Disco causou furor ao ser disponibilizado gratuitamente no site da banda
História do disco
O Radiohead já era uma banda imensa no fim da década passada quando, em um passo ousado e surpreendente, anunciou que qualquer um poderia pagar a quantia que desejasse na versão online de In Rainbows, o sétimo disco de estúdio do grupo e sucessor de Hail to the Thief (2003). Esse movimento fez um barulho imenso à época e marcaria a banda para sempre. Sim, porque, se hoje, é normal disponibilizar o discos de forma gratuita, o formato apenas engatinhava há dez anos.
Isso só aconteceu por conta da não renovação com a EMI, então gravadora que detinha o contrato do grupo. Nesse momento, em comum acordo, os cinco integrantes entraram em férias. Quer dizer, quase isso. Thom Yorke e Jonny Greenwood partiram para novos projetos, de um disco solo e em trilhas de filmes, respectivamente. Mas eles não demorariam a se reunir novamente em março de 2005 quando, para choque de alguns, sem o produtor Nigel Godrich, com quem eles haviam trabalhado nos cinco trabalhos anteriores.
Mais discos dos anos 2000:
Discos para história: Only By The Night, do Kings of Leon (2008)
Discos para história: Vagarosa, de Céu (2009)
Discos para história: Sound of Silver, do LCD Soundsystem (2007)
Discos para história: Rap é Compromisso!, de Sabotage (2001)
Discos para história: Raising Sand, de Robert Plant e Alison Krauss (2007)
Discos para história: Bloco do Eu Sozinho, do Los Hermanos (2001)
A decisão de não contar com Godrich gerou o caos nos estúdios nas primeiras semanas de gravação, em agosto, com um material escrito pronto ou em fase final. A intenção era sair de zona de conforto, mas acabou sem conflitos entre os cinco membros e por muito pouco não levou ao encerramento das atividades. Basicamente, o trabalho diário não evoluía em nada, gerando um incrível desperdício de tempo. Os culpados? Além deles mesmos, a falta de prazo para entregar o trabalho e de alguém que centralizasse as ideias e fizesse um filtro de tudo – guardando as coisas boas e eliminando as ruins.
Em dezembro, eles contrataram o produtor Spike Stent para tentar dar um jeito nas coisas. Bom, ele não gostou de nada. E não era questão de demos que precisavam de ajustes, mas de canções prontas e feitas dentro de estúdios com tecnologia de ponta disponível. Cinco meses depois, em abril de 2006, Stent foi demitido sem ter colaborado em nada com o disco. Para tentar refrescar um pouco a cabeça e melhorar o clima entre os integrantes, o Radiohead saiu em turnê no verão europeu (entre março e agosto) e acabou sendo boa experiência para refrescar um pouco a cabeça.
Após os shows, Godrich foi recontratado e chegou "chutando bocas", segundo Yorke. O produtor alugou uma casa caindo aos pedaços nas montanhas e fez com que todos morassem em trailers e carros, porque, por conta das goteiras, rachaduras e diversos problemas, era impossível um ser humano viver ali com o mínimo de dignidade. Se eles precisavam sair logo dali para tomar um banho quente, o trabalho rendeu muito ao longo de três semanas. Entre janeiro e julho de 2007, o Radiohead gravou clipes de divulgação, finalizaram 16 faixas e masterizaram o disco com as dez músicas que entrariam em In Rainbows.
Ainda no fim de 2006, o grupo foi alvo de uma matéria no 'New York Times' sobre como as bandas dos anos 1990 estavam sobrevivendo no mundo atual. O jornal cravou que o Radiohead era a banda mais popular do mundo sem gravadora. Eles até negociaram uma renovação com a EMI, mas decidiram não avançar quando a empresa foi vendida para o fundo de investimento Terra Firma, que viria a perder a empresa cinco anos após os donos serem acusados de fraudar o mercado para ter lucro.
Veja também:
Discos para história: Brilliant Corners, de Thelonious Monk (1957)
Discos para história: Cartola, por Cartola (1976)
Discos para história: Usuário, do Planet Hemp (1995)
Discos para história: Educação Sentimental, do Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens (1985)
Discos para história: Mutantes, dos Mutantes (1969)
Discos para história: Cê, de Caetano Veloso (2006)
Sem gravadora, o Radiohead partiu para um movimento considerado histórico até os dias atuais. Em 1º de outubro de 2007, no site oficial, Jonny Greenwood anunciou a data de lançamento para dali a nove dias, o nome do disco e um link para um cadastro. Ao preencher os dados, o usuário receberia um e-mail com instruções para ter o álbum, podendo escolher o valor a ser pago – incluindo nada. A justificativa da decisão era evitar vazamentos, cada vez mais comuns, e garantir que todos, entre fãs e imprensa, recebessem o trabalho ao mesmo tempo.
