Discos para história: Bird and Diz, de Charlie Parker e Dizzy Gillespie (1952)


História do disco

Em 1950, o jazz já não era mais o mesmo do final dos anos 1930 e meados dos anos 1940, quando, por conta da Segunda Guerra Mundial, o formato das chamadas 'big bands' perdeu força pela falta de músicos. A redução do número de integrantes nos grupos e a entrada de novos talentos, dispostos a improvisar e a sair das regras, causou uma verdadeira revolução no gênero. Assim, nasceu o bebop.

Basicamente, o bebop é um estilo no jazz em que os músicos tocam mais notas complexas e mais rápido, dando liberdade a esses novos grupos para criar arranjos em novas músicas. Outro ponto importante foi o fim do cantor de jazz. Quando a mudança chegou para ocupar espaço, os cantores e cantoras, como Frank Sinatra, partiram para a carreira solo. O jazz não era mais a música pop e virou música de nicho, agradando mais aos críticos do que ao público, pelo menos no início dessa reviravolta.

Mais álbuns dos anos 1950:
Discos para história: Genius of Modern Music - Volume 1, de Thelonious Monk (1951)
Discos para história: Chá Dançante, de Donato e Seu Conjunto (1956)
Discos para história: Masterpieces by Ellington, de Duke Ellington (1951)
Discos para história: Convite para Ouvir Maysa, de Maysa (1956)
Discos para história: Gospel Train, de Sister Rosetta Tharpe (1956)
Discos para história: A Rainha Canta, de Angela Maria (1955)

Entre os músicos que fizeram parte desse desenvolvimento, estavam o pianista Thelonious Monk, os bateristas Max Roach e Kenny Clarke, o saxofonista Charlie Parker e o trompetista Dizzy Gillespie. Não era incomum encontrá-los fazendo jams informais de fim de noite em pequenos clubes ou em apartamentos ao longo da madrugada. Por isso, quando "Bird and Diz" foi lançado em 1952, parecia tarde. Todos eles já haviam lançados discos solos ou feito outras parcerias ao longo dos anos anteriores, como a gravação deste LP feita em junho de 1950. Mas o produtor e fundador da gravadora Verve, Norman Granz, sabia uma ou duas coisas sobre lançar um disco.

Monk já havia lançado pela Blue Note o clássico "Genius of Modern Music: Volume 1", Gillespie era um dos melhores trompetistas da época e já demonstrava interesse na fusão do que ficaria conhecido como jazz afro-cubano, e Max Roach era "o" baterista quando o assunto era bebop. Mas, para Granz, quem merecia estar nesse seleto grupo de músicos famosos era o saxofonista Charlie "Bird" Parker.

Parker foi uma das primeiras contratações da parceria entre a gravadora Clef, de Granz, com a Mercury e sempre havia na mesa ideias de como gravá-lo — acompanhado por instrumentos de cordas, com bandas grandes, bandas menores, solo, em dupla. A gravação de "Bird and Diz" era a oportunidade, segundo o produtor, de apresentar Parker a um "público maior" tocando "bonitas canções escritas por bons compositores". E por que ele merecia tanta atenção de um chefe de gravadora?

Charlie Parker era um talento raro, desses que surgem a cada 50 anos no mundo, mas tinha sérios problemas com drogas, principalmente heroína, que o impediam de ir além. Em determinada época, quando foi para Los Angeles, perdeu tudo e acabou parando em um hospital psiquiátrico para tratar forçadamente o vício. Ele estava bem até retornar para Nova York, quando recomeçou o uso.

Estou no Twitter e no Instagram. Ouça o podcast, compre livros na Amazon e fortaleça o trabalho do blog!

O período não foi totalmente perdido para o saxofonista. Pelos hoje importantes selos Savoy e Dial, ele fez algumas das melhores gravações da carreira e havia muito potencial musical a ser explorado. Granz amava música, principalmente jazz, e sabia muito bem disso e a ideia do LP em colocar Parker para tocar com músicos consagrados soava ótima, segundo as lógicas musical e empresarial, respectivamente. E ele fez questão de montar um time de ouro.

O baixista Curly Russell já havia participado de inúmeras gravações de diversos artistas de jazz nos últimos anos, então era uma escolha natural. Thelonious Monk no piano era contar com um peso-pesado e outra escolha natural, mas a surpresa estava na presença do baterista Buddy Rich. Um dos grandes nomes da era do swing e nada tinha a ver com o bebop, e a presença dele na gravação é algo de críticas até hoje por parte de alguns críticos e pesquisadores do jazz — muitas vezes, ele é chamado de "o intruso". Por fim, Dizzy Gillespie dividindo o título do trabalho era uma maneira de tentar atrair mais gente para comprar o LP.

