de música é impossível. E eles não são mais as mesmas pessoas de antes do primeiro e único show da vida. E agora? Só o futuro dirá.

Avaliação: muito bom

 
"As Faces do Mao" (2021)

Direção: Dellani Lima e Lucas Barbi. Duração: 78 min. Elenco: José Rodrigues Mao Jr. País: Brasil.

José Rodrigues Mao Jr. é um reconhecido professor de história com doutorado pela USP. E ele também é Mao, vocalista há quase 40 anos da banda punk Garotos Podres, dona dos sucessos "Vou Fazer Cocô" e "Papai Noel, Velho Batuta". Esses dois lados do cantor são mostrados em "As Faces do Mao", documentário de Dellani Lima e Lucas Barbi.

De maneira muito didática, os dois diretores mostram como é a vida de Mao nos últimos anos. Da formação do Garotos Podres até o momento em que decidiu dar aula, ele é firme em uma coisa: no posicionamento pró-esquerda em todos os aspectos da vida. E isso fica claro quando o assunto dos primeiros integrantes da banda vem à tona: eles deixaram o grupo, na maioria, pela discordância das letras políticas de Mao.

Com muita música e muita história, própria e dos países socialistas e comunistas nos últimos anos, Mao segue firme naquilo que acredita e não abre mão das próprias convicções em nenhum momento. Você pode até discordar dele, mas manter-se tão firme por tanto tempo é para ser aplaudido.

Avaliação: bom

"Bandoneando – A busca pelos bandeonistas negros da Campanha Gaúcha" (2021)

Direção: Diego Müller. Duração: 105 min. Elenco: JFlorisbelo Brasil de Freitas, Ênio Medeiros, Doly Costa. País: Brasil.

Um tema muito específico em um documentário ou livro é sempre muito complicado de fazer por vários entraves: a dificuldade em chegar a determinados locais ou entrevistar personagens fundamentais para a história — alguns deles já mortos. Isso não impediu de Diego Müller e a equipe de produzirem um material muito tocante e bonito em "Bandoneando – A busca pelos bandeonistas negros da Campanha Gaúcha".

O bandoneon é um instrumento típico da música portenha, presente nas milongas e tangos argentinos e uruguaios. Só que esse instrumento fez história em Caçapava, cidade no interior do Rio Grande do Sul, quando bandeonistas negros, filhos de ex-escravos, animavam festas com o instrumento. E um em especial chamou a atenção do diretor: Belo Bicho ou Belo Beiço.

Andando por estradas de terra e conversando com moradores mais velhos de lugares silenciosos, preenchidos apenas por um ou outro carro e o barulho natural dos animais, ele e a equipe vão formando conexões com essas pessoas e formando uma espécie de teia de bandeonistas negros, mortos e vivos, para construir um pouco dessa história que envolve o personagem principal.

Alguns encontros são emocionantes, outros deliciosos. E tudo é embalado por muita música, tocada por bandeonistas que mantém uma tradição em vias de morrer. A lamentar que muita coisa, entre fotos e instrumentos, foram perdidos ao longo dos anos — um áudio, conservado de um bandeonista brasileiro, está em um museu no Uruguai. E, sem spoilers, o final dá a entender que um bandeonista está com um bandoneon importante dessa busca.

"Bandoneando – A busca pelos bandeonistas negros da Campanha Gaúcha" é o trabalho lançado unicamente pela força de vontade de uma equipe dedicada a ir fundo nessa história muito bonita sobre um pedaço da música brasileira completamente fora dos holofotes. É desses documentários para ser mostrado em todas as escolas do Brasil.

Avaliação: bom

 
"Ivo Perelman - A Musical Storyteller" (2020)

Direção: Leonel Costa. Duração: 63 min. Elenco: Ivo Perelman, Flora Purim, Roberto Mugiatti, Matthew Shipp, Rosemberg Cariry, Joanne Brackeen, William Parker, Gerry Hemingway. País: Brasil.