Claro que a decisão foi polêmica e ganhou horas de discussão. Muita gente achando uma grande genialidade, outros achando uma tremenda burrice e falta de ética. O arquivo ficou disponível por dois meses e fala-se em mais de um milhão de downloads pagos (o Radiohead nunca divulgou oficialmente um número). Ao longo dos meses, e dos anos seguintes, o disco foi ganhando lançamentos em formato físico e de luxo – um vinil, CD, pôster e outros mimos. O modelo não foi repetido nos trabalhos seguintes, mas, ao gerar o debate, o Radiohead mostrou que a indústria musical estava mudando.
Resenha de In Rainbows
O disco começa com a batida eletrônica de "15 Step", e a letra fala sobre como as pessoas estão vivendo suas vidas normalmente e, do nada, elas podem ter um ataque cardíaco de morrer. E o disco caminha na direção desse tipo de temática, como todos, de famosos a anônimos, têm seus medos. A seguinte, "Bodysnatchers", mantém essa linha e usa um bom exemplo ao falar de como é ruim viver uma vida que não é a sua e, ainda pior, precisar esconder quem você é de verdade.
Ainda bem atual uma década depois do lançamento, "Nude", em seu arranjo muito melancólico, trata de como uma ideia ruim é compartilhada por muita gente, enquanto a pessoa com algo melhor acaba sendo isolada pela sociedade – algo muito comum nestes tempos atuais de redes sociais. Partindo de uma percussão muito ativa e um arranjo dos mais bonitos da carreira deles até ali, "Weird Fishes/Arpeggi" é das melhores gravações do Radiohead sem pensar muito.
Especialista em falar em amor não correspondido, não é à toa que o Radiohead atrai nove entre dez jovens por suas letras profundas. Começando por "Creep" e chegando em "All I Need", ambas têm temática parecida, mas de construção completamente diferente. A primeira é um grito adolescente, a segunda é a reflexão de um homem adulto ainda cheio de dúvidas e lamentações.
Se a curta "Faust Arp" usa a lenda de Fausto, o homem que vendeu a alma ao diabo para ter felicidade eterna, como uma metáfora para o amor e cita o pintor e escultor dadaísta Hans Arp (1886-1966) ("Squeeze the tubes and empty bottles/ And take a bow take a bow take a bow/ It's what you feel now/ What you ought to what you ought to/ An elephant that's in the room is/ Tumbling, tumbling, tumbling/ In duplicate and triplicate and/ Plastic bags and/ Duplicate and triplicate"), "Reckoner" foi retirada de uma batida considerada ruim e descartável em um primeiro momento, mas acabou transformada em uma bonita e reflexiva faixa.
"House of Cards" é uma das faixas mais cheias de momentos dúbios. Ao mesmo tempo em que o personagem principal, embalado por um arranjo bem experimental, quer ser amante de uma mulher, ele ainda está preso ao casamento fadado ao fracasso. Então, toda essa situação é um castelo de cartas pronto para cair. Entre as duas últimas, "Jigsaw Falling into Place" seria muito melhor se fosse apenas instrumental, porém "Videotape" compensa tudo com um encerramento que só o Radiohead poderia dar a um trabalho.
Uma década depois do lançamento, esse disco ainda é alvo de bons debates sobre a indústria musical e como ela mudou de rumo naquela época. In Rainbows é um dos melhores trabalhos do grupo e um dos melhores do início dos anos 2000, quando o grupo ensaiava ir cada vez mais para um caminho experimental.
Ficha técnica
Tracklist:
1 - "15 Step" (3:58)
2 - "Bodysnatchers" (4:02)
3 - "Nude" (4:15)
4 - "Weird Fishes/Arpeggi" (5:18)
5 - "All I Need" (3:49)
6 - "Faust Arp" (2:10)
7 - "Reckoner" (4:50)
8 - "House of Cards" (5:28)
9 - "Jigsaw Falling into Place" (4:09)
10 - "Videotape" (4:40)
Gravadora: independente/ distribuição Xendless, Xurbia XL e TBD
Produção: Nigel Godrich
Duração: 42min39s
Colin Greenwood, Jonny Greenwood, Ed O'Brien, Philip Selway e Thom Yorke: instrumentos diversos, vocais e vocais de apoio
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