A escolha desses músicos tão qualificados era bastante simples: ter um grupo de pessoas que pensasse de forma parecida para o trabalho fluir da melhor maneira possível. Como mostram os takes, trechos da gravação em relançamentos e muito material escrito, a sessão de 6 de junho de 1950 correu bem e com poucas interrupções — a última música do lado A e a última do lado B foram gravadas em 1949 com outros artistas e seriam retiradas dos relançamentos posteriores.

Veja também:
Discos para história: Peter, Paul and Mary, de Peter, Paul and Mary (1962)
Discos para história: Lonerism, do Tame Impala (2012)
Discos para história: Come Away with Me, de Norah Jones (2002)
Discos para história: Automatic for the People, do R.E.M. (1992)
Discos para história: 1999, de Prince (1982)
Discos para história: The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de David Bowie (1972)

Lançado em 1952, o LP é um marco importante do jazz bebop ao reunir alguns de seus principais nomes. Elogiado por gente como o pianista Count Basie, o trabalho ajudou a impulsionar as ideias desses artistas que melhorariam ainda mais e entrariam definitivamente para a história. A nota triste é que foi a última vez que Parker e Gillespie gravaram juntos no estúdio e foi a única vez que gravaram com Monk.

Os relançamentos posteriores provaram que "Bird and Diz" foi o podemos chamar encontro dos deuses do jazz, com cada um sendo o representante dos melhores momentos do gênero. Parker morreria dali três anos, vítima de pneumonia lobar e sangramento na úlcera e, em vida, nunca conseguiu o reconhecimento que seus pares chegaram a ter. Mas o tempo é o senhor da razão, diria o poeta.


Resenha de "Bird and Diz"

"Bird and Diz" é desses LPs que dá para falar que não é apenas um disco, mas um acontecimento. Os primeiros 30 segundos de "Bloomdido" são de chorar de tão bons. E a banda parece tão entrosada e cheia de confiança, que tudo soa natural — o verdadeiro encontro de gênios em seus respectivos instrumentos.

Qualquer um que fale da suposta intrusão de Buddy Rich no disco peca e muito. Segundo alguns relatos da personalidade dos músicos participantes da gravação, caso qualquer um deles não fosse bom ou estivesse muito fora da linha, ele seria convidado a se retirar de uma maneira nada amistosa. Rich dá aquele tom veloz quando surge no solo e acompanha todos os músicos com a maestria de quem virou uma referência na bateria.

Um dos clássicos do disco é "My Melancholy Baby", um clássico da primeir Era de Ouro do jazz que só ganha nessa interpretação, enquanto "Relaxing With Lee" traz um lado um pouco mais melancólico do bebop, que ganha fôlego na animada "Leap Frog" na abertura do lado B — Rich ganha destaque na abertura com mais momentos dele.

Os últimos momentos do álbum trazem a ótima "An Oscar For Treadwell", quando Parker e Gillespie mostram porque eram os melhores nos respectivos instrumentos. E "Mohawk", a maior canção em duração do disco, encerra o trabalho e mostra porque o bebop mudou a cara do jazz para sempre.

"Bird and Diz" é o registro histórico do encontro de lendas do jazz no auge da forma técnica. Impecável, o registro merece muito mais atenção do que teve nos últimos anos e é bastante recomendável ouvir a edição deluxe com todas as tentativas de diálogos para afinar o trabalho. Saber que esses gênios, um dia, se juntaram para gravar é dessas coisas que merecia um filme.

Ficha técnica

Tracklist*:

Lado A

1 - "Bloomdido" (Charlie Parker) (3:25)
2 - "Melancholy Baby" (Ernie M. Burnett/George A. Norton) (3:24)
3 - "Relaxing With Lee" (Charlie Parker) (2:47)
4 - "Passport" (Charlie Parker) (3:00)

Lado B

1 - "Leap Frog" (Benny Harris/Charlie Parker) (2:29)
2 - "An Oscar For Treadwell" (Charlie Parker) (3:23)
3 - "Mohawk" (Charlie Parker) (3:35)
4 - "Visa" (Charlie Parker) (2:55)

*tracklist do lançamento original do disco

Gravadora: Clef
Produção: Norman Granz
Duração: 24min58

Charlie Parker: saxofone alto
Curly Russell: baixo
Buddy Rich: bateria
Thelonious Monk: piano
Dizzy Gillespie: trompete
Tommy Potter: baixo (faixas A4 e B4)
Carlos Vidal: bongo (na faixa B4)
Max Roach: bateria (faixas A4 e B4)
Al Haig: piano (faixas A4 e B4)
Tommy Turk: trombone (faixa B4)
Kenny Dorham: trompete (faixas A4 e B4)

Continue no blog:

Comentários

  1. Depois de idas e vindas, estou começando a ouvir com mais frequência e entender melhor o jazz.
    Tenho curtido muito as publicações por aqui!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Usem os comentários com parcimônia. Qualquer manifestação preconceituosa, ofensas e xingamentos são excluídos sem aviso prévio. Obrigado!