Saxofonista profissional há bastante tempo, o brasileiro Ivo Perelman escolheu os Estados Unidos para morar e trabalhar. O caminho escolhido por ele não surpreende, já que é bem difícil, de modo geral, um músico como ele ter o reconhecimento - financeiro e profissional - por aqui.

Em "Ivo Perelman - A Musical Storyteller", ele conta a própria história de maneira bem simples e, com depoimentos de admiradores, podemos conhecer um pouco mais do trabalho desenvolvido ao longo dos anos. Mas há um problema no documentário dirigido por Leonel Costa: a narrativa é muito enfadonha.

Em pouco mais de uma hora, músicos e produtores derramam elogios a Perelman. E são merecidos, aliás. O problema é que o longa fica andando em círculos e não evolui. Um elogio, uma história e, mais para o final, um número de dança com uma música de fundo. E não sai disso.

O documentário não se esforça para apresentar mais do músico e, ao final, parece que sei muito menos sobre ele do que antes de assistir. E o passarinho, que aparece no começo como um fio condutor interessante, desaparece tão rápido quanto foi apresentado. Com uma história tão rica e há muito fora do país, Ivo Perelman merece mais.

Avaliação: ruim


"Castanheiro do Forró" (2021)

Direção: Alfredo Bello. Duração: 37 min. Elenco: Castanheiro, Tio Joca. País: Brasil.

O Castanheiro do Forró tem parte da história de vida muito parecida com a de milhares de migrantes nordestinos que chegaram em São Paulo ainda jovens em busca de uma oportunidade longe da seca e das dificuldades na terra onde nasceram.

A outra parte da história dele é o fato de ser um músico de primeiro nível e ter tocado com Trio Nordestino, Zé do Baião, Dominguinhos e Luiz Gonzaga, além de ter participado de centenas de gravações de álbuns de forró com outros artistas desde a infância. E ele ainda foi administrador de uma casa de forró e apresentador de um programa de rádio.

Com muito humor e recheado de ótimas histórias, "Castanheiro do Forró" ter pouco menos de 40 minutos de duração é um pecado. Com tanta coisa para contar, tantos personagens para explorar e muita música para cantar, daria para fazer algo com mais uma hora com bastante tranquilidade.

Aposentado dos palcos, Castanheiro ainda faz um som com os amigos e segue trabalhando em outra atividade. É mais um caso de herói anônimo da música popular brasileira que merece ter a história contada por mais gente.

Avaliação: muito bom

"Cafi" (2021)

Direção: Lirio Ferreira e Natara Ney. Duração: 76 min. Elenco: Cafi, Alceu Valença, Mestre Anderson, Deborah Colker, Jards Macalé, Ronaldo Bastos, Miguel do Rio Branco, Lô Borges, José Celso Martinês e Xirumbat. País: Brasil.

A história de Cafi se confunde com a da música brasileira. Ao longo de uma carreira iniciada ainda no final dos anos 1960, ele fotografou artistas importantes da nossa história e fez mais de 300 imagens que viraram capas de LPs. Do Clube da Esquina, passando pelo disco do tênis de Lô Borges, Alceu Valença, Cássia Eller e Jards Macalé, ele está na história.

Dirigido por Lirio Ferreira e Natara Ney, o documentário "Cafi" tem no fotógrafo um guia da própria obra e história de vida ao passar pelos lugares que ama e ao conversar com amigos de longa data. De músicos a artistas do teatro e do cinema, ele tem um trânsito nessas áreas que poucas pessoas têm. Querido, as pessoas o recebem em qualquer lugar de braços abertos.

A escolha em fazer um trabalho mais artístico e menos careta pode fazer uma parte considerável do público ficar cansado ou não gostar da abordagem, mas, de maneira geral, "Cafi" satisfaz ao mostrar a vida e obra do, provavelmente, o fotógrafo mais importante da música brasileira dos últimos 60 anos.

Avaliação: bom

 
"Alan" (2022)

Direção: Daniel Lisboa e Diego Lisboa. Duração: 92 min. Elenco: Alan do Rap, Alpha Blondy, Chuck Cronista do Morro, Diego Lisboa, Duda Diamba, Érica Saraiva, Racionais MC’s, Mario 77, MC Kiko, MV Bill, Nicolau, Paula Azeviche, Peace, Raimundo Varela. País: Brasil.

Alan tinha um sonho: ser um rapper de sucesso. Do final dos anos 1990 até 2012, quando foi morto em uma operação policial, ele passou por muita coisa registrada pelos diretores Daniel Lisboa e Diego Lisboa, que transformaram essas imagens no documentário "Alan".

O jovem nascido na periferia de Salvador tinha uma tática das mais interessantes para chamar atenção: simplesmente subir no palco durante um show para cantar e divulgar o próprio trabalho, na esperança de conseguir algo e melhorar de vida. Com o passar do tempo, nada apareceu e a vida dele foi se deteriorando ao ponto de ele ser preso e ficar na cadeia por quatro anos.

O documentário não doura a pílula em nenhum momento e podemos assistir alguém que luta por uma chance que nunca chega de lugar nenhum. Mesmo conhecendo alguns dos melhores rappers do Brasil, Alan do Rap nunca conseguiu alavancar a carreira. A derrocada chega ao ponto de ele perder quase todos os dentes, levar tiros da polícia durante operações na favela e entrar para tráfico para tentar melhorar de vida. Acabou morrendo como muitos brasileiros.

Com imagens feitas ao longo de 13 anos, é possível ver de perto um Brasil que os ricos recusam em acreditar que existe. Alan do Rap virou uma triste estatística, aquela de um brasileiro talentoso sem chance de se desenvolver.

Avaliação: bom

 
"Queremo róque!" (2021)

Direção: Jivago Del Claro. Duração: 83 min. Elenco: Banda Repolho, Tom Zé, Cachorro Grande, Marcelo Birck, Los Hermanos, EduK. País: Brasil.

A banda Repolho, de Chapecó, jamais conseguiu atingir o sucesso de tocar nas grandes redes de TV ou fazer shows em grandes turnês pelo Brasil. Mas o grupo tem uma história das mais engraçadas, contada de maneira competente pelo diretor Jivago Del Claro em "Queremo róque!".

Formado apenas com imagens de arquivo de mais de 30 anos de atividade deles, o documentário tem na montagem o grande mérito. Sem inventar, Del Claro conta a história de forma cronológica e, com muita música, mostra como o Repolho merecia melhor sorte na carreira.

Com fãs do calibre de Tom Zé e Marcelo Camelo, vocalista do Los Hermanos, a banda antecipou o estilo dos Mamonas Assassinas em alguns anos ao usar fantasias nas apresentações e apostar nas letras cheias de humor — canções como "Juvenal", "Maria Gasolina" e "Metalêro Sem Pará" são alguns dos clássicos do repertório.

"Queremo róque!" usa do humor do grupo para mostrar como foi uma pena o Repolho não ter conseguido mais coisas. Teria sido bem engraçado.

Avaliação: bom


"Cine Rabeca" (2022)

Direção: Marcia Mansur. Duração: 59 min. Elenco: Luiz Paixão e Renata Rosa. País: Brasil.

A rabeca é um instrumento parecido com o violino e, segundo a história, tem origem árabe — um tanto impreciso, já que esse território é gigantesco e cheio de países. Na Zona da Mata no norte de Pernambuco, Luiz Paixão é um tocador de rabeca de primeiro nível e chamou atenção de Renata Rosa, também tocadora do instrumento e pesquisadora musical.

Essa parceria de duas décadas é celebrada em "Cine Rabeca", em que nas imagens de arquivo é possível conhecer um pouco mais da vida do músico da infância cortando cana até o interesse pelo instrumento que rende turnês internacionais e o reconhecimento tardio. O longa também passa pela música tradicional e festas locais, importantes para conhecer a história daquelas pessoas.

Com muita música e boas histórias, "Cine Rabeca" acabou sendo uma homenagem a Luiz Paixão, morto há pouco mais de um mês em consequência de um câncer na próstata. Tomara que a tradição tão adorada por ele continue nas mãos de outras pessoas.

Avaliação: bom


"Lenha, Brasa e Bronca: A História de Jacildo e Seus Rapazes" (2021)

Direção: Dennis Rodrigues. Duração: 96 min. Elenco: Jacildo & Seus Rapazes, Helio Flanders. País: Brasil.

O rock demorou, mas invadiu o Brasil em meados dos anos 1960. Em Cuiabá não foi diferente. A principal banda expoente do rock cuiabano foi Jacildo e Seus Rapazes, donos dos melhores shows nas melhores e piores lugares da cidade. Até o fim da década, eles eram imbatíveis. Mas, um dia, o grupo simplesmente chegou ao fim.

Dirigido por Dennis Rodrigues, o documentário "Lenha, Brasa e Bronca: A História de Jacildo e Seus Rapazes" conta a história dos integrantes da banda e da primeira geração do rock cuiabano. Com depoimentos de um integrante do grupo ainda vivo e de pessoas que viveram aqueles dias, o longa ajuda a mostrar a música fora do eixo Rio-São Paulo, presente na maioria dos trabalhos sobre música.

A inocência da música feita por eles e do público fica clara. Era um tempo muito diferente do atual, com bailes para dançar e deixar os adolescentes livres para ouvir muita música boa. Jacildo e Seus Rapazes trabalharam duro para chegar ao estrelado e até gravaram um LP em São Paulo chamado "Lenha, Brasa e Bronca", de boa repercussão local.

As histórias são maravilhosas: dos ensaios quando Jacildo era bem duro com os companheiros até noites em busca de mulheres pela noite, só a música importava para eles. Um dia, em Manaus, a banda indignada por não receber simplesmente foi embora e largou Jacildo - que foi para a Venezuela e abandonou mulher e quatro filhos. O final do longa traz a busca de uma neta por ele e é bem emocionante.

Mesmo com uma clara propaganda de um patrocinador de um convênio hospitalar e a parte final que anda um pouco em círculos, "Lenha, Brasa e Bronca: A História de Jacildo e Seus Rapazes" é bem importante para conhecermos outras bandas e um pouco mais do rock brasileiro.

PS: o disco está nas plataformas digitais

Avaliação: bom


"Tambores da Diáspora" (2021)

Direção: João Nascimento. Duração: 73 min. Elenco: Aluá Nascimento, Beth Belli, Décio Gioielli, Dinho Gonçalves, Dinho Nascimento, Hélio Nogueira, João Nascimento, Marcos Suzano, Paulo Dias, Pedro Bandeira, Silvanny Sivuca, Simone Sou. País: Brasil.

O tambor na música brasileira vem de muitos, muitos anos atrás. Do tempo dos escravos até hoje, o instrumento segue sendo utilizado nas mesmas finalidades: cerimônias religiosas e festas. A história da origem e desenvolvimento para os dias atuais é contada em "Tambores da Diáspora".

Em pouco mais de uma hora, o documentário de João Nascimento explora todos os aspectos do tambor. Com especialistas que vão de músicos profissionais, historiadores, pesquisadores e um luthier, é possível compreender um pouco mais como o instrumento está ligado umbilicalmente com a história dos escravos e seus descendentes brasileiros.

O longa não fica só em explicações e usa muita música para explicar o uso, o movimento e como o tambor foi casando com o choro, o samba e vários outros ritmos musicais brasileiros. É um documentário que todo músico interessado por percussão deve assistir para aprender um pouco mais.

Avaliação: bom

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